São Paulo, domingo, 13 de dezembro de 2009

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Eleição pode tirar esquerda chilena do poder

Há 20 anos no governo, Concertação se divide e vê direitista Piñera assumir favoritismo na disputa presidencial de hoje

Cenário mais provável é o de decisão no segundo turno entre empresário e Eduardo Frei, presidente nos anos 90 e candidato da situação

THIAGO GUIMARÃES
ENVIADO ESPECIAL A SANTIAGO

O Chile vai às urnas hoje para definir um novo presidente, mas também o futuro da Concertação, a coalizão política mais forte da América Latina, que dirigiu a consolidação da democracia chilena em 20 anos de avanço econômico, estabilidade e progresso social.
Pela primeira vez em 50 anos, a direita chega à eleição como favorita, com a candidatura do empresário Sebastián Piñera, bilionário que perdeu a disputa de 2005 no segundo turno para a atual presidente, Michelle Bachelet.
A eleição mais importante no país desde o plebiscito de 1988, que propunha mais oito anos de ditadura no país -proposta que acabou derrotada-, revela um Chile que não comporta mais ser compreendido pela velha polarização entre "sim" e "não" desse pleito, clivagem que se repetiu em todas as eleições desde então.
A expressão dessa mudança está na grande novidade da disputa: a candidatura de Marco Enríquez-Ominami, um deputado de 36 anos dissidente da Concertação que, sem base partidária e apelando aos descontentes, marca quase 20% nas pesquisas e chegou a ameaçar o segundo lugar do candidato do governo, o ex-presidente Eduardo Frei (1994-1999).
Em que pese a relevância da eleição, a campanha não entusiasmou os chilenos. Sinal, por um lado, de certo consenso sobre o rumo do país, com manutenção da democracia e economia aberta. Consenso que se traduziu no debate entre Piñera e Frei, centrado mais em como fazer melhor as coisas do que em mudanças radicais.
Por outro lado, a baixa temperatura da campanha se explica pela falta de mistério sobre o resultado -Piñera lidera todas as pesquisas há mais de um ano- e pela convicção de que a disputa que importa é o segundo turno, em 17 de janeiro. Resta a dúvida sobre quem enfrentará o empresário, Frei, com mais chances, ou Ominami.

Desgaste oficial
Desde o fim da ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990), a Concertação levou adiante uma bem-sucedida receita básica, de liberalismo econômico combinado a políticas sociais redistributivas.
A falta de renovação de seus quadros, contudo, agravou o desgaste natural por 20 anos no poder.
O próprio processo de constituição das candidaturas no campo da esquerda refletiu a dificuldade da Concertação para se renovar. Após resistências internas, a coalizão promoveu primárias, mas controlou a apresentação de nomes e se definiu por um ex-presidente.
Resultado: Ominami deixou a coalizão e se lançou como independente. Some-se a candidatura pelo Partido Comunista do veterano Jorge Arrate, outro egresso da Concertação, e o resultado é que, pela primeira vez, a esquerda chegou dividida em três frentes à eleição presidencial, com a direita unida em torno de Piñera.
Com uma economia que cresceu em média 5% anuais desde 1990 e 62% dos chilenos aprovando a forma como Bachelet lidou com a crise mundial, a Concertação vive uma espécie de adaptação política do axioma do marqueteiro americano James Carville, o famoso "É a economia, estúpido".
"Depois de importantes ganhos em direitos humanos, não houve novos bens políticos a contrabalançar o avanço econômico. Assumiu-se erroneamente que o crescimento econômico era suficiente", afirma o cientista político chileno Carlos Huneeus.
Para o analista Patricio Navia, o desafio de Frei, que se beneficia da boa votação do governo entre os mais pobres, é seduzir o eleitor jovem -atraído por Ominami- e a classe média mais inclinada a Piñera.
Classe média que foi o principal alvo de Piñera e Frei na campanha, com promessas exaustivas de extensão da rede de proteção social que é o selo da gestão Bachelet.
Para Alfredo Jocelyn-Holt, historiador da Universidade do Chile, qualquer que seja o resultado, a eleição chilena de 2009 marca o fim da Concertação como foi conhecida. Para sobreviver, afirma, a coalizão terá que formalizar acordos com setores de esquerda excluídos do sistema e recompor laços com dissidentes, cenário inédito em 20 anos de poder.


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