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Policiais não tinham razão para atirar em Jean Charles, diz júri
Versão oficial sobre morte de brasileiro no metrô londrino é rejeitada por jurados, em inquérito de reconstituição dos fatos
Processo, sem poder de condenação, visa esclarecer morte do jovem confundido com terrorista em Londres; família não foi indenizada
DA REDAÇÃO
A versão oficial sobre a morte
do brasileiro Jean Charles de
Menezes, confundido pela polícia britânica com um terrorista
e alvejado com oito tiros no metrô de Londres, é incorreta,
concluiu ontem o júri do Reino
Unido. Após ouvir, por sete semanas, mais de cem depoimentos sobre o caso, os jurados consideraram que não há provas de
ter sido um "homicídio justificado", como alega a polícia.
A decisão não acarreta pena.
O juiz Michael Wright, que
presidiu o inquérito, não permitiu que fosse considerada a
hipótese de "homicídio injustificado" -a possibilidade havia
sido descartada pela Procuradoria britânica. Os jurados então optaram pelo "veredicto em
aberto", rechaçando a versão
de legitima defesa apresentada
pelos policiais envolvidos, e
atribuíram a morte a sucessivas
-e injustificáveis- falhas dos
agentes de segurança.
O eletricista, morto aos 27
anos em 2005, não reagiu com
violência à abordagem dos policiais, que não se identificaram,
e seu comportamento não contribuiu para os disparos, segundo os jurados. Sem status legal
de julgamento, o inquérito, que
pela lei britânica tem de ser
realizado em casos de morte
violenta, busca esclarecer as
circunstâncias do episódio.
"Eu me sinto renascida [com
o veredicto]", disse a mãe de
Jean Charles, Maria Otone de
Menezes, em nota à imprensa.
Com o resultado, porém, a família tentará reabrir o processo. O veredicto deve influenciar
também a indenização à família, que rejeitou em 2005 uma
oferta de 15 mil libras (R$ 53
mil) para cobrir despesas e jamais foi indenizada.
A Polícia Metropolitana, responsável pela ação, foi condenada em 2007 como instituição
por falhas de segurança, mas os
policiais envolvidos nunca foram julgados individualmente.
Além de multa de 175 mil,
ressarcida aos cofres públicos,
a entidade teve de pagar 385
mil libras em custos legais.
Para o chefe interino do órgão, Paul Stephenson, a morte
do brasileiro foi "um terrível
engano". "Ele era inocente, e
nós aceitamos responsabilidade integral pela morte", disse
Stephenson, após o veredicto.
Mas ressalvou: os agentes antiterrorismo tinham "intenção
de proteger as pessoas".
Versões contraditórias
A morte de Jean Charles expôs sérias falhas de inteligência
da polícia britânica. Em 22 de
julho de 2005, o brasileiro foi
morto por engano, confundido
com Hussain Osman, mais tarde condenado por um atentado
frustrado. Eram dias de medo
na capital do Reino Unido.
Duas semanas antes, ataques
no sistema de transporte público tinham matado 52 pessoas, e
na véspera houvera uma tentativa frustrada de atentado.
A polícia inicialmente divulgou versões falsas sobre o episódio, enfatizando que o rapaz
agia de modo suspeito. Imagens das câmeras de vigilância,
porém, mostram que o brasileiro, seguido por policiais, entrou
calmamente na estação de
Stockwell. Não trajava roupas
pesadas que levantassem suspeitas em um dia de verão, como divulgado pela polícia.
O que ocorreu dentro do vagão do metrô diverge nos relatos de testemunhas e policiais.
Os agentes, que estavam à paisana, afirmam ter se identificado -testemunhas negam.
A polícia diz que Jean Charles reagiu à abordagem, o que
também é negado por testemunhas. O brasileiro se levantou,
mas não se aproximou dos policiais, concluiu o júri.
Harriet Wistrich, advogada
da família Menezes, disse ontem que os policiais que afirmaram ter se identificado devem ser investigados por falso
testemunho diante das novas
provas. "A Procuradoria deve
reexaminar essa questão e estou certa de que farão isso."
Clamor público
O erro da polícia britânica,
considerada uma das mais eficientes do mundo, chocou o
país, onde normalmente os
agentes de segurança nem sequer portam armas de fogo -os
oficiais envolvidos no caso
eram parte da elite antiterror.
O IPCC (Comissão Independente de Queixas contra a Polícia, na sigla em inglês) disse ontem que precisa haver uma revisão na reação da polícia ao
terrorismo. O relatório oficial
do órgão absolveu todos os envolvidos na morte de Jean
Charles, atribuída a falhas da
corporação e não individuais.
Cressida Dick, comandante
da operação que resultou na
morte, foi promovida. O chefe
da Polícia Metropolitana, Ian
Blair, só deixou o cargo neste
ano, após mudança no governo
londrino. A política de atirar
para matar não foi revogada.
Manchete constante no Reino Unido, o caso Jean Charles
está sendo filmado pelo cineasta brasileiro Henrique Goldman, radicado no Reino Unido.
O imigrante brasileiro será interpretado por Selton Mello.
Com agências internacionais
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