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ARTIGO
A horrível verdade sobre Bush
PAUL KRUGMAN
DO ""NEW YORK TIMES"
As pessoas andam dizendo coisas terríveis sobre George W.
Bush. Dizem que seus subordinados não foram sinceros quando
prometeram equilibrar o Orçamento. Afirmam que o planejamento para a invasão do Iraque
começou sete meses antes de 11 de
setembro de 2001, que nunca
houve evidências confiáveis de
que o Iraque representasse uma
ameaça e que a guerra, na realidade, acabou prejudicando a luta
contra o terrorismo.
Eu fui um dos muito poucos comentaristas que não saudaram a
indicação de Paul O'Neill para secretário do Tesouro. E não entendi por que, se O'Neill era o homem de princípios que seus amigos diziam que era, ele não renunciou cedo ao cargo em um governo que, claramente, era tudo menos honesto.
Agora, porém, ele está demonstrando a coragem que não enxerguei nele naquela época. O'Neill
nos está oferecendo uma visão intransigente e inestimável da administração Bush,
retratada por alguém de dentro
dela.
O livro recém-lançado de Ron
Suskind, "The Price of Loyalty" (o
preço da lealdade), se baseia em
grande parte em
entrevistas realizadas com O'Neill
e materiais fornecidos por ele.
O livro mostra
uma administração em que considerações políticas
-ou seja, satisfazer "as bases"-
passam à frente da
análise política em
todos os quesitos,
desde a questão
dos cortes nos impostos até a política comercial internacional e o
aquecimento do
planeta. A frase
mais reveladora talvez seja a declaração impensada de Dick Cheney segundo a qual "Reagan provou que déficits não importam".
Mas o livro traz muitas outras revelações.
Uma delas é que O'Neill e Alan
Greenspan sabiam que era um erro decretar enormes cortes nos
impostos com base em projeções
duvidosas de superávits futuros.
Em maio de 2001, Greenspan disse a O'Neill, em tom sombrio,
que, pelo fato de o primeiro corte
nos impostos decretado por Bush
não prever gatilhos -seria implementado independentemente
de como o Orçamento saísse-,
representava "política fiscal irresponsável", em suas palavras. Isso
foi dito numa época em que quem
criticava a redução nos impostos
era ridicularizado por dizer exatamente a mesma coisa.
Outra revelação do livro é que
Bush, apesar de ter declarado em
sua campanha de 2000 que "a
imensa maioria dos cortes nos
impostos beneficia o extremo inferior do espectro", sabia que isso
não era verdade. Ele se preocupava com a idéia de que a eliminação dos impostos sobre os dividendos beneficiaria apenas pessoas "de primeiro nível", tendo
perguntado a seus assessores:
"Nós já não demos uma ajuda ao
pessoal do primeiro nível?".
A mais espantosa de todas as revelações do livro é que Donald
Rumsfeld propôs, numa reunião
do Conselho Nacional de Segurança em fevereiro de 2001, a idéia
da mudança de regime no Iraque
como maneira de transformar o
Oriente Médio.
Há muito mais ainda no livro de
Suskind. O conteúdo vai assustar
aqueles que ainda querem acreditar que nossos líderes são sábios e
bons. A questão é se esse livro vai
abrir os olhos daqueles para
quem qualquer pessoa que critique o corte de impostos é um esquerdista desvairado e qualquer
pessoa que afirme que o governo
exagerou a ameaça representada
pelo Iraque é um teórico da conspiração.
O que vale notar é que as credenciais dos críticos não param
de melhorar. Como pode a afirmação de Howard Dean de que a
captura de Saddam Hussein não
nos deixa mais seguros ser desprezada, vista como
bizarra, quando
um relatório publicado pela Army
War College (faculdade de guerra
do Exército) diz
que a guerra no
Iraque foi um desvio que prejudicou a guerra contra o terrorismo?
Como podem as
afirmações de
Wesley Clark e
outros de que a
administração estava procurando
uma desculpa para invadir o Iraque
ser vista como paranóica, diante
das revelações feitas por O'Neill?
Até agora, representantes da
administração fizeram críticas ao
caráter de O'Neill,
mas não refutaram nenhum dos
dados que ele apresenta. Mas já
abriram um inquérito para apurar como uma foto de um documento possivelmente classificado
como sigiloso foi parar numa entrevista de O'Neill à televisão.
Alguns dirão que nada disso
tem importância, já que Saddam
está preso e a economia está crescendo. Mesmo no curto prazo,
porém, essas vitórias podem não
ser tudo o que são retratadas como sendo. Mais americanos foram mortos e feridos nas quatro
semanas que se seguiram à captura de Saddam do que nas quatro
semanas anteriores. A queda no
índice de desemprego, em relação
ao pico que atingiu no verão passado, não reflete a existência de
mais vagas de trabalho e sim uma
queda na parcela da população
que chega ao ponto de animar-se
a procurar trabalho.
O mais importante de tudo é
que alguns meses de boas notícias
não constituem desculpa para um
padrão constante de liderança desonesta e irresponsável. E esse padrão está se tornando cada vez
mais difícil de negar.
Tradução de Clara Allain
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