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Cameron vê "herança terrível" de Brown
Novo primeiro-ministro do Reino Unido lamenta situação econômica atual e exalta coalizão com liberais-democratas
Acordo para a formação de governo inclui formalização da meta de corte de R$ 15,8 bi no Orçamento para reduzir
o deficit público britânico
Christopher Furlong/Reuters
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O premiê britânico David Cameron (à dir.) brinca como aliado Nick Clegg durante entrevista coletiva conjunta ontem em Londres
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI
O líder do Partido Conservador, David Cameron, assumiu o
governo britânico diante de sua
própria "herança maldita", a
expressão com que José Dirceu, então poderoso chefe da
Casa Civil de Luiz Inácio Lula
da Silva, definiu a situação em
que se iniciava o governo do PT,
há quase oito anos.
"Nenhum governo, nos tempos modernos, recebeu herança econômica tão terrível", disse Cameron, na sua primeira
entrevista coletiva após a posse
na véspera. Estava ao lado do
ex-rival e agora parceiro de
coalizão e vice-premiê, Nick
Clegg, líder liberal-democrata.
De certa forma, Clegg é parte
da herança terrível: a primeira
pergunta na coletiva foi sobre o
fato de que Cameron, na campanha, dissera que sua piada favorita era justamente Clegg.
O líder liberal ainda perguntou: "Você disse isso mesmo,
David?". Cameron respondeu,
rindo: "Temo que sim".
Clegg fez menção de ir embora, também sorrindo. Cameron
pediu: "Volte".
Voltou para ouvir o primeiro-ministro mostrar-se pronto
para engolir "a torta da humildade", aceitando a inevitabilidade de que coisas ditas no passado retornem para assombrar
a nova dupla de governo.
Agora, ambos juram que estão iniciando "uma nova política", prontos para "uma mudança histórica" -este será o primeiro governo de coalizão no
país em 65 anos.
Mas a herança terrível corporificou-se pouco antes de Cameron e Clegg iniciarem a coletiva: saíram os dados de desemprego ao terminar o primeiro
trimestre. O número de desempregados foi a 2,51 milhões, o
mais alto nível em 15 anos.
Culpa dos "erros econômicos
da década passada", diz Cameron. Omite que o pico anterior
foi num governo conservador.
A herança terrível foi lembrada por Mervyn King, o presidente do Banco da Inglaterra
(banco central), ao dizer que as
preocupações sobre o estado
das finanças públicas ameaçam
o crescimento econômico. Mas
não deixou de anotar o óbvio: a
incipiente recuperação econômica será prejudicada pelo inevitável aperto fiscal.
Aperto fiscal confirmado pelo novo ministro das Finanças,
Georges Osborne: "Haverá significativa aceleração na redução do deficit orçamentário".
Cortar gastos e aumentar impostos, componentes clássicos
de todo ajuste orçamentário,
são receita para baixo ou nenhum crescimento, ainda mais
quando a economia ainda convalesce da crise de 2007/08.
Em tese, derrubaria a popularidade do governo, que já não
passou pelo teste das urnas. Só
36% dos eleitores votaram no
partido de Cameron. Menos
ainda (23%) no de Clegg.
Em parte por isso, os dois
grupos decidiram amarrar-se
por cinco anos, por meio de
uma reforma política que exigirá maioria de 55% para a aprovação de um voto de desconfiança no governo. Hoje, a
maioria é simples (50% mais 1).
Os conservadores sozinhos
têm apenas 44%, mas com os liberais vão a 56%.
Pontos do acordo
O contrato de casamento entre as partes prevê, em resumo,
os seguintes pontos:
1 - Orçamento de emergência, com o corte imediato de 6
bilhões de libras (R$ 15,8 bilhões). É o que previa o programa conservador.
2 - Imigração - Haverá o teto
para imigrantes de fora da
União Europeia, também como
queriam os conservadores.
3 - Europa - Referendo sobre
eventuais novas transferências
de poder para a União Europeia
e compromisso de não adotar o
euro. Clegg sempre foi bem
mais europeísta que os conservadores. Cedeu de novo.
4 - Reforma eleitoral - Referendo sobre a adoção do chamado voto alternativo, que aumenta levemente a proporcionalidade entre votos obtidos
nas urnas e cadeiras no Parlamento. Os liberais preferiam
um grau mais intenso de proporcionalidade.
Onde os liberais parecem ter
influído é na agenda para o sistema financeiro: prevê a adoção de uma taxa sobre os bancos (proposta de Gordon
Brown, aliás); uma comissão
para estudar a possibilidade de
separar bancos de investimento de bancos comerciais; e a elevação do imposto sobre o lucro
financeiro.
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