São Paulo, segunda-feira, 13 de junho de 2011

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ENTREVISTA DA 2ª

PERE NAVARRO OLIVELLA

Acidente viário deve ser combatido como doença grave

Diretor de trânsito da Espanha diz que aceitar a taxa de 100 mortes diárias é assumir que existe uma guerra

ALENCAR IZIDORO
DE SÃO PAULO

A estabilidade política e econômica do Brasil "é a hora" para que políticos e cidadãos se conscientizem de que os acidentes viários "não são uma maldição divina", mas perfeitamente "evitáveis".
"Não é possível que haja muitos problemas mais graves do que cem mortos em acidentes a cada dia. É uma guerra", afirma Pere Navarro Olivella, 59, diretor-geral de trânsito da Espanha, sobre as vítimas do sistema brasileiro.
Na Espanha, Olivella liderou medidas que levaram à diminuição de 57% das mortes nas estradas -são sete anos consecutivos de queda.
O engenheiro defende que, mesmo numa cultura latina e festeira, é possível haver segurança viária como em países nórdicos.
Mas "não há tratamento indolor" para uma doença que é "grave", alega Olivella.
Além da cartilha habitual -como radares e controle da embriaguez-, ele destaca a importância de estratégias ainda frágeis no Brasil.
Defende campanhas "duras" para sensibilizar os motoristas -como "ridicularizar" infratores reincidentes, mostrar deficientes em blitze e criança acidentada na TV.
E não adianta, diz, só discutir ações de longo prazo, como a formação dos motoristas, e seguir "contando os mortos". "É preciso educação, mas tem que vigiar a obediência às normas já", diz Olivella, defensor não só de radares, mas de fiscalização intensa nas estradas.
Leia trechos da entrevista, feita por telefone, à Folha:

 

Folha - Como vocês conseguiram reduzir as mortes nas rodovias?
Pere Navarro Olivella
- Houve prioridade política. Em 2004, pela primeira vez, os programas de todos os partidos previam medidas para reduzir os acidentes de trânsito. Houve um certo consenso.
Os acidentes são evitáveis. Não são uma maldição divina. Se outros países conseguiram, nós também podemos reduzir essas mortes. É preciso dar voz às vítimas para que expliquem aquilo que sofreram. Elas sim têm muito mais credibilidade.

Por que não houve isso antes?
O país não estava maduro. Há certa relação com a renda do país. Quando se atinge determinado nível, não há mais disposição de deixar tantas vidas nas estradas. Antes de alcançar isso, havia outras prioridades. O Brasil passa por um bom momento, com economia e administração estáveis. A hora é agora.
Quando a população não tem aquilo o que comer e onde viver, falar de acidente de trânsito parece estranho. Mas quando há período de estabilidade e crescimento, não se pode conviver com esse número de vítimas.

Temos no Brasil mais de 35 mil mortos por ano em acidentes de trânsito...
Sim, são cem mortos a cada dia! E são evitáveis! Não é possível que haja muitos problemas mais graves do que cem mortos em acidentes a cada dia. É uma guerra.
Tem que haver um discurso compreensível para os cidadãos e medidas para dar credibilidade ao discurso. Os acidentes de trânsito são uma doença grave, e não há tratamento indolor.

Qual é ele?
Tem que concentrar esforços nos elementos fundamentais: álcool ao volante, uso de cinto de segurança e de capacete, excesso de velocidade e infratores reincidentes.
É preciso muitos controles de alcoolemia para evitar a sensação de impunidade. Temos 25 milhões de condutores e fazemos mais de 5 milhões de testes a cada ano. Todo ano, um motorista, um familiar ou um amigo dele terá passado por um controle. Para a velocidade, só há uma solução: os radares. Temos 800 nas estradas.

Os motoristas não costumam gostar de radares.
Eles existem para a segurança de todos. Em alguns casos, perguntamos aos próprios cidadãos onde querem que os instalemos. E é preciso haver transparência. No caso dos reincidentes, implantamos um cartão de pontos [para suspender a habilitação].

No Brasil, também temos pontos na carteira e limite baixo de álcool para dirigir.
É preciso fazer com que seja cumprido. Não é utopia. Temos dez mil policiais nas estradas. Na Espanha, não somos como os suecos. Nossa cultura gosta de festa, de comer, de beber. Mas podemos cumprir as normas e reduzir os acidentes. Se outros puderam, nós podemos. Não é só para os nórdicos. Há sete anos, também era proibido beber e dirigir e era obrigatório usar cinto nas estradas da Espanha. Mas ninguém cumpria. É preciso uma autoridade eficaz, polícia de trânsito vigiando.

Como lidar com os infratores reincidentes?
Qualquer um de nós pode cometer uma infração. Mas uma, depois outra, depois outra, depois outra... é agir com desprezo aos demais. Existem poucos motoristas que provocam muitos danos.
Uma das estratégias de comunicação é ridicularizar os infratores reincidentes, mostrar como seu comportamento é estúpido. Em anúncios e mensagens de campanhas, fazemos isso com a imagem de quem bebe e dirige.

Como devem ser as campanhas educativas?
É preciso haver algumas campanhas muito duras e outras que fazem pensar. Nas comunicações sobre o uso de cinto de segurança, dizemos: "você vai se matar; cinto, por favor". Uma boa campanha pode reduzir em até 10% os acidentes. Mas, se não há nenhuma medida adicional, após seis meses os números voltam a crescer.
Fizemos uma sobre cinto de segurança nas crianças [com imagens de acidente, criança acidentada e mensagem dizendo que, para maltratar um filho, não é preciso bater nele, basta deixá-lo sem cinto no carro].
Em algumas fiscalizações de embriaguez, deficientes acompanham a polícia para mostrar ao condutor o que poderia ocorrer se ele beber e dirigir. Isso sensibiliza.

Campanhas agressivas também recebem críticas.
É impossível contentar a todos. Não pretendemos agradar todo mundo. Mas, se estamos do lado das vítimas, não estamos sozinhos.

Quais foram as resistências para as medidas?
Quem faz as estradas diz que a culpa é dos condutores e os condutores dizem que a culpa é das estradas. Ninguém assume sua responsabilidade. Alguns dizem: "é um problema de educação". Claro. Mas isso é a médio e longo prazo. E enquanto isso? Continuamos contando os mortos? É preciso educação, mas temos de garantir a obediência às normas já.

O governo não pode se isentar de cumprir sua parte, de melhorar as estradas.
Claro. O governo também arrumou as estradas. É muito importante. Mas, no final, não podemos nos enganar, estão os condutores. Eles precisam adotar comportamentos mais seguros.


O piloto da F-1 Fernando Alonso disse que pode dormir nas estradas devido à redução do limite de 120 km/h para 110 km/h.
A redução foi por razões energéticas [economia de combustível]. Mas nos Estados Unidos, Inglaterra, Suécia, há o limite de 110 km/h. A velocidade tem um valor muito alto na sociedade. Mas, nas estradas, quanto maior a velocidade, há um custo de mais acidentes e maior gravidade das lesões.

A difusão das motos é um agravante recente das mortes no Brasil. O que fazer?
Cada vez haverá mais motos pela dificuldade do trânsito nas grandes cidades. Elas são mais vulneráveis. É preciso disciplinar as motos. Há mais rigor para autorizar a permissão de conduzir motos. É preciso também repensar o desenho viário. Tudo foi construído apenas em função dos automóveis.


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