São Paulo, domingo, 12 de novembro de 2006

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ARTIGO

Estado chinês enfrenta gargalo de talentos

Atrações do setor privado e falta de estímulo desviam jovens do serviço público, pondo em risco o projeto de aumentar a transparência e combater a corrupção

JOHN L. THORNTON
DA "FOREIGN AFFAIRS"

Depois de 28 anos de reformas, a China enfrenta desafios sem precedentes. Seus líderes e seu povo precisam enfrentar a insatisfação da população com os governos locais, a degradação ambiental, a escassez de recursos naturais e a desigualdade social crescente. Mas enquanto o ritmo das reformas está se acelerando, a capacidade do Estado para administrar essas mudanças não se desenvolve em ritmo semelhante.
Porque o governo da China é um sistema de partido único com participação popular mínima, o sucesso depende da energia e das idéias de seus líderes. No entanto, o atual governo chinês encontra cada vez mais dificuldade para atrair, desenvolver e reter talentos. Os formandos das grandes universidades do país, antes destinados a cargos públicos, agora vêm optando cada vez mais por empregos no setor privado.
Além disso, a estrutura da burocracia do país sufoca a iniciativa pessoal e promove a mediocridade. Pior, muitos dos funcionários são corruptos, o que solapa a efetividade do governo e alimenta o descontentamento com o sistema.

Cérebros
O sistema educacional chinês continua a identificar os melhores cérebros e enviá-los às melhores universidades. Mas quando chegam lá, muitos dos estudantes optam pelos cursos que mais lhe interessam, ou por aqueles que acreditam venham a ser mais lucrativos, em lugar de fazerem cursos criados a fim de prepará-los para trabalho no governo.
Alguns dos que desejam trabalhar para o governo encontram dificuldade para obter emprego. Um aluno que conheço, e que estava entre os melhores de sua classe na Universidade Tsinghua, onde estudaram muitos dos líderes do PC, queria fazer carreira no governo central chinês. Mas, quando se formou, sua única opção de trabalho público seria aceitar um emprego subalterno em um governo provincial, porque ninguém em Pequim foi capaz de abrir vaga para ele na burocracia nacional. Ele decidiu procurar emprego no setor privado.
A despeito desses problemas sistêmicos, a atual geração de líderes chineses tem qualificações muito superiores à dos dirigentes do país algumas décadas atrás. Segundo Cheng Li, pesquisador do Hamilton College, em 1982 menos de 20% dos dirigentes provinciais do PC tinham educação de segundo grau ou superior. Hoje, 97% dos dirigentes têm diplomas avançados.
Em sua melhor forma, essa combinação de talento e poder realiza o antigo ideal confuciano do governante erudito. Embora muitos funcionários talentosos e honestos continuem trabalhando para o governo, outros são motivados pela ambição de status e poder. Como resultado, a corrupção prolifera. Uma das formas mais onipresentes de desonestidade é a venda de cargos oficiais. Diz-se normalmente que a diretoria de um departamento municipal custa 800 mil yuan (cerca de US$ 100 mil).
Tanto o governo quanto o partido empreenderam esforços para combater a corrupção, nos últimos anos. Entre novembro de 2004 e dezembro de 2005, de acordo com importante líder do partido, o PC conduziu 147.539 investigações contra seus membros, incluindo 15.177 casos que envolviam conduta criminosa. Mas existem poucos indícios de que esses esforços tenham surtido muitos frutos.
De acordo com números do próprio governo chinês, no ano passado houve mais de 800 mil "incidentes de massa", a maioria envolvendo protestos contra políticas ou o desempenho de governos locais.
O presidente Hu Jintao e o primeiro-ministro Wen Jiabao compreendem a importância de reduzir ou superar a distância entre aquilo que a China precisa de seus líderes e aquilo que vem recebendo. As campanhas educacionais para os quadros do partido, que exortam os membros a "viver frugalmente, trabalhar com afinco", derivam menos de nostalgia pelas campanhas de reeducação do passado do que da compreensão de que é preciso elevar a qualidade da liderança.

Participação
A existência de um quadro capacitado de líderes no setor público é essencial para que Hu atinja suas metas, entre as quais a de ampliar a participação pública no processo de governo da China. É provavelmente seguro afirmar que ele não pretende que a China se transforme em democracia ao estilo liberal do Ocidente. É mais provável que o PC procure maneiras de criar maior espírito de prestação de contas aos cidadãos, sem nem chegar nem perto de introduzir eleições diretas para a liderança nacional.
Essas reformas provavelmente incluiriam um Judiciário mais independente e mais democracia no seio do PC. Mudanças mais significativas são improváveis, tanto porque os arranjos atuais apóiam os interesses dos detentores do poder quanto porque existe inquietação entre as elites, e entre muitos chineses, em relação aos riscos que a instabilidade poderia acarretar.
Encorajar a participação popular e reforçar a prestação de contas são elementos essenciais para a transformação que a China deve sofrer se pretende obter sucesso em sua modernização. Só ao libertar seus líderes e administradores dos grilhões da política organizacional e do pensamento antiquado a China encontrará um percurso dinâmico, mas estável, para o futuro democrático que Hu propõe e ao qual número cada vez maior de chineses aspira.


JOHN L. THORTON é professor da Universidade Tsinghua de Economia e Administração, em Pequim

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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