São Paulo, domingo, 13 de agosto de 2006

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Ocupações impulsionam terror, diz especialista

Americano afirma que 95% dos ataques terroristas suicidas tiveram motivação nacionalista ou secular, e só uma minoria tem origem no fanatismo religioso

PROFESSOR da Universidade de Chicago, Pape defende que o fenômeno do terrorismo suicida está diretamente ligado às ocupações de forças estrangeiros, enquanto a religião, tão comumente citada como motivação, está por trás de apenas 5% dos ataques desse tipo no mundo desde 1980. Segundo o especialista, a retirada das tropas israelenses do Líbano e das americanas do Iraque é a principal forma de diminuir esse tipo de violência

GUSTAVO CHACRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE NOVA YORK

O terrorismo suicida é lógico, não tem motivação religiosa e poderia ser reduzido ou até mesmo eliminado se os Estados Unidos, seus aliados e Israel se retirassem de territórios ocupados. A afirmação é de Robert Pape, professor da Universidade de Chicago e autor do livro "Dying to Win: The Strategic Logic of Suicide Terrorism" (morrendo para vencer: a estratégia lógica do terrorismo suicida). Leia a seguir, trechos da entrevista à Folha concedida por telefone, de Chicago.

 

FOLHA - Afinal, qual é a lógica de pessoas que querem se explodir em aeronaves, restaurantes, ônibus, metrôs e prédios?
ROBERT PAPE -
O problema do terrorismo é o da ocupação de território por forças estrangeiras. Isto é, os Estados Unidos estão no Iraque e estavam na Arábia Saudita ou no Líbano desde que se tornaram alvos de ataques terroristas. Não havia ações contra os americanos anteriormente. Israel sofreu ataques suicidas no Líbano quando ocupou o território libanês. Após a sua retirada em 2000, nunca mais foi alvo. O mesmo vale para a ocupação dos territórios palestinos.

FOLHA - São apenas motivações nacionalistas, como o senhor escreveu no seu livro? Não há um fanatismo religioso islâmico?
PAPE -
Ao se analisar todos os ataques suicidas cometidos por organizações não-governamentais desde 1980, verifica-se que 95% delas tiveram motivação nacionalista ou secular. Apenas 5% teriam cunho religioso, o que pode ocorrer em qualquer tipo de ataque, não apenas suicida. O grupo que mais cometeu atentados suicidas é Tigres Tâmeis, do Sri Lanka, e eles não são muçulmanos. Todos os líderes da rede terrorista Al Qaeda já deixaram claro que querem a desocupação de territórios ocupados por forças ocidentais e dos regimes aliados locais. Não se trata de uma motivação religiosa, mas territorial ou política. No 11 de Setembro, os EUA tinham tropas na Arábia Saudita. Os líderes dos ataques terroristas contra Londres também deixaram claro que queriam o fim da ocupação do Iraque.

FOLHA - Isso explica o porquê de o Hizbollah reduzir seus ataques após a retirada israelense do sul do Líbano, em maio de 2000?
PAPE -
O Hizbollah matou 700 israelenses quando Israel ocupava o sul do Líbano, no anos 1990. Entre 2000 e julho deste ano, quando Israel esteve fora do Líbano, foram apenas 11 israelenses mortos, todos soldados e ainda assim nas fazendas de Shebaa [área ainda ocupada por Israel]. O ataque contra os militares israelenses que serviu de detonador do conflito é algo comum onde há tensão fronteiriça em várias partes do mundo. Com a nova ocupação, mais de cem israelenses já foram mortos. Então é óbvio que o melhor para os israelenses é não ocupar o Líbano. O mesmo se aplica também para os territórios palestinos.

FOLHA - Mas os palestinos continuaram atacando Israel após a retirada da faixa de Gaza.
PAPE -
Continuaram porque Israel ainda ocupa a Cisjordânia.

Folha - Tanto o Hamas em Gaza como o Hizbollah no Líbano têm usado mísseis em vez de atentados suicidas. Por quê?
PAPE -
Porque eles têm armamentos melhores agora. Assim que o arsenal do Hizbollah diminuir, o grupo voltará a praticar atentados suicidas contra israelenses. Não apenas no Líbano mas também em Tel Aviv desta vez. Porém, se Israel se retirar do Líbano, o Hizbollah encerrará os ataques. Não podemos confundir os grupos. O Hizbollah não atacou Israel na Intifada. Quem atacava era o Hamas, o Jihad Islâmico, as Brigadas dos Mártires de al Aqsa, que são palestinos. Sem ocupação, não há ataques.

FOLHA - É por esse motivo que o Hizbollah praticamente nunca comete ataques fora da região, e o Hamas jamais os realizou?
PAPE -
O Hizbollah nunca agiu fora do Líbano ou de Israel. As ações contra alvos judaicos na Argentina nos anos 1990 são atribuídas ao grupo, mas acho que não é obra do Hizbollah. Mesmo que fosse, seria um caso isolado. O Hizbollah, se quisesse, atingiria alvos judaicos em Nova York, mas estrategicamente não é o caso e nem será. Claro que o Hizbollah é anti-semita e odeia Israel, mas taticamente o grupo não levará adiante ataques como os de agora se não houver ocupação.

FOLHA - E as pessoas com ligações com a Al Qaeda que realizaram atentados em Londres, bem longe das zonas de conflito? Como o senhor explica?
PAPE -
Esses cidadãos têm dupla lealdade, isto é, também seguem os seus países de origem ou países e povos com os quais simpatizam com a causa. Eles não querem que os EUA, o Reino Unido, Israel ou quem quer que seja ocupe o Iraque, o Afeganistão, o Líbano ou os territórios palestinos. Basta ler o que dizem os comunicados deles. Sempre fazem referência à ocupação desses países. Eles querem que desocupem suas terras, não querem ocupar a de ninguém.

FOLHA - Os EUA e Israel estão errados nas suas políticas para combater a Al Qaeda e o Hizbollah?
PAPE -
Estão completamente errados. Israel tem de sair o quanto antes do Líbano. Os israelenses ficariam mais seguros longe de lá. Os EUA também precisam sair do Iraque e do Afeganistão. O terrorismo contra os americanos diminuiria quase 100% se não houvesse ocupação de territórios árabes ou muçulmanos.


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