São Paulo, quinta-feira, 13 de maio de 2010

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Cameron vê "herança terrível" de Brown

Novo primeiro-ministro do Reino Unido lamenta situação econômica atual e exalta coalizão com liberais-democratas

Acordo para a formação de governo inclui formalização da meta de corte de R$ 15,8 bi no Orçamento para reduzir o deficit público britânico


Christopher Furlong/Reuters
O premiê britânico David Cameron (à dir.) brinca como aliado Nick Clegg durante entrevista coletiva conjunta ontem em Londres

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI

O líder do Partido Conservador, David Cameron, assumiu o governo britânico diante de sua própria "herança maldita", a expressão com que José Dirceu, então poderoso chefe da Casa Civil de Luiz Inácio Lula da Silva, definiu a situação em que se iniciava o governo do PT, há quase oito anos.
"Nenhum governo, nos tempos modernos, recebeu herança econômica tão terrível", disse Cameron, na sua primeira entrevista coletiva após a posse na véspera. Estava ao lado do ex-rival e agora parceiro de coalizão e vice-premiê, Nick Clegg, líder liberal-democrata.
De certa forma, Clegg é parte da herança terrível: a primeira pergunta na coletiva foi sobre o fato de que Cameron, na campanha, dissera que sua piada favorita era justamente Clegg.
O líder liberal ainda perguntou: "Você disse isso mesmo, David?". Cameron respondeu, rindo: "Temo que sim".
Clegg fez menção de ir embora, também sorrindo. Cameron pediu: "Volte".
Voltou para ouvir o primeiro-ministro mostrar-se pronto para engolir "a torta da humildade", aceitando a inevitabilidade de que coisas ditas no passado retornem para assombrar a nova dupla de governo.
Agora, ambos juram que estão iniciando "uma nova política", prontos para "uma mudança histórica" -este será o primeiro governo de coalizão no país em 65 anos.
Mas a herança terrível corporificou-se pouco antes de Cameron e Clegg iniciarem a coletiva: saíram os dados de desemprego ao terminar o primeiro trimestre. O número de desempregados foi a 2,51 milhões, o mais alto nível em 15 anos.
Culpa dos "erros econômicos da década passada", diz Cameron. Omite que o pico anterior foi num governo conservador.
A herança terrível foi lembrada por Mervyn King, o presidente do Banco da Inglaterra (banco central), ao dizer que as preocupações sobre o estado das finanças públicas ameaçam o crescimento econômico. Mas não deixou de anotar o óbvio: a incipiente recuperação econômica será prejudicada pelo inevitável aperto fiscal.
Aperto fiscal confirmado pelo novo ministro das Finanças, Georges Osborne: "Haverá significativa aceleração na redução do deficit orçamentário".
Cortar gastos e aumentar impostos, componentes clássicos de todo ajuste orçamentário, são receita para baixo ou nenhum crescimento, ainda mais quando a economia ainda convalesce da crise de 2007/08.
Em tese, derrubaria a popularidade do governo, que já não passou pelo teste das urnas. Só 36% dos eleitores votaram no partido de Cameron. Menos ainda (23%) no de Clegg.
Em parte por isso, os dois grupos decidiram amarrar-se por cinco anos, por meio de uma reforma política que exigirá maioria de 55% para a aprovação de um voto de desconfiança no governo. Hoje, a maioria é simples (50% mais 1). Os conservadores sozinhos têm apenas 44%, mas com os liberais vão a 56%.

Pontos do acordo
O contrato de casamento entre as partes prevê, em resumo, os seguintes pontos:
1 - Orçamento de emergência, com o corte imediato de 6 bilhões de libras (R$ 15,8 bilhões). É o que previa o programa conservador.
2 - Imigração - Haverá o teto para imigrantes de fora da União Europeia, também como queriam os conservadores.
3 - Europa - Referendo sobre eventuais novas transferências de poder para a União Europeia e compromisso de não adotar o euro. Clegg sempre foi bem mais europeísta que os conservadores. Cedeu de novo.
4 - Reforma eleitoral - Referendo sobre a adoção do chamado voto alternativo, que aumenta levemente a proporcionalidade entre votos obtidos nas urnas e cadeiras no Parlamento. Os liberais preferiam um grau mais intenso de proporcionalidade.
Onde os liberais parecem ter influído é na agenda para o sistema financeiro: prevê a adoção de uma taxa sobre os bancos (proposta de Gordon Brown, aliás); uma comissão para estudar a possibilidade de separar bancos de investimento de bancos comerciais; e a elevação do imposto sobre o lucro financeiro.


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