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Fim da RCTV tira novela popular do ar
Com a não-renovação da licença da TV anti-Chávez, "Mi Prima Ciela" deixará 3 milhões de espectadores sem saber seu final
Tentando amenizar reações negativas, presidente escala profissionais de novela para criar série em TV estatal que substituirá a emissora dia 27
FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS
O enredo é típico de uma novela latino-americana: o mulherengo David Espinoza tenta
mudar de vida ao se apaixonar
por Graciela Andreína, moça
sonhadora que sofre de uma
gravíssima doença. Mas o dramalhão dos protagonistas da
novela venezuelana "Mi Prima
Ciela" tem um ingrediente a
mais. No ar há dez dias, deve
deixar o público órfão daqui a
exatamente duas semanas, junto com todo o restante da programação da RCTV.
O presidente Hugo Chávez
anunciou para o dia 27 a morte
da emissora, nunca perdoada
por ter apoiado abertamente o
golpe frustrado contra ele, em
2002. Com 53 anos e 2.800 funcionários, a RCTV é a mais antiga do país e uma das que mais
têm produção local, com cerca
de nove horas diárias -entre as
quais, "Mi Prima Ciela".
Com uma audiência média
de 35 pontos na última semana,
"Mi Prima Ciela" é o segundo
programa mais assistido das
21h às 22h, horário nobre da TV
local. É um público diário de 3
milhões dos 26 milhões de venezuelanos, segundo levantamento da AGB Nielsen.
Se, no exterior, a batalha entre RCTV e Chávez é mostrada
em torno da liberdade de expressão, na Venezuela, a opinião pública está mais preocupada com a popular grade de
entretenimento da emissora,
cujas novelas são o carro-chefe.
A RCTV tem feito uma intensa campanha relacionando o
fim da emissora ao das novelas.
Nos intervalos, por exemplo,
aparece uma dona-de-casa pedindo para Chávez "deixar a
minha novela em paz".
Já o governo Chávez, ciente
de que a medida é impopular
-69% de rejeição, segundo o
instituto Datanálisis- convocou profissionais de novela
simpáticos ao governo para
montar uma série no canal estatal que substituirá a RCTV.
Na última terça, a reportagem da Folha visitou os estúdios da novela, gravada na sede
da RCTV, numa área decadente do centro de Caracas.
Do lado de fora, o prédio, semelhante a uma caixa-forte, reflete a polêmica da RCTV, com
as paredes transformadas num
imenso mural de apoio à emissora. Semanas antes, as mesmas paredes amanheceram
com pichações pró-Chávez e
velas simulando um funeral.
Dentro, à exceção de cartazes da campanha pró-RCTV, o
trabalho segue o ritmo frenético de qualquer emissora. Nos
modestos estúdios -um corredor com cerca de dez cenários-, os atores se preparavam
para gravar por toda a tarde.
Parte das cenas gravadas nos
últimos dias provavelmente
nunca irá ao ar. Já há 15 capítulos prontos, quase o suficiente
para cobrir até o dia 26. Mesmo
assim, o canal promete continuar tocando a novela -os
contratos dos 25 atores não
prevêem o fim da concessão.
Com o prazo fatal chegando,
os atores se vêem como a orquestra do Titanic? Não, diz
Nacho Huett, 35, já na sua 11ª
novela, onde vive um cineasta
que se apaixona por uma mulher 20 anos mais velha. "Nas
outras novelas, trabalhávamos
sem essa pressão, mas quase
todo mundo aqui tem anos de
RCTV e tenta fazer seu trabalho de forma profissional", diz.
Protagonista pela primeira
vez, o galã Manuel Sosa, 22,
custa a acreditar que a sua
grande chance será interrompida. "Nunca penso que fecharão o canal, que eu colocarei o 2
na minha TV e não estará lá."
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