|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Ocupações impulsionam terror, diz especialista
Americano afirma que 95% dos ataques terroristas suicidas tiveram motivação nacionalista ou secular, e só uma minoria tem origem no fanatismo religioso
PROFESSOR da Universidade de Chicago, Pape defende que o fenômeno do terrorismo
suicida está diretamente ligado às ocupações de forças estrangeiros, enquanto a religião, tão comumente citada como motivação, está por
trás de apenas 5% dos ataques desse tipo no mundo
desde 1980. Segundo o especialista, a retirada das tropas israelenses do Líbano e das americanas do Iraque
é a principal forma de diminuir esse tipo de violência
GUSTAVO CHACRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE NOVA YORK
O terrorismo suicida é lógico,
não tem motivação religiosa e
poderia ser reduzido ou até
mesmo eliminado se os Estados Unidos, seus aliados e Israel se retirassem de territórios
ocupados. A afirmação é de Robert Pape, professor da Universidade de Chicago e autor do livro "Dying to Win: The Strategic Logic of Suicide Terrorism"
(morrendo para vencer: a estratégia lógica do terrorismo
suicida).
Leia a seguir, trechos da entrevista à Folha concedida por
telefone, de Chicago.
FOLHA - Afinal, qual é a lógica de
pessoas que querem se explodir em
aeronaves, restaurantes, ônibus,
metrôs e prédios?
ROBERT PAPE - O problema do
terrorismo é o da ocupação de
território por forças estrangeiras. Isto é, os Estados Unidos
estão no Iraque e estavam na
Arábia Saudita ou no Líbano
desde que se tornaram alvos de
ataques terroristas. Não havia
ações contra os americanos anteriormente. Israel sofreu ataques suicidas no Líbano quando ocupou o território libanês.
Após a sua retirada em 2000,
nunca mais foi alvo. O mesmo
vale para a ocupação dos territórios palestinos.
FOLHA - São apenas motivações
nacionalistas, como o senhor escreveu no seu livro? Não há um fanatismo religioso islâmico?
PAPE - Ao se analisar todos os
ataques suicidas cometidos por
organizações não-governamentais desde 1980, verifica-se
que 95% delas tiveram motivação nacionalista ou secular.
Apenas 5% teriam cunho religioso, o que pode ocorrer em
qualquer tipo de ataque, não
apenas suicida. O grupo que
mais cometeu atentados suicidas é Tigres Tâmeis, do Sri Lanka, e eles não são muçulmanos.
Todos os líderes da rede terrorista Al Qaeda já deixaram claro
que querem a desocupação de
territórios ocupados por forças
ocidentais e dos regimes aliados locais. Não se trata de uma
motivação religiosa, mas territorial ou política. No 11 de Setembro, os EUA tinham tropas
na Arábia Saudita. Os líderes
dos ataques terroristas contra
Londres também deixaram claro que queriam o fim da ocupação do Iraque.
FOLHA - Isso explica o porquê de o
Hizbollah reduzir seus ataques após
a retirada israelense do sul do Líbano, em maio de 2000?
PAPE - O Hizbollah matou 700
israelenses quando Israel ocupava o sul do Líbano, no anos
1990. Entre 2000 e julho deste
ano, quando Israel esteve fora
do Líbano, foram apenas 11 israelenses mortos, todos soldados e ainda assim nas fazendas
de Shebaa [área ainda ocupada
por Israel]. O ataque contra os
militares israelenses que serviu
de detonador do conflito é algo
comum onde há tensão fronteiriça em várias partes do mundo. Com a nova ocupação, mais
de cem israelenses já foram
mortos. Então é óbvio que o
melhor para os israelenses é
não ocupar o Líbano. O mesmo
se aplica também para os territórios palestinos.
FOLHA - Mas os palestinos continuaram atacando Israel após a retirada da faixa de Gaza.
PAPE - Continuaram porque Israel ainda ocupa a Cisjordânia.
Folha - Tanto o Hamas em Gaza como o Hizbollah no Líbano têm usado
mísseis em vez de atentados suicidas. Por quê?
PAPE - Porque eles têm armamentos melhores agora. Assim
que o arsenal do Hizbollah diminuir, o grupo voltará a praticar atentados suicidas contra
israelenses. Não apenas no Líbano mas também em Tel Aviv
desta vez. Porém, se Israel se
retirar do Líbano, o Hizbollah
encerrará os ataques. Não podemos confundir os grupos. O
Hizbollah não atacou Israel na
Intifada. Quem atacava era o
Hamas, o Jihad Islâmico, as
Brigadas dos Mártires de al Aqsa, que são palestinos. Sem ocupação, não há ataques.
FOLHA - É por esse motivo que o
Hizbollah praticamente nunca comete ataques fora da região, e o Hamas jamais os realizou?
PAPE - O Hizbollah nunca agiu
fora do Líbano ou de Israel. As
ações contra alvos judaicos na
Argentina nos anos 1990 são
atribuídas ao grupo, mas acho
que não é obra do Hizbollah.
Mesmo que fosse, seria um caso isolado. O Hizbollah, se quisesse, atingiria alvos judaicos
em Nova York, mas estrategicamente não é o caso e nem será. Claro que o Hizbollah é anti-semita e odeia Israel, mas taticamente o grupo não levará
adiante ataques como os de
agora se não houver ocupação.
FOLHA - E as pessoas com ligações
com a Al Qaeda que realizaram
atentados em Londres, bem longe
das zonas de conflito? Como o senhor explica?
PAPE - Esses cidadãos têm dupla lealdade, isto é, também seguem os seus países de origem
ou países e povos com os quais
simpatizam com a causa. Eles
não querem que os EUA, o Reino Unido, Israel ou quem quer
que seja ocupe o Iraque, o Afeganistão, o Líbano ou os territórios palestinos. Basta ler o
que dizem os comunicados deles. Sempre fazem referência à
ocupação desses países. Eles
querem que desocupem suas
terras, não querem ocupar a de
ninguém.
FOLHA - Os EUA e Israel estão errados nas suas políticas para combater
a Al Qaeda e o Hizbollah?
PAPE - Estão completamente
errados. Israel tem de sair o
quanto antes do Líbano. Os israelenses ficariam mais seguros longe de lá. Os EUA também precisam sair do Iraque e
do Afeganistão. O terrorismo
contra os americanos diminuiria quase 100% se não houvesse
ocupação de territórios árabes
ou muçulmanos.
Texto Anterior: Afeganistão: Conflito faz crescer casos de poliomielite Próximo Texto: Frase Índice
|