São Paulo, quarta-feira, 13 de setembro de 2006

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Uruguai abre primeiro processo ligado à ditadura

Oito ex-militares e ex-policiais são acusados; coronel se mata ao receber polícia

Réus devem ser condenados a 18 anos de prisão pelo desaparecimento de dois militantes em Buenos Aires sob a Operação Condor

BRUNO LIMA
DE BUENOS AIRES

Pela primeira vez desde a redemocratização, há 22 anos, foi aberto no Uruguai um processo contra militares por delitos contra os direitos humanos praticados durante o período da ditadura militar (1973-84).
Seis ex-militares e dois ex-policiais são acusados do desaparecimento dos militantes Adalberto Soba e Alberto Mechoso, ocorrido em Buenos Aires em 1976, em ação conjunta com militares argentinos na chamada Operação Condor.
A Justiça argentina já havia requerido a extradição dos oito réus, o que, com o julgamento da causa no Uruguai, não deve acontecer. Eles devem ser condenados a 18 anos de prisão.
O nono acusado, o ex-coronel José Antonio Buratti, 74, um dos principais agentes da repressão no Uruguai e o único dos acusados que ainda estava em liberdade, suicidou-se em Montevidéu na noite do último domingo quando a polícia foi à sua casa para prendê-lo.
"Esperem-me aqui [na porta] que vou contatar meu advogado e volto em seguida", disse o coronel, segundo relato dos policiais à imprensa uruguaia. Buratti, porém, foi até a garagem de sua casa, tomou o revólver que guardava em seu carro e deu um tiro na cabeça. Ainda foi levado com vida ao hospital, mas morreu cerca de uma hora e meia depois.
O coronel era apontado também como o responsável pelo desaparecimento e a morte da nora do poeta argentino Juan Gelman, que estava grávida quando foi seqüestrada com o marido em 1976 em Buenos Aires. O filho do poeta foi achado morto na capital argentina naquele ano, mas sua mulher foi levada ao Uruguai, onde foi presa e, após dar à luz, morta.
Gelman reencontrou em 2000 a neta que nasceu na prisão. Buratti era, provavelmente, o único que saberia indicar o lugar em que foi enterrado o corpo da nora do poeta.

Anistia
Em 1986, a Lei da Caducidade da Pretensão Punitiva, durante o primeiro governo do presidente Julio María Sanguinetti, impediu a punição de militares e policiais por delitos contra os direitos humanos durante a ditadura no Uruguai. A lei foi submetida a um plebiscito e mantida em 1989 -segundo historiadores uruguaios, como havia pouco tempo do término do regime, muita gente deu sua aprovação à norma por temer que, sem ela, os militares quisessem retomar o poder.
O governo de Tabaré Vázquez, que assumiu a Presidência em março de 2005, deu início a investigações sobre os desaparecimentos com mais êxito do que governos anteriores. Foi mudada também a interpretação do alcance da Lei da Caducidade, para punir crimes ocorridos fora do país.

Argentina
Na Argentina, o uso político da luta pelos direitos humanos se tornou uma marca do governo do presidente Néstor Kirchner, que afirma ser essa sua principal bandeira. Ao contrário do que ocorre no Uruguai, o presidente argentino revogou as "leis do perdão" criadas durante o governo do presidente Raúl Alfonsín e pediu à Justiça a nulidade dos indultos concedidos pelo presidente Carlos Menem em 1989 e 1990 -o que foi feito em alguns casos em que ainda estão pendentes recursos judiciais.
Com isso, são julgados desde ex-policiais e ex-torturadores a pessoas em cargos de comando, como o ex-presidente Jorge Rafael Videla, que encabeçou o golpe militar em 1976.
Kirchner, entretanto, ainda não divulgou os arquivos de inteligência da ditadura. Segundo a imprensa local, o presidente usa as informações para pressionar opositores. No fim de semana, os jornais disseram que um deputado que apóia Roberto Lavagna, virtual adversário de Kirchner na eleição presidencial de 2007, atuou como agente da repressão. A informação teria saído do governo.


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