São Paulo, sábado, 13 de setembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Fila do gás em Santa Cruz alimenta insatisfação popular e crise política

LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A SANTA CRUZ DE LA SIERRA (BOLÍVIA)

Cerca de 580 bujões de gás enfileiravam-se ontem logo pela manhã em um posto de distribuição da Companhia Servigás, um atrás do outro, na avenida Santos Dumont, próximo ao centro de Santa Cruz. Ao lado de cada um e ao longo de três quarteirões, o representante de uma família que já não sabia se conseguiria cozinhar o almoço.
Há uma semana, Santa Cruz recebia 305 toneladas de gás engarrafado por dia, para abastecer todo o consumo doméstico. Hoje, recebe 286 toneladas, uma "quebra" de pouco mais de 8%, segundo informações da principal distribuidora privada de Santa Cruz.
Parece mais do que isso e o povo aparenta mais desespero do que seria razoável. "O problema é que já se formaram as quadrilhas de especuladores do gás", diz o gerente da Servigás, que não quis se identificar.
"São pessoas que se estão aproveitando do temor da falta de gás. Nas vendas e nos mercados, o botijão de gás, que aqui é vendido por 22,50 bolivianos [cerca de R$ 5,5, preço tabelado pelo governo] sai por até 50 bolivianos, mais de 100% de ágio."
O governo regional, que faz oposição ao presidente Evo Morales, o culpa pela redução da oferta, dizendo que o objetivo de La Paz é semear a insatisfação na população local. As autoridades federais argumentam que o motivo são os bloqueios que os oposicionistas vêm promovendo há 21 dias nas estradas dos departamentos da "meia-lua" -além de Santa Cruz, Tarija, Pando e Beni.
"Só consigo comprar o gás pelo preço oficial depois de andar 19 quilômetros", diz Monica Vidal Eredia, 32, auditora. "Faz três dias que levo e trago o botijão para passear de bicicleta", diz. Segundo ela, já foi obrigada a cozinhar almoço e janta com lenha, coisa que não fazia havia dez anos, desde que se mudou de Potosí para Santa Cruz. "O culpado é nosso governador, Rubén Costas [defensor da autonomia], com sua intransigência inaceitável."

Só gás encanado
Ao lado da distribuidora Servigás, um posto de gasolina e gás automotivo estatal funcionava normalmente.
"O problema está no gás engarrafado. O gás automotivo chega a Santa Cruz normalmente. Você acha que o presidente Evo Morales gostaria de punir ao seu povo e premiar aos ricos com o atendimento normal?", pergunta Edgar Arroyo, 39, dono de uma fábrica artesanal de biscoitos, e que necessita do gás engarrafado não só para comer como para trabalhar.
Ele usa dois botijões de gás por dia em sua fabriqueta e estava ontem na fila do gás - "para estocar", dizia.
Em Santa Cruz, praticamente não há gás encanado. "A instalação é muito cara", diz Nancy Nallar Razik, 42, gerente do restaurante Lorca, da elegante zona central.
Santa Cruz possui uma refinaria de petróleo que também é engarrafadora de gás de cozinha, a Palmasola. Na sede da YPFB (Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos), a estatal dos hidrocarbonetos, a informação era de que o fornecimento de gás para Palmasola estava normalizado e de que o engarrafamento era normal. "Se está faltando, é por causa dos atravessadores", disse à Folha um sargento do Exército, detrás das grades da usina.
Desde que o movimento autonomista se radicalizou, a fábrica encontra-se ocupada pelo Exército. Grupos opositores ameaçam desde quarta-feira invadir e paralisar a produção. Até ontem, não conseguiram.


Texto Anterior: Gás: Fornecimento ao Brasil está quase normalizado, afirma ministro
Próximo Texto: Deputados têm que ir a RO para voltar a La Paz
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.