São Paulo, segunda-feira, 13 de fevereiro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JOHN ALLEN JR.

Autor de livro sobre o Opus Dei diz que há uma grande diferença entre a imagem e a realidade da prelazia

Opus Dei não é tão poderoso como se pensa, diz vaticanista


FÁBIO CHIOSSI
DA REDAÇÃO

Em seu livro "Opus Dei - an objective look behind the myths and reality of the most controversial force in the catholic church" (Opus Dei, um olhar objetivo por trás dos mitos e da realidade da força mais controversa na Igreja Católica), lançado recentemente nos EUA, o jornalista americano John Allen Jr., especialista na cobertura da Igreja Católica, compilou dados e críticas sobre o Opus Dei, bem como a defesa de seus membros contra as acusações que lhes são feitas.
Para Allen Jr., o grupo criado em 1928 pelo espanhol Josemaría Escrivá -que foi canonizado pelo papa João Paulo 2º- é como uma variedade "extra stout" de uma conhecida marca de cerveja escura irlandesa: "É forte, tem um gosto peculiar e claramente não é para todo mundo".
A metáfora da cerveja, segundo a qual o Opus Dei se diferencia do catolicismo "light" ou "diet" que alguns fiéis praticam, diz respeito à organização e aos princípios dessa prelazia pessoal, que mistura uma constituição laica a orientações de caráter monástico e à qual ex-membros têm acusado de abrir mão de práticas como a imposição de restrições às liberdades individuais e o exercício de pressão psicológica.
À Folha, Allen Jr. contou que, embora o Opus Dei, cujos membros têm de se empenhar em aplicar os ensinamentos de Cristo às atividades do dia-a-dia, tenha problemas ao lidar com as pessoas que nele ingressam e não se adaptam aos seus princípios e orientações, o movimento é muito menos poderoso do que se acredita. O que mais o impressionou ao pesquisar para a confecção do livro, diz o jornalista, foi "a distância entre a imagem e a realidade do movimento.
Leia abaixo trechos da entrevista com John Allen Jr.

Folha - O Opus Dei é o grupo mais conservador da Igreja Católica?
John Allen Jr. -
Não. Bom, é claro que depende do que você quer dizer com conservador. Mas eu diria que não. Mesmo entre outros grupos, novos movimentos ou novas realidades na igreja. Há grupos mais conservadores dentro da igreja, mais tradicionalistas. Muitas pessoas diriam que o Opus Dei está na ala conservadora da igreja, mas provavelmente não é o mais conservador.

Folha - Em certa passagem do livro o senhor afirma que, quando foi criado por santo Escrivá, o Opus Dei era um grupo revolucionário. Em que sentido?
Allen Jr. -
Há dois pontos. Um deles é que o grupo foi criado em 1928, na Espanha, onde havia naquela época uma cultura católica muito clerical. O papel dos laicos era concebido como o de obedecer aos clérigos. Então o Opus Dei fez duas coisas revolucionárias. Primeiro, eles disseram que é na "rua", mais do que dentro das igrejas, que a vida religiosa tem de ser vivida. Ou seja: você tem de viver sua fé nas ruas, assim como na igreja. O que era uma mudança para a cultura católica espanhola. A segunda é que eles deram importância à autonomia dos laicos, que eles deviam descobrir por si próprios coisas como as estratégias políticas que os católicos têm de adotar ou como devem conduzir seus negócios. E isso foi de fato uma revolução, considerando a cultura da época. E é por isso que, no início, o Opus Dei era visto como um movimento de esquerda na Espanha; eram considerados como um tipo de "avant garde". O que faz com que seja um tanto irônico o fato de seu perfil atual ser considerado conservador.

Folha - E esse caráter revolucionário permanece no movimento?
Allen Jr. -
Sim, mas isso se tornou um denominador comum na Igreja Católica. De forma geral, principalmente depois do Concílio Vaticano 2º (1962-65), a igreja adotou essas idéias. Assim, não é mais apenas o Opus Dei que as pratica. É por isso que as pessoas do Opus Dei dizem freqüentemente que Escrivá, de certa forma, antecipou o concílio. Nesses dois pontos sua visão foi amplamente adotada pela igreja.

Folha - Por que, mesmo os membros do Opus Dei sendo poucos em proporção à comunidade católica (cerca de 85.400, segundo o Vaticano, entre aproximadamente 1,1 bilhão de fiéis no mundo), o grupo povoa a imaginação das pessoas?
Allen Jr. -
Esse é o grande mistério sobre o Opus Dei. Estamos falando de um grupo, liderado por um punhado de pessoas, que não é tão significante, tem muito menos poder do que as pessoas acreditam e muito menos dinheiro. Então, como eles se tornaram esse alvo de teorias conspiratórias? Tudo o que posso dizer é que houve um tipo de combinação perfeita de vários fatores diferentes. Um deles é o fato de que, logo no começo de sua história, o Opus Dei se envolveu em rivalidades com os jesuítas - a ordem religiosa mais poderosa e importante da igreja. E, como eles estão presentes no mundo todo, essas impressões sobre o Opus Dei foram exportadas para todo o mundo católico. O segundo fato é que, como o Opus Dei cresceu na Espanha de Franco, há essa tendência muito natural de associar o Opus Dei ao fascismo. Isso lhes deu uma certa reputação de controvérsia. O terceiro é que, no período posterior ao Vaticano 2º, o Opus Dei se tornou o símbolo central das posições ideológicas mais enraizadas da Igreja Católica; ele se tornou um símbolo do que as pessoas viam como a reação direitista ao concílio. Assim, se você é um católico liberal, quase que automaticamente se opõe ao Opus Dei. Mesmo que não saiba nada sobre ele. Portanto é a uma imagem mais do que à realidade que muitas pessoas reagem. O Opus Dei é um grupo tão pequeno, que a maioria das pessoas jamais encontrou algum de seus membros. E se encontraram uma pessoa e tiveram uma experiência ruim com essa pessoa, eles pensam que a coisa toda é ruim. E vice-versa. Provavelmente as duas verões são exageradas.

Folha - E quanto às pessoas que, ao deixarem o Opus Dei, criticam-no com veemência, acusado-o de lavagem cerebral e restrição às liberdades?
Allen Jr. -
Para cada pessoa que teve uma experiência ruim com o Opus Dei é possível encontrar alguém que teve uma experiência boa. Mas eu creio que essas experiências ruins são reais, pois esses relatos vêm de muitas pessoas diferentes, de diversas partes do mundo; eles têm de ser considerados seriamente. E eu creio que isso significa que o Opus Dei não tem feito sempre um bom trabalho ao lidar com as pessoas que têm dúvidas. Eu acho que eles são muito bons em cuidar da vida espiritual dos entusiastas, mas não são tão bons ao lidar com pessoas que estão lutando com suas dúvidas.

Folha - Por que eles não são bons ao lidar com essas pessoas?
Allen Jr. -
Eu creio que a maioria das pessoas que estão em posições de liderança no Opus Dei estão tão completamente satisfeitas com suas experiências, tão convencidas da importância da mensagem de Escrivá que eles não conseguem às vezes entender as pessoas que não estão.

Folha - Então a faculdade da razão é às vezes bloqueada pela experiência que eles estão vivendo?
Allen Jr. -
Eu só quero dizer que, psicologicamente, às vezes é difícil para eles entender de onde vêm essas pessoas que têm dúvidas e que estão em conflito.

Folha - Esses problemas não estão ligados à configuração de uma instituição laica com características monásticas?
Allen Jr. -
Particularmente entre os numerários [membros do movimento que vivem nos centros do Opus Dei e aceitam o celibato], as demandas das tarefas do Opus Dei podem ser muito pesadas, algo similar à experiência monástica. Mas eu diria que, para a grande maioria das pessoas do Opus Dei, dos numerários, eles sabiam ao que estavam se associando e achavam isso muito positivo. Mas há, sem dúvida, uma minoria que entra em conflito com isso. E, historicamente, freqüentemente o Opus Dei não tem sabido muito bem o que fazer com os membros em conflito. E eu acho que o Opus Dei melhorou e aprendeu nesse aspecto com o passar dos anos.

Folha - O fato de eles cultivarem uma atmosfera de segredo não prejudica sua imagem?
Allen Jr. -
Sim. Mas o fato é que eles não vêm isso como segredo, mas como o viver sua própria espiritualidade. Assim, não tentam ser sigilosos, mas eu acho que, para as pessoas que estão fora, eles aparecem como um grupo secreto porque não fazem um trabalho muito bom para se explicarem. Isso os afeta. E é claro que, com o livro, eu estava os tentando desafiar a enfrentar isso.

Folha - Qual foi a reação do Opus Dei ao seu livro?
Allen Jr. -
Oficialmente o Opus Dei não fez nenhum comentário. Extra-oficialmente, algumas pessoas do Opus Dei gostaram e outras não. Algumas acharam que ajudou a mostrar e esclarecer as coisas, outras que ele só fez alarde.

Folha - As pessoas que acharam que ele só fez alarde deram alguma razão para isso?
Allen Jr. -
Muitas pessoas dizem que os assuntos dos quais eu trato -a atmosfera de segredo, o dinheiro, o poder etc.- são secundários, não estão no âmago do Opus Dei. Elas dizem também que têm falado sobre isso por décadas, então qual o sentido de abordar esses assuntos de novo?

Folha - Como o sr. reagiu a essas críticas?
Allen Jr. -
"Escutem, essas são as perguntas que as pessoas fazem. Vocês não podem ter uma conversa franca sobre o Opus Dei sem as considerar e dar a respostas a elas. E, enquanto vocês não o fizerem, as perguntas permanecerão". Então, gostem eles ou não, isso faz parte da vida das pessoas.

Folha - O que mais o surpreendeu sobre o Opus Dei enquanto pesquisava para escrever o livro?
Allen Jr. -
A distância entre a imagem e a realidade [do movimento]. A imagem é a de um grupo todo-poderoso que está por trás de tudo o que acontece na Igreja Católica. E isso não é verdade. É um movimento muito mais modesto, menor, menos significante do que sugere a imagem.


Texto Anterior: EUA: Cheney atira em amigo acidentalmente, diz CNN
Próximo Texto: Allen Jr. tem dois livros sobre o papa Bento 16
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.