São Paulo, domingo, 13 de junho de 2010

Próximo Texto | Índice

Questão nuclear ofusca repressão no Irã

Um ano após protestos contra eleição, oposição se sente amordaçada pelo regime e abandonada pelo mundo

Relatório da Human Rights Watch diz que Teerã "metodicamente esmagou todas as formas de dissenso"

Fars News - 23.jun.09/France Presse
Iraniano agita bandeira do país nas ruas militarizadas de Teerã nos dias que se seguiram à reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad, há 1 ano

MARCELO NINIO
DE JERUSALÉM

O programa atômico de Teerã, que na semana passada galgou o topo da agenda internacional com a aprovação de uma nova rodada de sanções pelo Conselho de Segurança da ONU, está longe de ser uma prioridade para a população iraniana.
A grande maioria, inclusive na oposição, apoia o direito do país de seguir com suas atividades nucleares, mas tem preocupações muito maiores -sobretudo a repressão política e o declínio da economia.
Um ano após a reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad, quando acusações de fraude levaram milhares às ruas, a oposição sente-se amordaçada pelo regime e abandonada pelo mundo.
Estudo divulgado nesta semana pela Human Rights Watch (HRW) confirma o panorama descrito pela Folha há três semanas, durante a visita do presidente Lula ao Irã: a atmosfera no país é totalmente distinta da de junho de 2009, quando os protestos tingiram as ruas de verde, a cor da oposição.
Sob o calor da repressão, as manifestações públicas de insatisfação evaporaram. Enquanto a comunidade internacional se concentrava nas ambições nucleares do Irã, "Teerã metodicamente esmagou todas as formas de dissenso", afirma o relatório da HRW.
Para Faraz Sanei, pesquisador de Irã da organização, há visível frustração no país pelo fato de a artilharia diplomática internacional mais pesada se concentrar apenas na questão nuclear.
"A convicção geral, especialmente entre os ativistas, é que os direitos humanos deveriam ser tão ou mais importantes do que o tema nuclear", diz Sanei. "O foco naquele perigo potencial não deve obscurecer o fato de que milhares de pessoas não apenas sofrem ameaças do regime, mas vivenciam diariamente a violência aplicada por ele."

CONSENSO ABALADO
Movida pelo orgulho nacionalista, a maioria dos iranianos manteve-se historicamente favorável ao programa nuclear, iniciado nos anos 50 pelo regime do xá Reza Pahlevi, com a ajuda dos Estados Unidos.
O apoio popular manteve-se após a Revolução Islâmica de 1979 e prosseguiu até a campanha eleitoral do ano passado, quando o candidato oposicionista Mir Hossein Mousavi, o mesmo que depois viraria símbolo da resistência ao regime, defendeu com fervor o direito iraniano de ter atividades nucleares para fins energéticos.
Tal consenso, contaram à Folha ativistas iranianos exilados na Europa, sofreu um baque depois que o governo intensificou a repressão aos dissidentes. Muitos passaram a ver o programa nuclear não como um patrimônio nacional, mas como uma forma de o regime se perpetuar no poder.
Em conversas com a reportagem da Folha em Teerã, quase todos os iranianos abordados disseram não ter dúvidas de que o objetivo do regime é a produção de armas nucleares.
Quando o assunto é a aplicação de sanções internacionais contra o país, como as aprovadas na última quarta-feira na ONU, as opiniões são mais divididas.
Muitos temem que restrições comerciais contidas na resolução da ONU aumentem as dificuldades de uma economia já golpeada por corrupção, má administração e altos índices de inflação e desemprego.
Outros lembram que as sanções da ONU não afetam os negócios com petróleo iraniano. Assim se preservam os lucros das empresas ocidentais que fazem o seu refino e se mantém o controle da economia iraniana pela Guarda Revolucionária -força paramilitar ligada ao líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei-, no que o especialista Fouad Ajami classificou de "petrocracia".
Reprimida internamente e sem apoio externo consistente, a oposição navega na internet em busca de salvação.
"Mas o Twitter não tem como vencer uma Guarda Revolucionária com os recursos que lhes são concedidos por uma economia que ela administra segundo sua preferência", escreveu Ajami.

FOLHA.COM
Especialista diz que Obama sacrificou estratégia de diálogo por ganho de curto prazo
folha.com.br/mu749944


Próximo Texto: Dossiê da AIEA esvazia acordo com Brasil
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.