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ARTIGO
"Gangsta rap" em francês
O predomínio de elementos do "gangsta rap" no modo de agir dos jovens franceses rebeldes evidencia a pasteurização da contracultura, esvaziando-a de sentido
DAVID BROOKS
DO "NEW YORK TIMES"
Depois do 11 de Setembro, todo
mundo sabia que haveria um debate em torno do futuro do islã. O
que não sabíamos, porém, é que
ele seria travado entre Osama bin
Laden e Tupac Shakur.
No entanto parecem ser essas as
alternativas de estilo de vida abertas aos homens jovens, muçulmanos e pobres em lugares como
França, Reino Unido e possivelmente no resto do mundo. Alguns jovens altamente alienados e
fanáticos se engajam no islã radical de Bin Laden. Mas a maioria
encontra o caminho do respeito
próprio, adotando as poses e a visão de mundo do hip-hop e do
"gangsta rap" americanos (subgênero do hip-hop cujas letras tratam da vida dos criminosos e
membros de gangues dos guetos
urbanos americanos).
Uma das coisas que chamam a
atenção nas cenas que temos assistido na França é até que ponto
os agitadores assimilaram a cultura do hip-hop e do rap. Não é apenas o fato de adotarem os mesmos gestos de mãos dos rappers
americanos, usarem as mesmas
roupas e os mesmos colares e ficarem sentados por aí ouvindo o
mesmo tipo de som em alto volume em seus carros. É também que
eles parecem ter adotado as mesmas poses de masculinidade exagerada, as mesmas atitudes em relação às mulheres, ao dinheiro e à
polícia, e reproduzido o mesmo
tipo de cultura de gangues, as
mesmas visões românticas sobre
traficantes armados.
Em uma era globalizada, talvez
seja inevitável que a cultura da resistência também se globalize. O
que estamos vendo é o que Mark
Lilla, da Universidade de Chicago,
descreve como a cultura universal
dos miseráveis do mundo. As
imagens, os modos e as atitudes
do hip-hop e do "gangsta rap" são
tão poderosos que estão exercendo um efeito hegemônico em várias partes do mundo. Hoje, para
os jovens pobres, marginalizados
e revoltados, a vida nos guetos
americanos tal como ela é retratada nos vídeos de rap, define o que
significa ser oprimido. A resistência "gangsta" funciona como
exemplo mais convincente de como rebelar-se contra a opressão.
Esse fenômeno deixa claro que,
apesar de tudo o que se fala sobre
a hegemonia cultural americana,
a hegemonia contracultural americana sempre foi maior. Os heróis rebeldes da contracultura
exercem mais influência em todo
o mundo do que as imagens convencionais da Disney e do McDonald's. É o nosso insulto final aos
antiamericanos: somos nós quem
definimos como se pode ser antiamericano. Os estrangeiros que
nos atacam se vêem reduzidos a
imitar nossos próprios clichês.
Quando o rap primeiro chegou
à França, o cenário nesse país era
dominado por rappers americanos. Hoje, porém, os bairros periféricos imigrantes já produzem
seus astros próprios, que cantam
em sua própria língua. As letras
do rap francês de hoje lembram as
letras do "gangsta rap" americano
de cinco ou dez anos atrás, quando era mais comum expressar
fantasias sobre assassinatos de
policiais e estupros coletivos.
A maioria das letras é do tipo
que não pode ser reproduzido
neste jornal, mas dá para se ter
uma idéia com base em um trecho
de uma canção do Bitter Ministry:
"Mais uma mulher é espancada /
Esta se chama Brigitte / Ela é mulher de um tira". Ou então a partir
deste trecho tirado do célebre álbum "PolitiKment IncorreKt", de
Mr. R: "A França é uma cachorra.
Você tem que tratá-la como puta,
cara! Meus negões, meus árabes,
nosso playground é a rua que tiver mais armas".
A pose do "gangsta rap" francês
também é conhecida. Ela tem em
seu cerne a imagem do homem
violento, forte e hipermacho que
fala alto para afirmar sua dominância e exigir respeito. O "gangsta" é um criminoso contracultural
corajoso. Ele não sente nada exceto revolta com as instituições da
sociedade -o Estado e as escolas.
Ele deixa clara sua força cruel, dominando as mulheres.
Em outras palavras, o que estamos vendo na França já será conhecido de qualquer pessoa que
tenha assistido à ascensão do
"gangsta rap" nos EUA. Pega-se
uma população de jovens oprimidos pelo racismo e que têm oportunidades limitadas pela frente e
se apresenta a eles uma cultura
que os encoraja a tornar-se exatamente o tipo de pessoas que a sociedade preconceituosa acha que
eles são. E, depois, chama-se a isso
auto-afirmação orgulhosa, tomar
posse de seu próprio poder. Pegam-se homens que, para a polícia, já são suspeitos em função de
sua cor, e se romantiza e encoraja
a criminalidade entre eles, para
que passem a ser de fato desprezados e maltratados. Incentiva-se
neles a idéia de desafiar a opressão, aderindo à autodestruição.
Nos EUA, pelo menos, o
"gangsta rap" é uma espécie de
brincadeira. O fã do "gangsta rap"
acaba entrando na faculdade. Na
França, porém, os obstáculos à ascensão social são maiores. O preconceito é mais impermeável, e o
mercado de trabalho, mais rígido.
Realmente não existe saída para
esses jovens.
Tradução de Clara Allain
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