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Diário reconstitui viagem de D. Pedro 2º
Imperador percorreu a Terra Santa por 18 meses, passando por mais de cem cidades, no mais longo de seus tours internacionais
Brasileiro fez percurso de 500 km com uma comitiva de 200 pessoas, movida a tração animal, deixando atrás turbulências da corte
MARCELO NINIO
DE JERUSALÉM
Quando desembarcar em Israel, o presidente Lula mergulhará numa realidade política a
anos-luz da encontrada por D.
Pedro 2º em 1876, na única visita até hoje de um governante
brasileiro à região. Mas quem
se aventurar a repetir os passos
do imperador na Terra Santa,
se surpreenderá com as marcas
que resistiram ao tempo e aos
conflitos nos locais percorridos
pela comitiva real.
A passagem do último imperador do Brasil pela Palestina
fez parte de uma monumental
excursão que durou 18 meses e
passou por mais de cem cidades
em quatro continentes.
Nunca antes na história do
império o monarca havia ficado
tanto tempo fora. Foi a mais
longa das três grandes viagens
internacionais de D. Pedro 2º,
que deixou as turbulências abolicionistas da corte para trás e
se lançou no mundo.
É possível reconstituir os
passos do imperador na Terra
Santa graças às descrições deixadas por ele em um detalhado
diário de viagem. Em 24 dias, o
imperador visitou Líbano, Síria
e Palestina, num percurso de
500 km - uma enormidade para uma comitiva de 200 pessoas
movida a tração animal.
O diário de viagem foi achado
por acaso em 1995 pelo historiador Reuven Faingold, da
Universidade de Jerusalém,
que dá aulas na universidade
FAAP, em São Paulo.
Com uma lupa, ele transcreveu a letra miúda do autor e publicou "D. Pedro 2º na Terra
Santa" em 1999 (Ed. Sêfer, esgotado), um diário que joga luz
sobre a personalidade despojada do monarca e descreve cenários que se preservaram e hoje
são cercados pelo conflito entre
israelenses e palestinos.
Após passar por EUA, Europa e Rússia, a comitiva real chegou ao Oriente Médio pelo Líbano, no dia 11 de novembro de
1876. "Chegava-se à Terra Santa por Beirute, que tinha o melhor porto", explicou Faingold,
por telefone. "Não existia ainda
Haifa, hoje o maior porto de Israel."
De Beirute, o imperador foi
para Damasco, onde apreciou
os banhos turcos, e seguiu para
a Palestina, então sob domínio
otomano. Na Terra Santa o objetivo de D. Pedro 2º, cristão
devoto e estudante de hebraico,
era a peregrinação por santuários, em especial o Santo Sepulcro, onde celebrou seu 51º aniversário com uma missa.
Mas o mais impressionante
foi o mosteiro de Mar Saba
(também conhecido como
Saint Sabbas), edificação encravada nas montanhas isoladas do deserto de Judá. O lugar,
visitado pela Folha, fica a 10
km de Belém e continua de difícil acesso, com despenhadeiros e paisagens de tirar fôlego.
Estabelecido há mais de
1.500 anos para abrigar monges reclusos, Mar Saba fica numa área que faz parte da Autoridade Nacional Palestina
(ANP). Para chegar até lá é preciso passar por uma barreira
militar israelense e pelo polêmico muro de segurança construído por Israel na divisa com
a Cisjordânia ocupada.
A comitiva de Lula passará
pelo muro quando for visitar
Belém, na próxima terça. A caminho de Mar Saba, no dia 29
de novembro de 1876, D. Pedro
2º não encontrou barreiras no
cenário praticamente despovoado que era a Palestina otomana, mas passou por um
aperto ao descer a ribanceira
que leva ao mosteiro.
"O caminho até perto de S.
Sabbas é terrível, atravessando-se gargantas horrivelmente
pitorescas", escreveu o imperador em seu diário, destacando
que as "ribanceiras de pedra
têm centenas de pés de altura."
O mosteiro grego ortodoxo é
até hoje a única construção no
meio da paisagem desértica,
que parece intocada há séculos.
Algo que também não mudou
desde 1876 é a proibição de entrada a mulheres, que obrigou
D. Pedro 2º a dividir a comitiva
e a deixar a imperatriz Teresa
Cristina fora do programa.
Também continua não havendo eletricidade ou telefone.
A palmeira mencionada pelo
imperador como o símbolo do
mosteiro está lá até hoje. "Ela
tem poderes miraculosos", diz
o grego Anatasius, um dos 16
monges que vivem no local.
Em seu diário, D. Pedro se
queixa da falta de hospitalidade
e da ignorância dos 60 monges
que ocupavam o mosteiro.
Com um sorriso tímido, Anastasius arrisca uma explicação
para a queda no número de
moradores. "Não é fácil viver
recluso no deserto", diz.
Não se sabe se D. Pedro 2º
deixou registro em Mar Saba
de sua visita, mas em Jerusalém ela existe e será exibida em
breve. No Hospício Austríaco,
que lhe serviu de hospedagem
numa esquina da Via Dolorosa,
está preservada a página do livro de hóspedes assinada pelo
ele - que é divulgada aqui pela
primeira vez.
"Estamos organizando uma
exposição sobre as celebridades que estiveram aqui e D. Pedro de Alcântara é uma delas",
conta Johannes Safron, que
trabalha na hospedaria, hoje
um local considerado "cult"
por mochileiros europeus.
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