São Paulo, quarta-feira, 14 de janeiro de 2004

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ARTIGO

A horrível verdade sobre Bush

PAUL KRUGMAN
DO ""NEW YORK TIMES"

As pessoas andam dizendo coisas terríveis sobre George W. Bush. Dizem que seus subordinados não foram sinceros quando prometeram equilibrar o Orçamento. Afirmam que o planejamento para a invasão do Iraque começou sete meses antes de 11 de setembro de 2001, que nunca houve evidências confiáveis de que o Iraque representasse uma ameaça e que a guerra, na realidade, acabou prejudicando a luta contra o terrorismo.
Eu fui um dos muito poucos comentaristas que não saudaram a indicação de Paul O'Neill para secretário do Tesouro. E não entendi por que, se O'Neill era o homem de princípios que seus amigos diziam que era, ele não renunciou cedo ao cargo em um governo que, claramente, era tudo menos honesto.
Agora, porém, ele está demonstrando a coragem que não enxerguei nele naquela época. O'Neill nos está oferecendo uma visão intransigente e inestimável da administração Bush, retratada por alguém de dentro dela.
O livro recém-lançado de Ron Suskind, "The Price of Loyalty" (o preço da lealdade), se baseia em grande parte em entrevistas realizadas com O'Neill e materiais fornecidos por ele.
O livro mostra uma administração em que considerações políticas -ou seja, satisfazer "as bases"- passam à frente da análise política em todos os quesitos, desde a questão dos cortes nos impostos até a política comercial internacional e o aquecimento do planeta. A frase mais reveladora talvez seja a declaração impensada de Dick Cheney segundo a qual "Reagan provou que déficits não importam". Mas o livro traz muitas outras revelações.
Uma delas é que O'Neill e Alan Greenspan sabiam que era um erro decretar enormes cortes nos impostos com base em projeções duvidosas de superávits futuros. Em maio de 2001, Greenspan disse a O'Neill, em tom sombrio, que, pelo fato de o primeiro corte nos impostos decretado por Bush não prever gatilhos -seria implementado independentemente de como o Orçamento saísse-, representava "política fiscal irresponsável", em suas palavras. Isso foi dito numa época em que quem criticava a redução nos impostos era ridicularizado por dizer exatamente a mesma coisa.
Outra revelação do livro é que Bush, apesar de ter declarado em sua campanha de 2000 que "a imensa maioria dos cortes nos impostos beneficia o extremo inferior do espectro", sabia que isso não era verdade. Ele se preocupava com a idéia de que a eliminação dos impostos sobre os dividendos beneficiaria apenas pessoas "de primeiro nível", tendo perguntado a seus assessores: "Nós já não demos uma ajuda ao pessoal do primeiro nível?".
A mais espantosa de todas as revelações do livro é que Donald Rumsfeld propôs, numa reunião do Conselho Nacional de Segurança em fevereiro de 2001, a idéia da mudança de regime no Iraque como maneira de transformar o Oriente Médio.
Há muito mais ainda no livro de Suskind. O conteúdo vai assustar aqueles que ainda querem acreditar que nossos líderes são sábios e bons. A questão é se esse livro vai abrir os olhos daqueles para quem qualquer pessoa que critique o corte de impostos é um esquerdista desvairado e qualquer pessoa que afirme que o governo exagerou a ameaça representada pelo Iraque é um teórico da conspiração.
O que vale notar é que as credenciais dos críticos não param de melhorar. Como pode a afirmação de Howard Dean de que a captura de Saddam Hussein não nos deixa mais seguros ser desprezada, vista como bizarra, quando um relatório publicado pela Army War College (faculdade de guerra do Exército) diz que a guerra no Iraque foi um desvio que prejudicou a guerra contra o terrorismo? Como podem as afirmações de Wesley Clark e outros de que a administração estava procurando uma desculpa para invadir o Iraque ser vista como paranóica, diante das revelações feitas por O'Neill?
Até agora, representantes da administração fizeram críticas ao caráter de O'Neill, mas não refutaram nenhum dos dados que ele apresenta. Mas já abriram um inquérito para apurar como uma foto de um documento possivelmente classificado como sigiloso foi parar numa entrevista de O'Neill à televisão.
Alguns dirão que nada disso tem importância, já que Saddam está preso e a economia está crescendo. Mesmo no curto prazo, porém, essas vitórias podem não ser tudo o que são retratadas como sendo. Mais americanos foram mortos e feridos nas quatro semanas que se seguiram à captura de Saddam do que nas quatro semanas anteriores. A queda no índice de desemprego, em relação ao pico que atingiu no verão passado, não reflete a existência de mais vagas de trabalho e sim uma queda na parcela da população que chega ao ponto de animar-se a procurar trabalho.
O mais importante de tudo é que alguns meses de boas notícias não constituem desculpa para um padrão constante de liderança desonesta e irresponsável. E esse padrão está se tornando cada vez mais difícil de negar.


Tradução de Clara Allain


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