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JOHN ALLEN JR.
Autor de livro sobre o Opus Dei diz que há uma grande diferença entre a imagem e a realidade da prelazia
Opus Dei não é tão poderoso como se pensa, diz vaticanista
FÁBIO CHIOSSI
DA REDAÇÃO
Em seu livro "Opus Dei - an objective look behind the myths and
reality of the most controversial
force in the catholic church"
(Opus Dei, um olhar objetivo por
trás dos mitos e da realidade da
força mais controversa na Igreja
Católica), lançado recentemente
nos EUA, o jornalista americano
John Allen Jr., especialista na cobertura da Igreja Católica, compilou dados e críticas sobre o Opus
Dei, bem como a defesa de seus
membros contra as acusações que
lhes são feitas.
Para Allen Jr., o grupo criado
em 1928 pelo espanhol Josemaría
Escrivá -que foi canonizado pelo papa João Paulo 2º- é como
uma variedade "extra stout" de
uma conhecida marca de cerveja
escura irlandesa: "É forte, tem um
gosto peculiar e claramente não é
para todo mundo".
A metáfora da cerveja, segundo
a qual o Opus Dei se diferencia do
catolicismo "light" ou "diet" que
alguns fiéis praticam, diz respeito
à organização e aos princípios
dessa prelazia pessoal, que mistura uma constituição laica a orientações de caráter monástico e à
qual ex-membros têm acusado de
abrir mão de práticas como a imposição de restrições às liberdades individuais e o exercício de
pressão psicológica.
À Folha, Allen Jr. contou que,
embora o Opus Dei, cujos membros têm de se empenhar em aplicar os ensinamentos de Cristo às
atividades do dia-a-dia, tenha
problemas ao lidar com as pessoas que nele ingressam e não se
adaptam aos seus princípios e
orientações, o movimento é muito menos poderoso do que se
acredita. O que mais o impressionou ao pesquisar para a confecção do livro, diz o jornalista, foi "a
distância entre a imagem e a realidade do movimento.
Leia abaixo trechos da entrevista com John Allen Jr.
Folha - O Opus Dei é o grupo mais
conservador da Igreja Católica?
John Allen Jr. - Não. Bom, é claro
que depende do que você quer dizer com conservador. Mas eu diria que não. Mesmo entre outros
grupos, novos movimentos ou
novas realidades na igreja. Há
grupos mais conservadores dentro da igreja, mais tradicionalistas. Muitas pessoas diriam que o
Opus Dei está na ala conservadora da igreja, mas provavelmente
não é o mais conservador.
Folha - Em certa passagem do livro o senhor afirma que, quando
foi criado por santo Escrivá, o Opus
Dei era um grupo revolucionário.
Em que sentido?
Allen Jr. - Há dois pontos. Um
deles é que o grupo foi criado em
1928, na Espanha, onde havia naquela época uma cultura católica
muito clerical. O papel dos laicos
era concebido como o de obedecer aos clérigos. Então o Opus Dei
fez duas coisas revolucionárias.
Primeiro, eles disseram que é na
"rua", mais do que dentro das
igrejas, que a vida religiosa tem de
ser vivida. Ou seja: você tem de viver sua fé nas ruas, assim como na
igreja. O que era uma mudança
para a cultura católica espanhola.
A segunda é que eles deram importância à autonomia dos laicos,
que eles deviam descobrir por si
próprios coisas como as estratégias políticas que os católicos têm
de adotar ou como devem conduzir seus negócios. E isso foi de fato
uma revolução, considerando a
cultura da época. E é por isso que,
no início, o Opus Dei era visto como um movimento de esquerda
na Espanha; eram considerados
como um tipo de "avant garde". O
que faz com que seja um tanto
irônico o fato de seu perfil atual
ser considerado conservador.
Folha - E esse caráter revolucionário permanece no movimento?
Allen Jr. - Sim, mas isso se tornou um denominador comum na
Igreja Católica. De forma geral,
principalmente depois do Concílio Vaticano 2º (1962-65), a igreja
adotou essas idéias. Assim, não é
mais apenas o Opus Dei que as
pratica. É por isso que as pessoas
do Opus Dei dizem freqüentemente que Escrivá, de certa forma, antecipou o concílio. Nesses
dois pontos sua visão foi amplamente adotada pela igreja.
Folha - Por que, mesmo os membros do Opus Dei sendo poucos em
proporção à comunidade católica
(cerca de 85.400, segundo o Vaticano, entre aproximadamente 1,1 bilhão de fiéis no mundo), o grupo
povoa a imaginação das pessoas?
Allen Jr. - Esse é o grande mistério sobre o Opus Dei. Estamos falando de um grupo, liderado por
um punhado de pessoas, que não
é tão significante, tem muito menos poder do que as pessoas acreditam e muito menos dinheiro.
Então, como eles se tornaram esse
alvo de teorias conspiratórias?
Tudo o que posso dizer é que houve um tipo de combinação perfeita de vários fatores diferentes. Um
deles é o fato de que, logo no começo de sua história, o Opus Dei
se envolveu em rivalidades com
os jesuítas - a ordem religiosa
mais poderosa e importante da
igreja. E, como eles estão presentes no mundo todo, essas impressões sobre o Opus Dei foram exportadas para todo o mundo católico. O segundo fato é que, como o Opus Dei cresceu na Espanha de Franco, há essa tendência
muito natural de associar o Opus
Dei ao fascismo. Isso lhes deu
uma certa reputação de controvérsia. O terceiro é que, no período posterior ao Vaticano 2º, o
Opus Dei se tornou o símbolo
central das posições ideológicas
mais enraizadas da Igreja Católica; ele se tornou um símbolo do
que as pessoas viam como a reação direitista ao
concílio. Assim, se
você é um católico
liberal, quase que
automaticamente
se opõe ao Opus
Dei. Mesmo que
não saiba nada sobre ele. Portanto é a
uma imagem mais
do que à realidade
que muitas pessoas
reagem. O Opus
Dei é um grupo tão
pequeno, que a
maioria das pessoas jamais encontrou algum de seus
membros. E se encontraram uma
pessoa e tiveram
uma experiência
ruim com essa pessoa, eles pensam
que a coisa toda é
ruim. E vice-versa.
Provavelmente as
duas verões são exageradas.
Folha - E quanto às pessoas que,
ao deixarem o Opus Dei, criticam-no com veemência, acusado-o de
lavagem cerebral e restrição às liberdades?
Allen Jr. - Para cada pessoa que
teve uma experiência ruim com o
Opus Dei é possível encontrar alguém que teve uma
experiência boa.
Mas eu creio que essas experiências
ruins são reais, pois
esses relatos vêm de
muitas pessoas diferentes, de diversas
partes do mundo;
eles têm de ser considerados seriamente. E eu creio
que isso significa
que o Opus Dei não
tem feito sempre
um bom trabalho
ao lidar com as pessoas que têm dúvidas. Eu acho que
eles são muito bons
em cuidar da vida
espiritual dos entusiastas, mas não são
tão bons ao lidar
com pessoas que estão lutando com
suas dúvidas.
Folha - Por que eles não são bons
ao lidar com essas pessoas?
Allen Jr. - Eu creio que a maioria
das pessoas que estão em posições de liderança no Opus Dei estão tão completamente satisfeitas
com suas experiências, tão convencidas da importância da mensagem de Escrivá que eles não
conseguem às vezes entender as
pessoas que não estão.
Folha - Então a faculdade da razão é às vezes bloqueada pela experiência que eles estão vivendo?
Allen Jr. - Eu só quero dizer que,
psicologicamente, às vezes é difícil para eles entender de onde vêm
essas pessoas que têm dúvidas e
que estão em conflito.
Folha - Esses problemas não estão ligados à configuração de uma
instituição laica com características monásticas?
Allen Jr. - Particularmente entre
os numerários [membros do movimento que vivem nos centros
do Opus Dei e aceitam o celibato],
as demandas das tarefas do Opus
Dei podem ser muito pesadas, algo similar à experiência monástica. Mas eu diria que, para a grande maioria das pessoas do Opus
Dei, dos numerários, eles sabiam
ao que estavam se associando e
achavam isso muito positivo. Mas
há, sem dúvida, uma minoria que
entra em conflito com isso. E, historicamente, freqüentemente o
Opus Dei não tem sabido muito
bem o que fazer com os membros
em conflito. E eu acho que o Opus
Dei melhorou e aprendeu nesse
aspecto com o passar dos anos.
Folha - O fato de eles cultivarem
uma atmosfera de segredo não
prejudica sua imagem?
Allen Jr. - Sim. Mas o fato é que
eles não vêm isso como segredo,
mas como o viver sua própria espiritualidade. Assim, não tentam
ser sigilosos, mas eu acho que, para as pessoas que estão fora, eles
aparecem como um grupo secreto porque não fazem um trabalho
muito bom para se explicarem. Isso os afeta. E é claro que, com o livro, eu estava os tentando desafiar a enfrentar isso.
Folha - Qual foi a reação do Opus
Dei ao seu livro?
Allen Jr. - Oficialmente o Opus
Dei não fez nenhum comentário.
Extra-oficialmente, algumas pessoas do Opus Dei gostaram e outras não. Algumas acharam que
ajudou a mostrar e esclarecer as
coisas, outras que ele só fez alarde.
Folha - As pessoas que acharam
que ele só fez alarde deram alguma
razão para isso?
Allen Jr. -Muitas pessoas dizem
que os assuntos dos quais eu trato
-a atmosfera de segredo, o dinheiro, o poder etc.- são secundários, não estão no âmago do
Opus Dei. Elas dizem também
que têm falado sobre isso por décadas, então qual o sentido de
abordar esses assuntos de novo?
Folha - Como o sr. reagiu a essas
críticas?
Allen Jr. - "Escutem, essas são as
perguntas que as pessoas fazem.
Vocês não podem ter uma conversa franca sobre o Opus Dei
sem as considerar e dar a respostas a elas. E, enquanto vocês não o
fizerem, as perguntas permanecerão". Então, gostem eles ou não,
isso faz parte da vida das pessoas.
Folha - O que mais o surpreendeu
sobre o Opus Dei enquanto pesquisava para escrever o livro?
Allen Jr. - A distância entre a
imagem e a realidade [do movimento]. A imagem é a de um grupo todo-poderoso que está por
trás de tudo o que acontece na
Igreja Católica. E isso não é verdade. É um movimento muito mais
modesto, menor, menos significante do que sugere a imagem.
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