São Paulo, domingo, 12 de novembro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Extrema direita é porta-voz de excluídos na Polônia

Governo é apoiado pelos descontentes do pós-comunismo, diz especialista

Economia cresce graças a apoio da UE; coligação quer volta da pena de morte, ensino religioso, proibir aborto e direitos gays


JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

François Bafoil é um dos maiores especialistas franceses em Leste Europeu, tema de oito livros que publicou desde o fim do comunismo. O último deles, editado pela Presses Sciences Po, chama-se "Europa Central e Oriental. Globalização, Europeização e Mudanças Sociais".
Professor e pesquisador do Centro Nacional de Pesquisas Científicas, ele também é especialista em Polônia, que é hoje governada por uma coalizão em que alguns dirigentes são abertamente xenófobos, homófobos e anti-semitas.
A retórica por vezes alucinante do governo de Varsóvia, diz ele à Folha, não chega a influenciar a economia, favorecida pela integração do país, em 2004, à União Européia e que deverá em 2006 crescer 5,3%.
O presidente Lech Kaczynski e seu irmão gêmeo Jaroslaw Kaczynski, que vem a ser o primeiro-ministro, estimulam ou toleram discussões bastante bizarras para padrões locais, como a proibição do aborto e a reinstituição da pena de morte. O governo, diz Bafoil, tornou-se o porta-voz dos setores da sociedade que se sentiram excluídos das reformas econômicas pós-comunismo. Eis trechos de sua entrevista.

 

FOLHA - Como explicar que a Polônia abrigue em seu governo correntes da direita extremada?
FRANÇOIS BAFOIL -
Até 2004, todos os partidos e a classe política tinham como prioridade as reformas necessárias para a adesão polonesa à União Européia. Os ex-comunistas e atuais social democratas foram majoritários na última legislatura, em meio a acusações de corrupção. Isso provocou a derrota deles em outubro do ano passado. A atual maioria parlamentar, sem colocar em xeque a adesão à UE, tornou-se porta-voz de todos os setores da sociedade que se sentiram excluídos das reformas econômicas pós-comunismo.

FOLHA - Como o sr. qualifica os integrantes da atual coalizão?
BAFOIL -
Há o Direito e Justiça, majoritário, do primeiro-ministro Jaroslaw Kaczynski. É um partido que se diz liberal e nacionalista, com suas bases bastante urbanizadas, pró-Europa e forte a oeste do país -mais industrializado, com mais investimentos estrangeiros. Há ainda o Partido da Autodefesa, católico e muito nacionalista, que tomou as dores da população rural, da mão-de-obra urbana menos qualificada. Em verdade, esse partido representa aquilo que o sindicato Solidariedade, que virou partido político com a redemocratização, não teve a competência de realizar. Seus dirigentes não contestam a adesão da Polônia à UE. Mas condenam as irregularidades promovidas durante o processo de integração.

FOLHA - Como explicar que o Lei e Justiça tenha também se aliado à direita anti-semita?
BAFOIL -
É o terceiro partido da coalizão, a Liga das Famílias Polonesas, que corresponde a 7,5% do eleitorado e que representa a direita extremada, e que denuncia um suposto complô de "estrangeiros" contra a Polônia. Por mais que se dissocie da União Européia, não chega a tomar iniciativas para retirar o país do bloco. Suas bases são rurais, e seu líder é Andrzej Lepper. Ele quer a melhora na distribuição de renda e a manutenção das antigas ligações com os mercados do Leste Europeu.

FOLHA - De onde surgiu a idéia, dentro do governo, de colocar o aborto na ilegalidade?
BAFOIL -
O Lei e Justiça, do premiê e do presidente, ameaça suprimir a lei que legalizou o aborto. Da mesma forma com que se opõe à supressão do ensino religioso nas escolas e aos direitos dos homossexuais.

FOLHA - Como explicar que a economia esteja tão bem?
BAFOIL -
O governo tem posições oscilantes. Isso o leva a ter relações precárias com a Alemanha e com a Rússia. O que se indaga agora é até que ponto a economia permanecerá impermeável a essa teatralização de posições conservadoras.

FOLHA - A Polônia teria chegado a essa etapa bizarra se a Igreja Católica não fosse tão preponderante?
BAFOIL -
A igreja não é tão forte assim, como instituição. Forte é a religiosidade do povo. Tenho dúvidas sobre o impacto da igreja no comportamento da população. Quanto às recomendações morais, a igreja defende agressivamente um comportamento sexual comedido, o que a juventude ignora sem cerimônias. Pesquisas demonstram que os jovens não têm compromisso com as recomendações da hierarquia católica. Claro que existiu o fator João Paulo 2º, o papa polonês, mas não há um modo de vida predominantemente católico.


Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Em crise, Portugal discute "absorção" pela Espanha
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.