São Paulo, domingo, 12 de novembro de 2006

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ELEIÇÕES NOS EUA / A DOMADORA

Chicote põe Nancy Pelosi na linha de sucessão americana

No comando do Congresso, deputada que liderou minoria democrata por cinco anos será mulher mais poderosa do país

"Esquerdista de San Francisco" já pediu o impeachment de Bush; agora, promete manter diálogo com presidente


SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Ser a primeira mulher a comandar o Congresso na história dos Estados Unidos e que mais próximo chegou da Casa Branca não é o único feito político de Nancy Pelosi. Em 2001, essa filha e irmã de políticos, que prefere terninhos Armani, adora chocolate e será o segundo nome na linha sucessória, em caso de morte ou impedimento do presidente, alcançou outro marco: foi o "chicote" da minoria democrata.
Era a primeira vez que uma mulher era "chicote" no Congresso, até então o cargo mais alto ocupado pelo sexo feminino no Legislativo. "Chicote", é claro, é a tradução literal de "whip", que em linguagem política brasileira é o equivalente a "líder da bancada", assim como "speaker" é "presidente do Congresso". Chicote. Nenhuma posição poderia ser mais adequada para essa política tardia, que foi eleita pela primeira vez em 1987, aos 47.
Nancy Patricia D'Alessandro Pelosi é conhecida por seus correligionários e adversários políticos por ser firme. Quando a vitória democrata primeiro apareceu como uma possibilidade no horizonte, numa viagem de inspeção que ela e seus colegas da Califórnia faziam após o furacão Katrina, no ano passado, ela propôs que o partido tivesse um programa mínimo a ser implementado já no primeiro dia de legislação.
Seria a "agenda das cem horas", em que os congressistas tentariam passar o máximo possível de medidas que dessem um "rosto" a um partido freqüentemente acusado de ter perdido a personalidade em 12 anos como minoria. "Mas cem horas?", questionou o representante John Larson. "Não seria melhor uma meta de cem dias?" "Não!", vergastou Pelosi. "São cem horas."
No dia 3 de janeiro próximo, quando o republicano Dennis Hastert limpar a mesa do Capitólio para que "madame Speaker" assuma, após votação que está virtualmente garantida, é a sua agenda de cem horas que será implantada. "Ela já deu o tom de diálogo bipartidário com seus comentários logo após as eleições", disse Thomas E. Mann, estudioso do Congresso do Instituto Brookings, de Washington. "Agora, terá de aplicar esse tom ao legislar sobre os assuntos que os eleitores disseram ser os mais importantes, o Iraque e a corrupção."
Pelosi já se manifestou sobre os dois. É pela retirada gradual das tropas norte-americanas do país árabe e a favor de leis mais duras com os lobistas no Congresso. Para aprovar o primeiro, terá de convencer George W. Bush e quase todos os republicanos. Para aprovar o segundo, terá de brigar também com os democratas.

Pragmatismo
Aí entra em ação o lado pragmático de uma mulher que, na quarta, falava em "estender a mão da amizade" para o homem que meses antes ela chamava de "incompetente, perigoso". Que falava em manter uma amizade com o presidente para o qual, em 2005, ela defendia o impeachment. "Campanha é campanha, política é política" jogou água fria nos militantes que se reuniram em torno de seu escritório político já na noite de terça-feira, em San Francisco. "Eu entendo a frustração, mas o impeachment está fora de questão." Direta. E menos radical do que se pensa.
Se os mesmos conservadores que até a semana retrasada a pintavam como "amante dos gays, do aborto e dos valores liberais [esquerdistas] de San Francisco" (texto literal de um anúncio político) tivessem prestado atenção, veriam que Nancy Pelosi é mesmo tudo isso -mas não muito. A começar pela cidade: há dez mandatos, ela é eleita pelo 8º distrito da Califórnia, que engloba quase toda San Francisco.
Seu marido, o banqueiro de investimentos Paul Pelosi, é de lá; ali perto, na região do vale do Napa, eles têm terras; uma de suas filhas estudou em Stanford, também no norte do Estado. Mas Nancy Pelosi deixou seu coração mesmo em Washington. "Little Nancy", como era chamada na infância, a caçula e única mulher de uma ninhada de seis, é de Baltimore, no Estado de Maryland, vizinho à capital federal.
Seu pai foi congressista como ela, por dez anos, depois prefeito de sua cidade natal por mais doze. "Com ele, aprendi a contar votos", disse Nancy, numa entrevista recente. Seu irmão mais velho seria eleito para o mesmo cargo que o pai. Toda sua formação política foi a não menos de 80 quilômetros do Capitólio. Até que ela se apaixonou por um milionário da Costa Oeste, mudou-se para lá e com ele teve cinco filhos.
Aos poucos, porém, foi se envolvendo na política californiana. Primeiro, como arrecadadora de fundos -o que fez com tanta competência que alcançou a presidência do partido no Estado, em 1981. Seis anos depois, concorreria a sua primeira eleição como deputada. Nunca mais parou.
Amiga dos gays? Ela defende que o Estado reconheça a união civil entre pessoas do mesmo sexo. Pró-aborto? Ela acredita que a decisão de levar ou não adiante uma gravidez deve ser da mulher, não do Estado. Mas é católica e comunga sempre que pode, apesar de sua comunhão já ter sido recusada por mais de um padre.
Grande arrecadadora, só nos últimos quatro anos conseguiu levantar em doações para seu partido US$ 100 milhões, valor que é quatro vezes o patrimônio de seu marido e só fica abaixo do conseguido no período pelo imbatível casal Clinton. Hillary, aliás, tem se mantido estranhamente calada desde a eleição da colega. Outra que não se manifestou ainda foi a atual secretária de Estado, Condoleezza Rice. As duas sabem que seu clube exclusivo acaba de ganhar a terceira sócia.


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