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ARTIGO
Pinochet, traição e embuste econômico
CESAR MAIA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Os sinais foram dados ainda
na transição, antes da posse de
Salvador Allende. O general René Schneider, relacionado com
a Democracia Cristã, foi assassinado por um comando que se
dizia de ultra-esquerda. Quem
escolhia o presidente no Chile,
sempre e quando não alcançava
a maioria absoluta nas urnas,
era o Congresso. A tradição era
escolher o mais votado. Com
Allende poderia ser diferente.
Contatos feitos e acordo firmado: a estrutura de organização
interna das Forças Armadas seria intocável.
Dois anos depois, o quadro
era de instabilidade. Proteger a
zona de Santiago era fundamental, pois representava uns
40% da população chilena. O
que se dizia é que o general Pinochet era de confiança por seu
relacionamento com um setor
socialista. Era militar de confiança para trabalhar e apoiar o
general Carlos Prats, comandante do Exército de Allende,
de vocação democrática (assassinado em Buenos Aires a mando de Pinochet em 1974).
A certeza da boa escolha veio
na tentativa prematura de golpe -uns 30 dias antes do 11 de
Setembro-, conhecida por
"Tancazo". Vá a uma vídeolocadora e peça a "Batalha do Chile". Busque entre os DVDs o
dos tempos próximos ao golpe.
Veja e ouça Pinochet reprimindo o golpe e caminhando em
frente ao palácio La Moneda,
acompanhado do ministro da
Defesa, José Tohá, amigo e de
total confiança de Allende.
Momento da traição
Sua expressão e suas palavras
pareciam garantir o acerto da
sua escolha. O momento da
traição não se conhece, mas a
probabilidade de ter aderido a
um golpe em gestação é muito
grande. Continue vendo o DVD
e fique atento à locução dele no
momento do golpe. Sinta a traição nas palavras. A resistência
esperada por muitos não veio,
desmistificando o que se dizia.
A Marinha sabia disso quando, alegando tráfico de armas
pela esquerda, ocupou Valparaíso e outros locais e fábricas e
vasculhou tudo. Dizem que para comprovar o que se soube
após o golpe. Mas a inexistência
de qualquer exército preparado
por Allende não serviu para nada. Por um longo tempo assassinava-se por qualquer pretexto e cometiam-se as atrocidades comprovadas depois.
Ingênuos
Alguns ingênuos relevam a
barbárie de Pinochet, justificando-a pelas mudanças na
economia que explicariam a situação exemplar do Chile de
hoje. Outro embuste. A economia foi entregue aos mais ortodoxos monetaristas da escola
de Chicago. Aplicou-se o receituário mais horizontal possível.
As empresas quebraram, a economia desintegrou.
No período 1950-1971, o PIB
por habitante do Chile cresceu
2% ao ano. Entre 1972 e 1983, o
PIB por habitante decresceu à
taxa de 1,1% ao ano. Insisto:
1,1% ao ano, negativos. Em
1970, a relação do PIB por habitante do Chile em relação ao
dos EUA era de 35,1%. Em
1992, era de 33,6%. Isso depois
de um forte crescimento nos
últimos anos de Pinochet.
Dos 17 anos de ditadura, o período de desenvolvimento econômico veio quando os conselheiros de Pinochet sugeriram
que ele saísse de nomes ortodoxos e apostasse num economista brilhante que trabalhava na
Oficina de Planejamento e havia participado, assessorando,
da área da Previdência Social.
A propaganda de Pinochet,
depois de uma queda abissal do
PIB nos primeiros anos, apresentava números positivos que
nada mais eram que uma reação ao abismo. Depois de 12
anos de fracasso, assumiu o Ministério da Fazenda/Economia
Hernán Buchi (que os chilenos
pronunciam Birri). Com poderes plenos, atuou como uma espécie de premiê econômico.
Transformações
Foram nesses cinco anos sob
o comando de Buchi que a economia chilena viveu as transformações que conhecemos:
reforma do Estado, focalização
nos setores com vantagem
comparativa, abertura da economia, desvalorização para estimular as exportações, controle de capitais especulativos,
gestão monetária e fiscal flexíveis (a reforma previdenciária
custou 10% do PIB).
Quando veio a primeira eleição pós-ditadura, com a Concertação entre democrata-cristãos e socialistas apresentando
um político experimentado,
Patricio Aylwin, Pinochet não
tinha um nome para apresentar. Recorreu a Buchi e o lançou
sem nenhuma experiência política anterior e com seu cabelinho de corte à príncipe valente.
Assim mesmo, Buchi obteve
40% dos votos.
Confundir o desastrado período Pinochet com os últimos
cinco anos dos 17 em que ele
mandou e que, no fim, apelou
para outra direção econômica,
assim como querer atribuir ao
período ditatorial uma façanha
econômica é no mínimo outra
impostura. Hoje, Buchi dirige
seu Instituto Liberdade e Desenvolvimento e continua
prestando serviços ao Chile
com seu talento.
CESAR MAIA é prefeito do Rio e viveu no Chile
entre 1969 e 1973
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