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ELEIÇÕES NOS EUA / A DOMADORA
Chicote põe Nancy Pelosi na linha de sucessão americana
No comando do Congresso, deputada que liderou minoria democrata por cinco anos será mulher mais poderosa do país
"Esquerdista de San Francisco" já pediu o impeachment de Bush; agora, promete manter diálogo com presidente
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
Ser a primeira mulher a comandar o Congresso na história dos Estados Unidos e que
mais próximo chegou da Casa
Branca não é o único feito político de Nancy Pelosi. Em 2001,
essa filha e irmã de políticos,
que prefere terninhos Armani,
adora chocolate e será o segundo nome na linha sucessória,
em caso de morte ou impedimento do presidente, alcançou
outro marco: foi o "chicote" da
minoria democrata.
Era a primeira vez que uma
mulher era "chicote" no Congresso, até então o cargo mais
alto ocupado pelo sexo feminino no Legislativo. "Chicote", é
claro, é a tradução literal de
"whip", que em linguagem política brasileira é o equivalente a
"líder da bancada", assim como
"speaker" é "presidente do
Congresso". Chicote. Nenhuma posição poderia ser mais
adequada para essa política tardia, que foi eleita pela primeira
vez em 1987, aos 47.
Nancy Patricia D'Alessandro
Pelosi é conhecida por seus
correligionários e adversários
políticos por ser firme. Quando
a vitória democrata primeiro
apareceu como uma possibilidade no horizonte, numa viagem de inspeção que ela e seus
colegas da Califórnia faziam
após o furacão Katrina, no ano
passado, ela propôs que o partido tivesse um programa mínimo a ser implementado já no
primeiro dia de legislação.
Seria a "agenda das cem horas", em que os congressistas
tentariam passar o máximo
possível de medidas que dessem um "rosto" a um partido
freqüentemente acusado de ter
perdido a personalidade em 12
anos como minoria. "Mas cem
horas?", questionou o representante John Larson. "Não seria melhor uma meta de cem
dias?" "Não!", vergastou Pelosi.
"São cem horas."
No dia 3 de janeiro próximo,
quando o republicano Dennis
Hastert limpar a mesa do Capitólio para que "madame Speaker" assuma, após votação que
está virtualmente garantida, é a
sua agenda de cem horas que
será implantada. "Ela já deu o
tom de diálogo bipartidário
com seus comentários logo
após as eleições", disse Thomas
E. Mann, estudioso do Congresso do Instituto Brookings,
de Washington. "Agora, terá de
aplicar esse tom ao legislar sobre os assuntos que os eleitores
disseram ser os mais importantes, o Iraque e a corrupção."
Pelosi já se manifestou sobre
os dois. É pela retirada gradual
das tropas norte-americanas
do país árabe e a favor de leis
mais duras com os lobistas no
Congresso. Para aprovar o primeiro, terá de convencer George W. Bush e quase todos os republicanos. Para aprovar o segundo, terá de brigar também
com os democratas.
Pragmatismo
Aí entra em ação o lado pragmático de uma mulher que, na
quarta, falava em "estender a
mão da amizade" para o homem que meses antes ela chamava de "incompetente, perigoso". Que falava em manter
uma amizade com o presidente
para o qual, em 2005, ela defendia o impeachment. "Campanha é campanha, política é política" jogou água fria nos militantes que se reuniram em torno de seu escritório político já
na noite de terça-feira, em San
Francisco. "Eu entendo a frustração, mas o impeachment está fora de questão." Direta. E
menos radical do que se pensa.
Se os mesmos conservadores
que até a semana retrasada a
pintavam como "amante dos
gays, do aborto e dos valores liberais [esquerdistas] de San
Francisco" (texto literal de um
anúncio político) tivessem
prestado atenção, veriam que
Nancy Pelosi é mesmo tudo isso -mas não muito. A começar
pela cidade: há dez mandatos,
ela é eleita pelo 8º distrito da
Califórnia, que engloba quase
toda San Francisco.
Seu marido, o banqueiro de
investimentos Paul Pelosi, é de
lá; ali perto, na região do vale do
Napa, eles têm terras; uma de
suas filhas estudou em Stanford, também no norte do Estado. Mas Nancy Pelosi deixou
seu coração mesmo em Washington. "Little Nancy", como
era chamada na infância, a caçula e única mulher de uma ninhada de seis, é de Baltimore,
no Estado de Maryland, vizinho à capital federal.
Seu pai foi congressista como
ela, por dez anos, depois prefeito de sua cidade natal por mais
doze. "Com ele, aprendi a contar votos", disse Nancy, numa
entrevista recente. Seu irmão
mais velho seria eleito para o
mesmo cargo que o pai. Toda
sua formação política foi a não
menos de 80 quilômetros do
Capitólio. Até que ela se apaixonou por um milionário da
Costa Oeste, mudou-se para lá
e com ele teve cinco filhos.
Aos poucos, porém, foi se envolvendo na política californiana. Primeiro, como arrecadadora de fundos -o que fez com
tanta competência que alcançou a presidência do partido no
Estado, em 1981. Seis anos depois, concorreria a sua primeira eleição como deputada.
Nunca mais parou.
Amiga dos gays? Ela defende
que o Estado reconheça a união
civil entre pessoas do mesmo
sexo. Pró-aborto? Ela acredita
que a decisão de levar ou não
adiante uma gravidez deve ser
da mulher, não do Estado. Mas
é católica e comunga sempre
que pode, apesar de sua comunhão já ter sido recusada por
mais de um padre.
Grande arrecadadora, só nos
últimos quatro anos conseguiu
levantar em doações para seu
partido US$ 100 milhões, valor
que é quatro vezes o patrimônio de seu marido e só fica abaixo do conseguido no período
pelo imbatível casal Clinton.
Hillary, aliás, tem se mantido
estranhamente calada desde a
eleição da colega. Outra que
não se manifestou ainda foi a
atual secretária de Estado,
Condoleezza Rice. As duas sabem que seu clube exclusivo
acaba de ganhar a terceira sócia.
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