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ARTIGO
Estado chinês enfrenta gargalo de talentos
Atrações do setor privado e falta de estímulo desviam jovens do serviço público, pondo em risco o projeto de aumentar a transparência e combater a corrupção
JOHN L. THORNTON
DA "FOREIGN AFFAIRS"
Depois de 28 anos de reformas, a China enfrenta desafios
sem precedentes. Seus líderes e
seu povo precisam enfrentar a
insatisfação da população com
os governos locais, a degradação ambiental, a escassez de recursos naturais e a desigualdade social crescente. Mas enquanto o ritmo das reformas
está se acelerando, a capacidade do Estado para administrar
essas mudanças não se desenvolve em ritmo semelhante.
Porque o governo da China é
um sistema de partido único
com participação popular mínima, o sucesso depende da
energia e das idéias de seus líderes. No entanto, o atual governo chinês encontra cada vez
mais dificuldade para atrair,
desenvolver e reter talentos. Os
formandos das grandes universidades do país, antes destinados a cargos públicos, agora
vêm optando cada vez mais por
empregos no setor privado.
Além disso, a estrutura da burocracia do país sufoca a iniciativa pessoal e promove a mediocridade. Pior, muitos dos
funcionários são corruptos, o
que solapa a efetividade do governo e alimenta o descontentamento com o sistema.
Cérebros
O sistema educacional chinês continua a identificar os
melhores cérebros e enviá-los
às melhores universidades.
Mas quando chegam lá, muitos
dos estudantes optam pelos
cursos que mais lhe interessam, ou por aqueles que acreditam venham a ser mais lucrativos, em lugar de fazerem cursos
criados a fim de prepará-los para trabalho no governo.
Alguns dos que desejam trabalhar para o governo encontram dificuldade para obter
emprego. Um aluno que conheço, e que estava entre os melhores de sua classe na Universidade Tsinghua, onde estudaram
muitos dos líderes do PC, queria fazer carreira no governo
central chinês. Mas, quando se
formou, sua única opção de trabalho público seria aceitar um
emprego subalterno em um governo provincial, porque ninguém em Pequim foi capaz de
abrir vaga para ele na burocracia nacional. Ele decidiu procurar emprego no setor privado.
A despeito desses problemas
sistêmicos, a atual geração de
líderes chineses tem qualificações muito superiores à dos dirigentes do país algumas décadas atrás. Segundo Cheng Li,
pesquisador do Hamilton College, em 1982 menos de 20%
dos dirigentes provinciais do
PC tinham educação de segundo grau ou superior. Hoje, 97%
dos dirigentes têm diplomas
avançados.
Em sua melhor forma, essa
combinação de talento e poder
realiza o antigo ideal confuciano do governante erudito. Embora muitos funcionários talentosos e honestos continuem
trabalhando para o governo,
outros são motivados pela ambição de status e poder. Como
resultado, a corrupção prolifera. Uma das formas mais onipresentes de desonestidade é a
venda de cargos oficiais. Diz-se
normalmente que a diretoria
de um departamento municipal custa 800 mil yuan (cerca
de US$ 100 mil).
Tanto o governo quanto o
partido empreenderam esforços para combater a corrupção,
nos últimos anos. Entre novembro de 2004 e dezembro de
2005, de acordo com importante líder do partido, o PC conduziu 147.539 investigações contra seus membros, incluindo
15.177 casos que envolviam
conduta criminosa. Mas existem poucos indícios de que esses esforços tenham surtido
muitos frutos.
De acordo com números do
próprio governo chinês, no ano
passado houve mais de 800 mil
"incidentes de massa", a maioria envolvendo protestos contra políticas ou o desempenho
de governos locais.
O presidente Hu Jintao e o
primeiro-ministro Wen Jiabao
compreendem a importância
de reduzir ou superar a distância entre aquilo que a China
precisa de seus líderes e aquilo
que vem recebendo. As campanhas educacionais para os quadros do partido, que exortam os
membros a "viver frugalmente,
trabalhar com afinco", derivam
menos de nostalgia pelas campanhas de reeducação do passado do que da compreensão de
que é preciso elevar a qualidade
da liderança.
Participação
A existência de um quadro
capacitado de líderes no setor
público é essencial para que Hu
atinja suas metas, entre as
quais a de ampliar a participação pública no processo de governo da China. É provavelmente seguro afirmar que ele
não pretende que a China se
transforme em democracia ao
estilo liberal do Ocidente. É
mais provável que o PC procure
maneiras de criar maior espírito de prestação de contas aos
cidadãos, sem nem chegar nem
perto de introduzir eleições diretas para a liderança nacional.
Essas reformas provavelmente
incluiriam um Judiciário mais
independente e mais democracia no seio do PC.
Mudanças mais significativas são improváveis, tanto porque os arranjos atuais apóiam
os interesses dos detentores do
poder quanto porque existe inquietação entre as elites, e entre muitos chineses, em relação
aos riscos que a instabilidade
poderia acarretar.
Encorajar a participação popular e reforçar a prestação de
contas são elementos essenciais para a transformação que
a China deve sofrer se pretende
obter sucesso em sua modernização. Só ao libertar seus líderes e administradores dos grilhões da política organizacional
e do pensamento antiquado a
China encontrará um percurso
dinâmico, mas estável, para o
futuro democrático que Hu
propõe e ao qual número cada
vez maior de chineses aspira.
JOHN L. THORTON é professor da Universidade
Tsinghua de Economia e Administração, em Pequim
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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