São Paulo, domingo, 14 de março de 2010

Texto Anterior | Índice

Antigo reduto da Al Qaeda, Samarra vive decadência

Na rota dos terroristas, cidade iraquiana viu comércio e turismo locais desaparecerem

Relatos de recrutamento se proliferam em local que atraiu ultrarradicais sunitas depois da queda do ditador Saddam Hussein, em 2003


SAMY ADGHIRNI
ENVIADO ESPECIAL A SAMARRA

Com apenas 15 anos de idade, Hathem Jaburi foi recrutado pelo braço iraquiano da Al Qaeda. Seu trabalho era dirigir caminhonetes usadas para espalhar o terror. Hathem ajudou a sequestrar, plantar bombas e degolar famílias. Morreu estraçalhado num ataque de soldados americanos em 2007, a alguns quilômetros de casa.
Quem relata a história é Ali, irmão mais velho de Hathem. "Minha mãe tem crises diárias de choro, e meu pai adoeceu", diz Ali, operador de caixa em uma papelaria no centro de Samarra, 130 km a norte de Bagdá. Para os Jaburi, a pacificação do ano passado chegou tarde na cidade, marcada pelo terror.
Samarra é suja, seca e poeirenta. Muitas lojas da principal rua deram lugar a barraquinhas de bugigangas. Há restaurantes, com aparência insalubre. Sumiram os turistas que visitavam vestígios da Antiguidade.
O símbolo mais visível do legado terrorista é a reconstrução da mesquita Al Askarin, um dos principais santuários xiitas do mundo situado numa região de maioria sunita. Em 2006, a sunita Al Qaeda atacou e destruiu a mesquita do século 10.
Tida como uma provocação deliberada da Al Qaeda, a ação gerou retaliações xiitas e contrarretaliações sunitas que fizeram o Iraque mergulhar numa guerra civil. Só agora peregrinos retomam o caminho de Samarra, alimentando a esperança de reavivar o turismo.
Samarra entrou na rota da Al Qaeda no vácuo de poder que se seguiu à queda do ditador Saddam Hussein, em 2003. Sauditas, iemenitas e sírios aproveitaram a anarquia nas fronteiras para ir ao Iraque infernizar os americanos e fincar bases.
Os ultrarradicais sunitas encontraram apoio de lideranças tribais nas regiões sob influência sunita, facção à qual pertencia Saddam, embora ele mesmo não fosse religioso. Samarra fica a meia hora de carro de Tikrit, berço do ditador.
Ali Jaburi diz que o irmão foi forçado a ingressar na Al Qaeda. "Quando minha mãe lhe pedia para abandonar essa gente, ele dizia que, se saísse, viriam nos matar." Mas os relatos de doutrinamento são muitos.
"Nas minhas pregações sempre pedi que não se metessem com a Al Qaeda", diz o xeque Said Mohrab, um dos maiores clérigos de Samarra. "Matar crianças não tem nada a ver com o islã", exalta-se.
O plano que varreu a Al Qaeda da maior parte do Iraque se deu em duas frentes. Na primeira, os EUA aumentaram os efetivos. Na segunda, foi dado dinheiro a sunitas pró-Al Qaeda para mudarem de lado. Funcionou. Milicianos cooptados ainda patrulham Samarra ao lado do Exército e polícia iraquianos, e o governo é pressionado a integrá-los de vez.


Texto Anterior: Brasileiros voltam a garimpo sob tensão
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.