São Paulo, sábado, 13 de dezembro de 2008

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Policiais não tinham razão para atirar em Jean Charles, diz júri

Versão oficial sobre morte de brasileiro no metrô londrino é rejeitada por jurados, em inquérito de reconstituição dos fatos

Processo, sem poder de condenação, visa esclarecer morte do jovem confundido com terrorista em Londres; família não foi indenizada

DA REDAÇÃO

A versão oficial sobre a morte do brasileiro Jean Charles de Menezes, confundido pela polícia britânica com um terrorista e alvejado com oito tiros no metrô de Londres, é incorreta, concluiu ontem o júri do Reino Unido. Após ouvir, por sete semanas, mais de cem depoimentos sobre o caso, os jurados consideraram que não há provas de ter sido um "homicídio justificado", como alega a polícia.
A decisão não acarreta pena.
O juiz Michael Wright, que presidiu o inquérito, não permitiu que fosse considerada a hipótese de "homicídio injustificado" -a possibilidade havia sido descartada pela Procuradoria britânica. Os jurados então optaram pelo "veredicto em aberto", rechaçando a versão de legitima defesa apresentada pelos policiais envolvidos, e atribuíram a morte a sucessivas -e injustificáveis- falhas dos agentes de segurança.
O eletricista, morto aos 27 anos em 2005, não reagiu com violência à abordagem dos policiais, que não se identificaram, e seu comportamento não contribuiu para os disparos, segundo os jurados. Sem status legal de julgamento, o inquérito, que pela lei britânica tem de ser realizado em casos de morte violenta, busca esclarecer as circunstâncias do episódio.
"Eu me sinto renascida [com o veredicto]", disse a mãe de Jean Charles, Maria Otone de Menezes, em nota à imprensa. Com o resultado, porém, a família tentará reabrir o processo. O veredicto deve influenciar também a indenização à família, que rejeitou em 2005 uma oferta de 15 mil libras (R$ 53 mil) para cobrir despesas e jamais foi indenizada.
A Polícia Metropolitana, responsável pela ação, foi condenada em 2007 como instituição por falhas de segurança, mas os policiais envolvidos nunca foram julgados individualmente.
Além de multa de 175 mil, ressarcida aos cofres públicos, a entidade teve de pagar 385 mil libras em custos legais.
Para o chefe interino do órgão, Paul Stephenson, a morte do brasileiro foi "um terrível engano". "Ele era inocente, e nós aceitamos responsabilidade integral pela morte", disse Stephenson, após o veredicto. Mas ressalvou: os agentes antiterrorismo tinham "intenção de proteger as pessoas".

Versões contraditórias
A morte de Jean Charles expôs sérias falhas de inteligência da polícia britânica. Em 22 de julho de 2005, o brasileiro foi morto por engano, confundido com Hussain Osman, mais tarde condenado por um atentado frustrado. Eram dias de medo na capital do Reino Unido. Duas semanas antes, ataques no sistema de transporte público tinham matado 52 pessoas, e na véspera houvera uma tentativa frustrada de atentado.
A polícia inicialmente divulgou versões falsas sobre o episódio, enfatizando que o rapaz agia de modo suspeito. Imagens das câmeras de vigilância, porém, mostram que o brasileiro, seguido por policiais, entrou calmamente na estação de Stockwell. Não trajava roupas pesadas que levantassem suspeitas em um dia de verão, como divulgado pela polícia.
O que ocorreu dentro do vagão do metrô diverge nos relatos de testemunhas e policiais. Os agentes, que estavam à paisana, afirmam ter se identificado -testemunhas negam.
A polícia diz que Jean Charles reagiu à abordagem, o que também é negado por testemunhas. O brasileiro se levantou, mas não se aproximou dos policiais, concluiu o júri.
Harriet Wistrich, advogada da família Menezes, disse ontem que os policiais que afirmaram ter se identificado devem ser investigados por falso testemunho diante das novas provas. "A Procuradoria deve reexaminar essa questão e estou certa de que farão isso."

Clamor público
O erro da polícia britânica, considerada uma das mais eficientes do mundo, chocou o país, onde normalmente os agentes de segurança nem sequer portam armas de fogo -os oficiais envolvidos no caso eram parte da elite antiterror.
O IPCC (Comissão Independente de Queixas contra a Polícia, na sigla em inglês) disse ontem que precisa haver uma revisão na reação da polícia ao terrorismo. O relatório oficial do órgão absolveu todos os envolvidos na morte de Jean Charles, atribuída a falhas da corporação e não individuais.
Cressida Dick, comandante da operação que resultou na morte, foi promovida. O chefe da Polícia Metropolitana, Ian Blair, só deixou o cargo neste ano, após mudança no governo londrino. A política de atirar para matar não foi revogada.
Manchete constante no Reino Unido, o caso Jean Charles está sendo filmado pelo cineasta brasileiro Henrique Goldman, radicado no Reino Unido. O imigrante brasileiro será interpretado por Selton Mello.

Com agências internacionais



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