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Antigo reduto da Al Qaeda, Samarra vive decadência
Na rota dos terroristas, cidade iraquiana viu comércio e turismo locais desaparecerem
Relatos de recrutamento se proliferam em local que atraiu ultrarradicais sunitas depois da queda do ditador Saddam Hussein, em 2003
SAMY ADGHIRNI
ENVIADO ESPECIAL A SAMARRA
Com apenas 15 anos de idade,
Hathem Jaburi foi recrutado
pelo braço iraquiano da Al Qaeda. Seu trabalho era dirigir caminhonetes usadas para espalhar o terror. Hathem ajudou a
sequestrar, plantar bombas e
degolar famílias. Morreu estraçalhado num ataque de soldados americanos em 2007, a alguns quilômetros de casa.
Quem relata a história é Ali,
irmão mais velho de Hathem.
"Minha mãe tem crises diárias
de choro, e meu pai adoeceu",
diz Ali, operador de caixa em
uma papelaria no centro de Samarra, 130 km a norte de Bagdá. Para os Jaburi, a pacificação
do ano passado chegou tarde na
cidade, marcada pelo terror.
Samarra é suja, seca e poeirenta. Muitas lojas da principal
rua deram lugar a barraquinhas
de bugigangas. Há restaurantes, com aparência insalubre.
Sumiram os turistas que visitavam vestígios da Antiguidade.
O símbolo mais visível do legado terrorista é a reconstrução da mesquita Al Askarin, um
dos principais santuários xiitas
do mundo situado numa região
de maioria sunita. Em 2006, a
sunita Al Qaeda atacou e destruiu a mesquita do século 10.
Tida como uma provocação
deliberada da Al Qaeda, a ação
gerou retaliações xiitas e contrarretaliações sunitas que fizeram o Iraque mergulhar numa guerra civil. Só agora peregrinos retomam o caminho de
Samarra, alimentando a esperança de reavivar o turismo.
Samarra entrou na rota da Al
Qaeda no vácuo de poder que se
seguiu à queda do ditador Saddam Hussein, em 2003. Sauditas, iemenitas e sírios aproveitaram a anarquia nas fronteiras
para ir ao Iraque infernizar os
americanos e fincar bases.
Os ultrarradicais sunitas encontraram apoio de lideranças
tribais nas regiões sob influência sunita, facção à qual pertencia Saddam, embora ele mesmo
não fosse religioso. Samarra fica a meia hora de carro de Tikrit, berço do ditador.
Ali Jaburi diz que o irmão foi
forçado a ingressar na Al Qaeda. "Quando minha mãe lhe pedia para abandonar essa gente,
ele dizia que, se saísse, viriam
nos matar." Mas os relatos de
doutrinamento são muitos.
"Nas minhas pregações sempre pedi que não se metessem
com a Al Qaeda", diz o xeque
Said Mohrab, um dos maiores
clérigos de Samarra. "Matar
crianças não tem nada a ver
com o islã", exalta-se.
O plano que varreu a Al Qaeda da maior parte do Iraque se
deu em duas frentes. Na primeira, os EUA aumentaram os
efetivos. Na segunda, foi dado
dinheiro a sunitas pró-Al Qaeda para mudarem de lado. Funcionou. Milicianos cooptados
ainda patrulham Samarra ao
lado do Exército e polícia iraquianos, e o governo é pressionado a integrá-los de vez.
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