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Jornalista torturado vê regime com dias contados
Repórter da Newsweek ficou 118 dias preso após protestos do ano passado
Condenado, ele não pode retornar ao país; em entrevista à Folha, ele critica Lula por legitimar governo
GABRIELA MANZINI
DE SÃO PAULO
Há exatamente um ano,
começava em Teerã a mais
grave crise política da história recente do país.
Multidões tomavam as
ruas diariamente para protestar contra a reeleição do
presidente Mahmoud Ahmadinejad, suspeita de fraude.
Em poucos dias, porém, o
aparato repressor se refez.
Nascido em Teerã, o jornalista iraniano-canadense Maziar Bahari foi uma das mais
notórias vítimas dessa ação.
Repórter da revista americana "Newsweek", foi preso
por integrar um complô ocidental antirregime.
Levado à prisão de Evin,
passou 118 dias sob tortura
psicológica e física. Isolado,
recorreu aos exercícios e à
música para resistir à ideia
de cortar os pulsos usando
cacos das lentes do óculos.
Foi libertado em outubro,
a tempo de testemunhar o
nascimento da filha.
Em março, foi julgado à revelia e condenado a 13 anos
de prisão e 74 chibatadas por
diversos crimes, inclusive insultar o líder supremo. Com
isso, está formalmente impedido de voltar ao Irã.
Falando à Folha por telefone, de Nova York, Bahari
defendeu que superar o ódio
dos torturadores é uma forma de derrotá-los.
PRISÃO
Muitas coisas foram terríveis.
A tortura foi muito grave.
Mas a injustiça foi o pior de
tudo. Minha prisão foi simbólica de muitas outras. Acho
que o que aconteceu comigo
aconteceu com muita gente.
Teria sido muito pior se
não tivesse tido o apoio da
"Newsweek" e do "Washington Post". Acho que ainda estaria na prisão, assim como
muitos iranianos continuam
presos ou impedidos de sair
do país por não terem a sorte
que tive de contar com uma
organização internacional.
Há gente que vive com medo. Mas as pessoas tentam ter
vidas normais. Claro que
muitos não podem, por causa da situação política, mas o
povo iraniano é resiliente.
Passou por tanto em sua história que não permite que o
medo tome conta.
AMEAÇAS
No mês passado, eles me
ameaçaram por meio dos
meus familiares. Disseram
que algo imprevisível pode
acontecer, que não devo pensar que eles não podem me
atingir só porque não estou
no Irã. Sim, eles podem me
pegar, mas e daí? Irão me sequestrar, me matar?
Preciso tomar cuidado onde quer que vá. Mas como
muitos iranianos, não permito que [as autoridades iranianas] mudem minha vida.
ÓDIO
Me ressinto do fato de que
um grupo obscuro tenha tomado conta de um país de
gente inteligente e educada.
Mas o que posso fazer? O que
me dá paz é que o povo iraniano superará os obstáculos. Vejo um bom futuro para
o povo, pelo fato de estar insatisfeito com esse país.
Todos os dias, me sinto infectado pela tortura. No meu
caso, ela não foi apenas psicológica, foi também física.
Então é claro que eu os odeio.
Mas, se eu me tornar uma
pessoa amargurada, isso significará que tiveram sucesso,
que conseguiram fazer de
mim um deles. Me ressinto,
às vezes, tenho raiva do que
aconteceu comigo e com o
país, mas não posso deixar
isso tomar conta.
LULA
Entendo o motivo pelo qual o
presidente Lula queira manter uma relação com o Irã, já
que o Brasil é uma potência
emergente e quer ter voz em
questões internacionais,
mas, como ex-ativista trabalhista, ele devia pensar nos
que estão presos no Irã só
porque queriam expressar
sua raiva.
Não acho que se possa esperar que os iranianos vão
seguir o acordo nuclear com
o Brasil, se eles não cumprem os acordos que têm
com a própria população.
Lula também deveria saber que esse governo mudará
com certeza -talvez não agora, mas mudará- e que, ao
ajudar esse regime a durar alguns anos mais, pode prejudicar os laços bilaterais futuros. Esse é um regime que
perdeu sua legitimidade.
Eles só governam pela força,
e nenhum regime pode governar apenas pela força.
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