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Eleição pode tirar esquerda chilena do poder
Há 20 anos no governo, Concertação se divide e vê direitista Piñera assumir favoritismo na disputa presidencial de hoje
Cenário mais provável é o de decisão no segundo turno entre empresário e Eduardo Frei, presidente nos anos 90 e candidato da situação
THIAGO GUIMARÃES
ENVIADO ESPECIAL A SANTIAGO
O Chile vai às urnas hoje para
definir um novo presidente,
mas também o futuro da Concertação, a coalizão política
mais forte da América Latina,
que dirigiu a consolidação da
democracia chilena em 20 anos
de avanço econômico, estabilidade e progresso social.
Pela primeira vez em 50
anos, a direita chega à eleição
como favorita, com a candidatura do empresário Sebastián
Piñera, bilionário que perdeu a
disputa de 2005 no segundo
turno para a atual presidente,
Michelle Bachelet.
A eleição mais importante no
país desde o plebiscito de 1988,
que propunha mais oito anos
de ditadura no país -proposta
que acabou derrotada-, revela
um Chile que não comporta
mais ser compreendido pela
velha polarização entre "sim" e
"não" desse pleito, clivagem
que se repetiu em todas as eleições desde então.
A expressão dessa mudança
está na grande novidade da disputa: a candidatura de Marco
Enríquez-Ominami, um deputado de 36 anos dissidente da
Concertação que, sem base
partidária e apelando aos descontentes, marca quase 20%
nas pesquisas e chegou a ameaçar o segundo lugar do candidato do governo, o ex-presidente
Eduardo Frei (1994-1999).
Em que pese a relevância da
eleição, a campanha não entusiasmou os chilenos. Sinal, por
um lado, de certo consenso sobre o rumo do país, com manutenção da democracia e economia aberta. Consenso que se
traduziu no debate entre Piñera e Frei, centrado mais em como fazer melhor as coisas do
que em mudanças radicais.
Por outro lado, a baixa temperatura da campanha se explica pela falta de mistério sobre o
resultado -Piñera lidera todas
as pesquisas há mais de um
ano- e pela convicção de que a
disputa que importa é o segundo turno, em 17 de janeiro. Resta a dúvida sobre quem enfrentará o empresário, Frei, com
mais chances, ou Ominami.
Desgaste oficial
Desde o fim da ditadura do
general Augusto Pinochet
(1973-1990), a Concertação levou adiante uma bem-sucedida
receita básica, de liberalismo
econômico combinado a políticas sociais redistributivas.
A falta de renovação de seus
quadros, contudo, agravou o
desgaste natural por 20 anos no
poder.
O próprio processo de constituição das candidaturas no
campo da esquerda refletiu a
dificuldade da Concertação para se renovar. Após resistências
internas, a coalizão promoveu
primárias, mas controlou a
apresentação de nomes e se definiu por um ex-presidente.
Resultado: Ominami deixou
a coalizão e se lançou como independente. Some-se a candidatura pelo Partido Comunista
do veterano Jorge Arrate, outro
egresso da Concertação, e o resultado é que, pela primeira
vez, a esquerda chegou dividida
em três frentes à eleição presidencial, com a direita unida em
torno de Piñera.
Com uma economia que
cresceu em média 5% anuais
desde 1990 e 62% dos chilenos
aprovando a forma como Bachelet lidou com a crise mundial, a Concertação vive uma
espécie de adaptação política
do axioma do marqueteiro
americano James Carville, o famoso "É a economia, estúpido".
"Depois de importantes ganhos em direitos humanos, não
houve novos bens políticos a
contrabalançar o avanço econômico. Assumiu-se erroneamente que o crescimento econômico era suficiente", afirma
o cientista político chileno Carlos Huneeus.
Para o analista Patricio Navia, o desafio de Frei, que se beneficia da boa votação do governo entre os mais pobres, é
seduzir o eleitor jovem -atraído por Ominami- e a classe
média mais inclinada a Piñera.
Classe média que foi o principal alvo de Piñera e Frei na
campanha, com promessas
exaustivas de extensão da rede
de proteção social que é o selo
da gestão Bachelet.
Para Alfredo Jocelyn-Holt,
historiador da Universidade do
Chile, qualquer que seja o resultado, a eleição chilena de
2009 marca o fim da Concertação como foi conhecida. Para
sobreviver, afirma, a coalizão
terá que formalizar acordos
com setores de esquerda excluídos do sistema e recompor
laços com dissidentes, cenário
inédito em 20 anos de poder.
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