São Paulo, domingo, 13 de junho de 2010

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Jornalista torturado vê regime com dias contados

Repórter da Newsweek ficou 118 dias preso após protestos do ano passado

Condenado, ele não pode retornar ao país; em entrevista à Folha, ele critica Lula por legitimar governo

GABRIELA MANZINI
DE SÃO PAULO

Há exatamente um ano, começava em Teerã a mais grave crise política da história recente do país.
Multidões tomavam as ruas diariamente para protestar contra a reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad, suspeita de fraude. Em poucos dias, porém, o aparato repressor se refez.
Nascido em Teerã, o jornalista iraniano-canadense Maziar Bahari foi uma das mais notórias vítimas dessa ação.
Repórter da revista americana "Newsweek", foi preso por integrar um complô ocidental antirregime.
Levado à prisão de Evin, passou 118 dias sob tortura psicológica e física. Isolado, recorreu aos exercícios e à música para resistir à ideia de cortar os pulsos usando cacos das lentes do óculos.
Foi libertado em outubro, a tempo de testemunhar o nascimento da filha.
Em março, foi julgado à revelia e condenado a 13 anos de prisão e 74 chibatadas por diversos crimes, inclusive insultar o líder supremo. Com isso, está formalmente impedido de voltar ao Irã.
Falando à Folha por telefone, de Nova York, Bahari defendeu que superar o ódio dos torturadores é uma forma de derrotá-los.

PRISÃO
Muitas coisas foram terríveis. A tortura foi muito grave. Mas a injustiça foi o pior de tudo. Minha prisão foi simbólica de muitas outras. Acho que o que aconteceu comigo aconteceu com muita gente.
Teria sido muito pior se não tivesse tido o apoio da "Newsweek" e do "Washington Post". Acho que ainda estaria na prisão, assim como muitos iranianos continuam presos ou impedidos de sair do país por não terem a sorte que tive de contar com uma organização internacional.
Há gente que vive com medo. Mas as pessoas tentam ter vidas normais. Claro que muitos não podem, por causa da situação política, mas o povo iraniano é resiliente. Passou por tanto em sua história que não permite que o medo tome conta.

AMEAÇAS
No mês passado, eles me ameaçaram por meio dos meus familiares. Disseram que algo imprevisível pode acontecer, que não devo pensar que eles não podem me atingir só porque não estou no Irã. Sim, eles podem me pegar, mas e daí? Irão me sequestrar, me matar?
Preciso tomar cuidado onde quer que vá. Mas como muitos iranianos, não permito que [as autoridades iranianas] mudem minha vida.

ÓDIO
Me ressinto do fato de que um grupo obscuro tenha tomado conta de um país de gente inteligente e educada. Mas o que posso fazer? O que me dá paz é que o povo iraniano superará os obstáculos. Vejo um bom futuro para o povo, pelo fato de estar insatisfeito com esse país.
Todos os dias, me sinto infectado pela tortura. No meu caso, ela não foi apenas psicológica, foi também física. Então é claro que eu os odeio.
Mas, se eu me tornar uma pessoa amargurada, isso significará que tiveram sucesso, que conseguiram fazer de mim um deles. Me ressinto, às vezes, tenho raiva do que aconteceu comigo e com o país, mas não posso deixar isso tomar conta.

LULA
Entendo o motivo pelo qual o presidente Lula queira manter uma relação com o Irã, já que o Brasil é uma potência emergente e quer ter voz em questões internacionais, mas, como ex-ativista trabalhista, ele devia pensar nos que estão presos no Irã só porque queriam expressar sua raiva.
Não acho que se possa esperar que os iranianos vão seguir o acordo nuclear com o Brasil, se eles não cumprem os acordos que têm com a própria população.
Lula também deveria saber que esse governo mudará com certeza -talvez não agora, mas mudará- e que, ao ajudar esse regime a durar alguns anos mais, pode prejudicar os laços bilaterais futuros. Esse é um regime que perdeu sua legitimidade. Eles só governam pela força, e nenhum regime pode governar apenas pela força.


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