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Fila do gás em Santa Cruz alimenta insatisfação popular e crise política
LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A SANTA CRUZ DE LA
SIERRA (BOLÍVIA)
Cerca de 580 bujões de gás
enfileiravam-se ontem logo pela manhã em um posto de distribuição da Companhia Servigás, um atrás do outro, na avenida Santos Dumont, próximo
ao centro de Santa Cruz. Ao lado de cada um e ao longo de três
quarteirões, o representante de
uma família que já não sabia se
conseguiria cozinhar o almoço.
Há uma semana, Santa Cruz
recebia 305 toneladas de gás
engarrafado por dia, para abastecer todo o consumo doméstico. Hoje, recebe 286 toneladas,
uma "quebra" de pouco mais de
8%, segundo informações da
principal distribuidora privada
de Santa Cruz.
Parece mais do que isso e o
povo aparenta mais desespero
do que seria razoável. "O problema é que já se formaram as
quadrilhas de especuladores do
gás", diz o gerente da Servigás,
que não quis se identificar.
"São pessoas que se estão
aproveitando do temor da falta
de gás. Nas vendas e nos mercados, o botijão de gás, que aqui é
vendido por 22,50 bolivianos
[cerca de R$ 5,5, preço tabelado
pelo governo] sai por até 50 bolivianos, mais de 100% de ágio."
O governo regional, que faz
oposição ao presidente Evo
Morales, o culpa pela redução
da oferta, dizendo que o objetivo de La Paz é semear a insatisfação na população local. As autoridades federais argumentam que o motivo são os bloqueios que os oposicionistas
vêm promovendo há 21 dias nas
estradas dos departamentos da
"meia-lua" -além de Santa
Cruz, Tarija, Pando e Beni.
"Só consigo comprar o gás
pelo preço oficial depois de andar 19 quilômetros", diz Monica Vidal Eredia, 32, auditora.
"Faz três dias que levo e trago o
botijão para passear de bicicleta", diz. Segundo ela, já foi obrigada a cozinhar almoço e janta
com lenha, coisa que não fazia
havia dez anos, desde que se
mudou de Potosí para Santa
Cruz. "O culpado é nosso governador, Rubén Costas [defensor da autonomia], com sua
intransigência inaceitável."
Só gás encanado
Ao lado da distribuidora Servigás, um posto de gasolina e
gás automotivo estatal funcionava normalmente.
"O problema está no gás engarrafado. O gás automotivo
chega a Santa Cruz normalmente. Você acha que o presidente Evo Morales gostaria de
punir ao seu povo e premiar aos
ricos com o atendimento normal?", pergunta Edgar Arroyo,
39, dono de uma fábrica artesanal de biscoitos, e que necessita
do gás engarrafado não só para
comer como para trabalhar.
Ele usa dois botijões de gás
por dia em sua fabriqueta e estava ontem na fila do gás - "para estocar", dizia.
Em Santa Cruz, praticamente não há gás encanado. "A instalação é muito cara", diz
Nancy Nallar Razik, 42, gerente
do restaurante Lorca, da elegante zona central.
Santa Cruz possui uma refinaria de petróleo que também é
engarrafadora de gás de cozinha, a Palmasola. Na sede da
YPFB (Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos), a estatal dos hidrocarbonetos, a informação era de que o fornecimento de gás para Palmasola
estava normalizado e de que o
engarrafamento era normal.
"Se está faltando, é por causa
dos atravessadores", disse à Folha um sargento do Exército,
detrás das grades da usina.
Desde que o movimento autonomista se radicalizou, a fábrica encontra-se ocupada pelo
Exército. Grupos opositores
ameaçam desde quarta-feira
invadir e paralisar a produção.
Até ontem, não conseguiram.
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