São Paulo, sexta-feira, 13 de agosto de 2004

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IRAQUE SOB TUTELA

Clérigo Moqtada al Sadr se refugia em templo; invasão é condenada por xiitas dentro e fora do país

EUA invadem Najaf, cidade sagrada xiita

DA REDAÇÃO

Em uma decisão drástica protelada por mais de quatro meses, cerca de 2.000 marines e 1.800 policiais e membros da Guarda Nacional iraquiana resguardados por tanques e aviões invadiram ontem o centro de Najaf, a cidade sagrada xiita que, desde o último dia 5, é o maior foco de tensão e violência do Iraque.
A insurgência reagiu com granadas-foguetes e morteiros, e novos combates ocorreram em um cemitério na periferia, que já havia sido atacado nesta semana pelos EUA. Na terça-feira, os militares americanos haviam exortado os civis a deixarem a cidade.
O alvo do ataque é o clérigo xiita Moqtada al Sadr, contra quem pesa uma ordem de prisão sob acusação de envolvimento no assassinato de um clérigo rival em 2003.
Marines cercaram e invadiram a casa do líder radical que, segundo testemunhas, está entrincheirado com centenas de seguidores na mesquita do imã Ali. O templo é o mais importante do xiismo e abriga o mausoléu do precursor dessa corrente islâmica.
A entrada do santuário foi bloqueada pelos marines, e explosões e tiros ressoaram durante todo o dia nas imediações. Mas os americanos evitam atingi-lo, temendo provocar um levante de proporção nacional no país majoritariamente xiita.
A ação militar provocou reações adversas e condenações em meio aos governos região. "Os invasores americanos provaram que não se pautam por nenhum princípio ético, e suas recentes atrocidades são injustificáveis", declarou o porta-voz da Chancelaria iraniana, Hamid Reza Asefi.
O mais proeminente clérigo xiita do Iraque, grão-aiatolá Ali al Sistani, cujas declarações moderadas costumam contrastar com as de Al Sadr, também exortou os americanos a preservarem a cidade. "Pedimos que o solo sagrado e os locais sagrados sejam respeitados", disse ele, que está em Londres para tratamento cardíaco, por meio de um assessor.
No Líbano, o principal líder xiita, grão-aiatolá Mohammad Hussein Fadlallah, disse que deve ser feito "todo o possível" para expulsar as forças americanas do Iraque e criticou o governo interino iraquiano. "Esse governo deveria ter lidado com o problema usando as forças iraquianas. Deixar que as forças de ocupação controlem locais sagrados e bombardeiem a esmo não resolve nenhum problema", escreveu o clérigo em um comunicado.
A violência na cidade sagrada ecoou em outros bastiões xiitas, como o bairro de Sadr City, em Bagdá. Em Kut (sul), pelo menos 72 pessoas morreram nos confrontos entre o Exército Mehdi e as forças americanas e um subseqüente ataque de aviões dos EUA, segundo dados do Ministério da Saúde. Na capital, os confrontos deixaram 25 mortos. Também houve protestos em Basra, onde mais de 5.000 simpatizantes do clérigo foram às ruas.

US$ 60 milhões
O premiê interino do Iraque, Iyad Allawi, exortou os rebeldes a deixarem o templo do imã Ali e largarem as armas. Segundo Allawi, a atual onda de violência custou aos combalidos cofres do país nos últimos dias US$ 60 milhões.
Al Sadr, 31, mantém uma milícia particular, o Exército Mehdi, que em abril protagonizou um levante no qual mais de 20 soldados americanos foram mortos. À rebelião, seguiram-se sucessivas ações americanas e confrontos que, segundo o comando dos EUA, deixaram mais de 300 rebeldes mortos até o anúncio de uma trégua, em junho.
Os combates nas cercanias de Najaf recrudesceram na semana passada, após dois meses de trégua. A retomada do conflito ocorreu com um ataque da insurgência contra uma delegacia, mas os dois lados ainda trocam acusações pelo rompimento do acordo de cessar-fogo.
Desde então, confrontos entre o Exército Mehdi e as forças americanas eclodiram em pelo menos sete cidades do predominantemente xiita sul do Iraque, impondo um novo -e gigantesco- obstáculo ao governo interino e à Força Multinacional liderada pelos EUA, que apesar da devolução oficial da soberania segue no país.
Segundo o Ministério da Saúde do Iraque, só nos últimos dois dias, pelo menos 172 iraquianos morreram e 643 foram feridos nos diferentes focos de violência no país. Os números, no entanto, não incluem as baixas em Najaf, sobre as quais não há ainda nenhum comunicado oficial.
Os EUA afirmam que as forças iraquianas têm participado ativamente da ofensiva, embora testemunhas afirmem que a maior parte dos ataques e combates tem sido executada pelos americanos.

Conferência Nacional
Paralelamente, segue a onda de seqüestros de estrangeiros, que desde abril já somou mais de 80 reféns. Um grupo desconhecido anunciou a captura de três caminhoneiros árabes -um sírio e dois libaneses- que levavam equipamentos às forças dos EUA.
Apesar da violência, as autoridades iraquianas mantiveram para este fim de semana a Conferência Nacional, um encontro que deve reunir cerca de mil representantes da sociedade iraquiana para escolher os membros da Assembléia Nacional interina, encarregada de redigir uma nova Constituição para o país e monitorar o atual governo.
Por sua vez, o Conselho de Segurança da ONU aprovou por unanimidade a extensão em um ano do mandado da entidade no país, que prevê um "papel crucial" para a missão do organismo, reduzida ante a violência e alvo de dois atentados em 2003. O foco é a organização de eleições e a assistência humanitária.


Com agências internacionais

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