São Paulo, quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

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Hillary promete pragmatismo diplomático

Futura secretária de Estado americana defende o uso do "poder inteligente", que mistura persuasão com ação militar

EUA não negociarão com Hamas, diz, e nenhuma opção está descartada para o Irã; senadores questionam doações à Fundação Clinton

Doug Mills/"The New York Times"
Hillary chega a sabatina; secretária de Estado de Obama defendeu rigor com Irã e foi questionada sobre doações a Bill Clinton

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Nem só "hard power" (poderio militar), nem só "soft power" (poder de persuasão), mas uma combinação dos dois: "smart power" (poder inteligente) é o que promete a futura face dos EUA para o mundo. Em sua audiência de confirmação no Senado, Hillary Clinton deu sinais de que terá uma gestão pragmática à frente do Departamento de Estado.
"Temos de usar o "smart power", que é pegar todas as ferramentas à nossa disposição -diplomáticas, econômicas, militares, políticas, legais e culturais- e escolher a melhor para cada situação", disse a ex-primeira-dama em depoimento à Comissão de Relações Exteriores, primeiro passo para a confirmação de seu nome no cargo.
Ela assume o posto mais elevado da diplomacia americana num momento em que a imagem do país está danificada por sete anos de política externa errática e belicosa de George W. Bush. Ainda assim, durante o encontro de ontem com os senadores, Hillary, 61, se mostrou mais dura do que os discursos de campanha do presidente eleito, Barack Obama, ao tratar do conflito em Gaza, de como lidar com o Irã e da situação do Oriente Médio em geral.
Sobre o primeiro, por exemplo, depois de defender o direito de autodefesa de Israel e exortar "independência, progresso econômico e segurança para os palestinos em seu próprio Estado", Hillary disse que manteria a atual política dos EUA de não negociar com o Hamas, hipótese já aventada pelo presidente eleito e seus assessores de política externa. "Não se pode negociar com o Hamas até que renuncie à violência e reconheça Israel", disse ela.
Já sobre o Irã, acusado de fornecer armas ao grupo extremista e de buscar tecnologia nuclear para fins militares, afirmou que o novo governo buscaria "uma abordagem nova e talvez diferente". Ressaltou, no entanto, que "nenhuma opção está fora da mesa", referindo-se à ação militar. Nesse sentido, lembrou a política externa de seu marido, o ex-presidente democrata Bill Clinton (1993-2001), que foi marcada pelo pragmatismo.
A impressão de que Hillary rezará pela mesma cartilha é reforçada pelo time de "enviados especiais" que começa a montar, encabeçado por Dennis Ross (Oriente Médio e Irã) e Richard Holbrooke (Afeganistão e Paquistão), ambos ligados ao governo Clinton, e pela própria prática de envio de altos diplomatas a regiões problemáticas, abandonada parcialmente por Bush, que centrou esforços na figura de Condoleezza Rice.
Idem para o conceito de "smart power", uma evolução do termo "soft power", ambos criados por Joseph Nye, professor de Harvard ligado aos democratas. "Bush usou as ferramentas de "hard power", mas ignorou as de "soft power", e o sucesso requer a combinação das duas", disse o acadêmico em entrevista recente à Folha.
No depoimento de ontem e depois na sessão de perguntas e respostas que durou mais de seis horas, a senadora mencionou lateralmente a América Latina e o Brasil (leia texto na pág. A10). Disse ainda que o começo da retirada das tropas do Iraque deve ser em junho, falou da necessidade da ONU "se reformar, ser mais transparente, mais eficiente" e comentou Afeganistão, Rússia, Coreia do Norte e Sudão, entre outros.

Fundação Clinton
Além de Gaza e do Oriente Médio em geral, o tema mais recorrente foi a fundação beneficente de seu marido, Bill Clinton. O tema foi levantado pelo republicano mais graduado da comissão, Richard Lugar, e seria retomado por ele e pelo democrata John Kerry, que preside o grupo. "Essa situação é sem precedentes", disse Lugar, aludindo ao fato de uma secretária de Estado ser casada com o presidente de fundação beneficente que vive da doação de governos e empresas externos.
"A existência da Fundação Clinton é uma tentação para qualquer entidade ou governo que acredite que possa trocar favores por doações", disse o republicano. "Também cria potenciais problemas de percepção sobre toda ação tomada pela secretária de Estado."
Hillary defendeu-se dizendo que o comitê de ética do Departamento de Estado concluiu que não haveria conflito de interesses. "Tenho muito orgulho do trabalho de meu marido e do que a Fundação Clinton conseguiu", disse ela, observada pela filha do casal, Chelsea, na plateia -Clinton preferiu não ir.
Amanhã, o nome dela será submetido a votação no Senado para aprovação em maioria simples, o que deve ocorrer.


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