São Paulo, domingo, 13 de maio de 2007

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Fim da RCTV tira novela popular do ar

Com a não-renovação da licença da TV anti-Chávez, "Mi Prima Ciela" deixará 3 milhões de espectadores sem saber seu final

Tentando amenizar reações negativas, presidente escala profissionais de novela para criar série em TV estatal que substituirá a emissora dia 27

FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS

O enredo é típico de uma novela latino-americana: o mulherengo David Espinoza tenta mudar de vida ao se apaixonar por Graciela Andreína, moça sonhadora que sofre de uma gravíssima doença. Mas o dramalhão dos protagonistas da novela venezuelana "Mi Prima Ciela" tem um ingrediente a mais. No ar há dez dias, deve deixar o público órfão daqui a exatamente duas semanas, junto com todo o restante da programação da RCTV.
O presidente Hugo Chávez anunciou para o dia 27 a morte da emissora, nunca perdoada por ter apoiado abertamente o golpe frustrado contra ele, em 2002. Com 53 anos e 2.800 funcionários, a RCTV é a mais antiga do país e uma das que mais têm produção local, com cerca de nove horas diárias -entre as quais, "Mi Prima Ciela".
Com uma audiência média de 35 pontos na última semana, "Mi Prima Ciela" é o segundo programa mais assistido das 21h às 22h, horário nobre da TV local. É um público diário de 3 milhões dos 26 milhões de venezuelanos, segundo levantamento da AGB Nielsen.
Se, no exterior, a batalha entre RCTV e Chávez é mostrada em torno da liberdade de expressão, na Venezuela, a opinião pública está mais preocupada com a popular grade de entretenimento da emissora, cujas novelas são o carro-chefe.
A RCTV tem feito uma intensa campanha relacionando o fim da emissora ao das novelas. Nos intervalos, por exemplo, aparece uma dona-de-casa pedindo para Chávez "deixar a minha novela em paz".
Já o governo Chávez, ciente de que a medida é impopular -69% de rejeição, segundo o instituto Datanálisis- convocou profissionais de novela simpáticos ao governo para montar uma série no canal estatal que substituirá a RCTV.
Na última terça, a reportagem da Folha visitou os estúdios da novela, gravada na sede da RCTV, numa área decadente do centro de Caracas.
Do lado de fora, o prédio, semelhante a uma caixa-forte, reflete a polêmica da RCTV, com as paredes transformadas num imenso mural de apoio à emissora. Semanas antes, as mesmas paredes amanheceram com pichações pró-Chávez e velas simulando um funeral.
Dentro, à exceção de cartazes da campanha pró-RCTV, o trabalho segue o ritmo frenético de qualquer emissora. Nos modestos estúdios -um corredor com cerca de dez cenários-, os atores se preparavam para gravar por toda a tarde.
Parte das cenas gravadas nos últimos dias provavelmente nunca irá ao ar. Já há 15 capítulos prontos, quase o suficiente para cobrir até o dia 26. Mesmo assim, o canal promete continuar tocando a novela -os contratos dos 25 atores não prevêem o fim da concessão.
Com o prazo fatal chegando, os atores se vêem como a orquestra do Titanic? Não, diz Nacho Huett, 35, já na sua 11ª novela, onde vive um cineasta que se apaixona por uma mulher 20 anos mais velha. "Nas outras novelas, trabalhávamos sem essa pressão, mas quase todo mundo aqui tem anos de RCTV e tenta fazer seu trabalho de forma profissional", diz.
Protagonista pela primeira vez, o galã Manuel Sosa, 22, custa a acreditar que a sua grande chance será interrompida. "Nunca penso que fecharão o canal, que eu colocarei o 2 na minha TV e não estará lá."


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