São Paulo, quarta-feira, 13 de dezembro de 2006

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Ministra anuncia sanção a neto de Pinochet

Fardado, o capitão do Exército Augusto Pinochet Molina elogiou golpe em discurso

Vivianne Blanlot, chefe da pasta de Defesa e única representante do governo no funeral do ditador, foi vaiada como "traidora"

BRUNO LIMA
ENVIADO ESPECIAL A SANTIAGO

Fortemente vaiada ontem no funeral do ditador Augusto Pinochet Ugarte, a ministra da Defesa chilena, Vivianne Blanlot, única representante do governo da presidente Michelle Bachelet a comparecer à cerimônia, anunciou ontem que o Exército iria punir Augusto Pinochet Molina, capitão do Exército e neto do ditador, mas não disse como.
Fardado e diante de seus superiores, Molina fez um discurso que quebrou completamente o protocolo militar. Declarou que os "juízes [dos processos contra Pinochet] buscavam mais fama que justiça" e elogiou o avô por derrotar "não pelo voto, mas pelo meio armado" e "em plena Guerra Fria, o modelo marxista que queria impor seu traço totalitário", referindo-se à Unidade Popular do presidente Salvador Allende, derrubado no golpe de 1973.
Militares que presenciaram o discurso disseram à Folha que isso poderia implicar sanções capazes de arruinar a carreira do capitão ou até mesmo levar à sua expulsão do Exército.
"Não é aceitável que um oficial da ativa pronuncie um discurso público com comentários políticos e que, além disso, ofenda Poderes do Estado", afirmou a ministra Blanlot. No funeral, o público xingou a ministra de "velha feia" e "traidora" e apenas a caçula de Pinochet, Jaqueline, foi cumprimentá-la.
As declarações da ministra contrastaram totalmente com sua posição durante a cerimônia. Mesmo ao ouvir Pinochet sendo descrito como "generoso", "humilde", "democrático" e "magnânimo", não esboçou reações e se manteve quase imóvel, com mãos sobre o colo e pernas cruzadas. Seu pé esquerdo, porém, não parou quieto, denunciando alguma impaciência.

"Respeito"
Anteontem, Marco Antonio Pinochet, filho do ditador, havia pedido que, por "respeito à família" nenhum membro do governo chileno fosse aos ritos. Mas a ministra explicou que sua presença era obrigatória: "Não era um funeral privado. Não poderia ser celebrada uma cerimônia oficial para um ex-comandante em um recinto militar sem a presença do ministro da Defesa".
Pinochet morreu no domingo, uma semana depois de ter sofrido um ataque cardíaco. O general teve direito apenas aos rituais destinados a ex-comandantes-chefes do Exército. Não recebeu honras de chefe de Estado por decisão da presidente Bachelet, que esteve presa com a mãe em um dos principais centros de detenção clandestinos da ditadura. Seu pai, um general da Força Aérea, morreu torturado pelos militares.
Ontem, assim que a ministra chegou ao funeral, os cinco filhos do general se dirigiram imediatamente ao caixão e deixaram sobre ele a faixa presidencial, em claro protesto. Durante os discursos, várias vezes foi dado a Pinochet o tratamento de "presidente da República" -inclusive pelo próprio comandante do Exército, Oscar Izurieta-, o que rendia aplausos emocionados do público.

Cerimônia exclusiva
Apenas cerca de 4.500 convidados especiais tiveram acesso ao pátio da Escola Militar Bernardo O'Higgins para assistir ao funeral. Do lado de fora, estavam outras 50 mil pessoas, que não entraram, mas chamavam pelo nome de Pinochet e gritavam insultos a Bachelet.
Durante e após a missa de corpo presente, mulheres elegantemente vestidas gritavam e choravam de forma descontrolada -era o mesmo fervor dos que haviam sido barrados na porta. Quando o caixão foi retirado, uma senhora loura de uns 60 anos, que vestia terninho negro, óculos escuros e sapatos Prada, gritava aos prantos: "Adeus, herói do Chile!"
Depois, o caixão foi levado para um desfile dentro do pátio da escola militar em uma carruagem, cercado por soldados a cavalo. Seguindo a tradição, atrás seguia um cavalo sem cavaleiro, puxado por um soldado, representando a ausência do morto. Em seguida, o corpo de Pinochet foi levado de helicóptero ao cemitério Parque del Mar, onde foi cremado.

"Vovô" e imprensa
Outra neta do ditador, María José Martínez Pinochet, disse em discurso que sentia-se feliz por outros chilenos também se referirem a Pinochet como "tata" (vovô) e chamou carinhosamente o avô de "gordito". Já Ines Lucía referiu-se ao golpe de 1973 como uma "chama de liberdade" e criticou os jornalistas estrangeiros.
"A imprensa internacional não compreende como centenas de milhares de compatriotas informados, sem pressão e sem prêmios, são capazes de mostrar agradecimento e afeto por alguém que a imprensa qualifica com os piores termos com que se pode referir a um ser humano", afirmou.


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