São Paulo, domingo, 12 de dezembro de 2010

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Cerco a WikiLeaks leva a temor de censura

Ativistas e especialistas receiam que reação de governos e empresas a site detone onda de restrições na internet

Caso pode servir como justificativa para uma legislação internacional bem mais rígida para a divulgação de dados

Associated Press
Apoiadores de Julian Assange seguram cartazes pedindo a sua libertação, em Madri; ato em São Paulo atraiu 30 pessoas

LUCIANA COELHO EM BOSTON

O documentarista Errol Morris tuitou nesta semana um lembrete tão controverso quanto precioso sobre o caso WikiLeaks.
Segundo ele, a divulgação dos Papéis do Pentágono, copiados em 1971 pelo analista militar Daniel Ellsberg para expor parte da sujeira americana no Vietnã, importou pouco pelo seu conteúdo.
O que mudaria o jogo dali para frente, diz, seria a reação do governo, que invadiu o consultório do psiquiatra dele para procurar provas que o desacreditassem.
Pode soar exagerado. Mas a questão para Morris, premiado por expor as prisões que os EUA mantinham no Iraque, e para outros ativistas e estudiosos ouvidos e lidos pela reportagem nesta semana, é tirar a lupa dos 250 mil telegramas diplomáticos vazados pelo WikiLeaks e colocá-la no ato em si e na reação contra ele.
"O WikiLeaks apresentou a possibilidade de acesso a informações restritas como garantia de transparência e a efetivação do sistema de verificação, antes algo teórico", escreveu à Folha a advogada e professora de direito Carolina Rossini, especialista em direito internacional e internet baseada na Califórnia.
"Isso não é novo, mas foi incrivelmente potencializado pela internet, permitindo uma expansão da consciência de como política é feita. " Na mão oposta do que tem acontecido no campo político, porém, nenhum dos especialistas consultados conseguiu se decidir por um veredicto ao WikiLeaks.
Tampouco a controversa figura de seu fundador, Julian Assange, é reverenciada ou criticada. Mas uma certeza há: ele dividiu a rede.
E isso, mais a reação do governo dos EUA aos vazamentos, tentando fechar o site e discutindo meios de indiciar o australiano, pode detonar uma mudança na forma como a informação flui.

ANTI-ANTI
"Não estou preocupado se o WikiLeaks é bom ou ruim", disse à Folha Ethan Zuckerman, fundador do Media Cloud e pesquisador no Centro Berkman para Internet e Sociedade, em Harvard.
"Como diz um amigo, "eu não sei se eu sou pró WikiLeaks, eu sei que eu sou anti-anti-Wikileaks'", afirmou.
A reação do governo até agora só bordejou o oficial: pressão sobre sites de empresas como a Mastercard e a PayPal, que recolhiam doações para a ONG, e telefonemas para a Amazon deixar de hospedar o site.
O Departamento de Justiça estuda formas pelas quais pode acusar Assange e solicitar sua extradição (ele está detido em Londres, a pedido da Suécia, por suspeita de crimes sexuais).
O temor dos ativistas e especialistas é que uma ação contra ele abra um precedente que restrinja a circulação de informações na rede.
"Acho que parte dessa reação são os governos do mundo admitindo que a internet está fora de seu controle e dizendo que farão tudo agora para colocá-la sob controle", afirmou à Folha David Weinberger, um pesquisador associado ao Departamento de Estado, ressaltando que não fala pelo departamento.
O analista afirma que o caso do WikiLeaks pode servir como a justificativa que Washington já vinha buscando para uma legislação internacional comum e mais rígida.
Weinberger, que faz parte de um grupo sobre "e-diplomacia", acha ainda que os esforços por maior transparência e circulação de informações serão revertidos.
Molly Sauter, uma pesquisadora do ativismo hacker no mesmo Centro Berkman, afirmou à Folha que a maior falha no caso é do próprio governo americano -uma opinião com eco forte.
"A solução agora não é criminalizar a publicação de dados por jornais ou outros sites, a solução é consertar o problema de segurança no próprio sistema", afirmou a pesquisadora.
"Porque só o fato de isso ter acontecido mostra que eles estão patinando." Para Sauter, é preciso mudanças técnicas e de mentalidade.

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