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Fidel teme guinada direitista na região, diz sociólogo
O argentino Atilio Boron, que esteve com cubano, diz que ele crê que crise pode reverter ganho social e não espera muito de Obama
FLÁVIA MARREIRO
DA REPORTAGEM LOCAL
Fidel Castro, 82, escreveu
que o sociólogo argentino Atilio
Boron é autor de uma "pequena
Bíblia" sobre a crise econômica
mundial e alguém com quem
"vale a pena reunir-se". Foi por
isso que o ex-ditador chamou o
marxista a sua casa em Havana,
em 7 de março, em uma deferência que o convalescente em
geral só destina aos presidentes
que visitam a ilha.
Na qualidade de estudioso de
esquerda que mais perto chegou de Fidel recentemente, ele
transmite as preocupações dele: o cubano teme que a crise
econômica transforme a conjuntura da América Latina,
provocando a direitização dos
governos de centro-esquerda
que se aproximaram como
nunca do regime.
Quanto à demissão, sob acusações de "ambiciosos", do ex-chanceler cubano Felipe Pérez
Roque e do ex-"premiê" Carlos
Lage, Boron foi menos detalhista: apenas assegurou que na
visão de Fidel eles não "traíram" o governo cubano.
O argentino disse que o ex-ditador está bem de saúde e se
exercita regularmente.
FOLHA - Fidel endossou sua análise
da crise econômica e vocês conversaram sobre o efeitos políticos dela.
O que ele teme?
ATILIO BORON - Ele está imensamente preocupado porque teme que os governos de centro-esquerda ou esquerda comecem a ceder posições e isso implique um novo descolamento
do pêndulo político para posições mais de centro, mais de direita. Tomemos o caso chileno:
o fato de a Concertação ter escolhido como sucessor Eduardo Frei [do Partido Democrata
Cristão, centrista] e de que a direita tenha um candidato como
Sebastián Piñera está mostrando que o próximo governo não
vai ser da mesma orientação
[da socialista Michelle Bachelet]. Em geral, há muito temor
de que se imponham candidaturas que são de direita em países que vão ter eleições em breve. No Uruguai, Danilo Astoria
[ministro da Fazenda] é à direita do governo Tabaré Vázquez.
Na Argentina, os candidatos
que estão se moldando no próprio peronismo são versões que
estão à direita da presidente
Cristina. Mesmo no Brasil o panorama parece complicado.
FOLHA - Vocês falaram da aliada
principal da ilha, a Venezuela?
BORON - Ele não falou diretamente do caso da Venezuela.
Mas, sem dúvida, ele sabe tanto
quanto eu ou você que essa crise vai ter um impacto grande
em todos os países. A oposição
venezuelana pode capitalizar
isso. Até agora não tem sido assim, mas um dado preocupante
é que a direita, no último referendo venezuelano, conseguiu
um pouco mais 5 milhões de
votos. Esses 5 milhões pertencem a candidaturas que dificilmente se juntariam, mas são
cinco milhões de votos...
Sintetizaria a preocupação
dizendo que, na época de bonança econômica, esses governos de centro-esquerda não introduziram as reformas de fundo que teriam de ter feito para
garantir que certas conquistas
sociais e trabalhistas não possam ser revisadas ou abolidas
por governos que possam vir.
FOLHA - O sr. faz referência a programas de transferência de renda e
a "missões" na Venezuela?
BORON - Claro. Num contexto
de economia internacional tão
desfavorável, é compreensível
a preocupação de Fidel.
FOLHA - O que ele comentou sobre
a saída de Carlos Lage e Felipe Pérez
Roque?
BORON - Foi ele quem puxou o
tema. Ele defendeu um pouco o
que estava em seu texto. Havia
ocorrido alguns erros na execução de políticas, parece que
neste ponto ele estava se referindo a projetos sobretudo econômicos. Disse que havia surgido ambição em algumas pessoas, certo personalismo, que
punha em risco a obra da revolução num momento delicado.
FOLHA - Ele sugeriu contato deles
com "o inimigo externo", algum
aceno não-autorizado aos EUA?
BORON - Não. O que disse é que
certos erros ou certos vícios poderiam objetivamente favorecer os planos dos inimigos, mas
não falou que houve traição.
FOLHA - Que sentido ele deu para
as mudanças, os expurgos deles?
BORON - Ele foi muito claro em
dizer: "Quem governa hoje é
meu irmão". Falou: "Por que
apareci para fazer essa reflexão
[o texto em que atacou Lage e
Pérez Roque]? Para evitar um
debate estéril entre gente que
dizia que havia fidelistas e raulistas. Não há nada desse tipo".
Não falaria expurgo, seria um
absurdo. Chama atenção essa
acusação. Se isso se deu, algum
tipo de problema concreto deve
ter havido e seguramente vamos conhecê-lo nas próximas
semanas. Isso não foi capricho.
FOLHA - Fidel espera algo de Barack Obama?
BORON - Creio que sim. Mas o
que disse é que é preciso esperar para ver qual vai ser a iniciativa de Obama. Disse uma frase:
que Obama muito em breve vai
se dar conta de que uma coisa é
a Presidência, outra é o império. E que as leis do império vão
fazer enorme pressão sobre ele.
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