São Paulo, domingo, 14 de abril de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Chávez incitou o ódio, diz seu ex-mentor

DO ENVIADO ESPECIAL A CARACAS

Até janeiro passado, Luís Miquilena, 83, considerado o mentor da "revolução bolivariana" e do presidente deposto da Venezuela Hugo Chávez, ocupava o poderoso cargo de ministro de Interior do país.
Apesar das denúncias de corrupção que pesavam contra ele, operava como uma espécie de pilar civil de um governo militar. Negava que seu pupilo incitasse o ódio e o conflito entre ricos e pobres. Creditava a exaltação de Chávez ao duro ofício de defender os pobres e libertar o país da ordem mundial forcada pelos países ricos.
Sob a era Chávez, Miquilena foi ministro do Interior e também presidente do chamado "Congresillo", a comissão que fez as vezes de Congresso venezuelano durante a transição entre a Assembléia Constituinte de 2000 e as eleições gerais realizadas no ano passado.
Desde que saiu do governo, Miquilena manteve-se quieto e evitou criticar Chávez. Começou a falar na quinta-feira, em meio aos tumultos que determinaram a deposição de Chávez, quando acusou o governo pelo que classificou de "massacre" -a morte de 14 manifestantes.
Leia trechos da entrevista que Miquilena deu à Folha em sua casa, em Caracas. (MA)

Folha - Além de conhecido como o mentor de Chávez, o sr. ocupou cargos importantes no governo, do qual só se desligou em janeiro. Agora, acusa o presidente deposto de ser o "principal responsável" pelos episódios de quinta-feira e pela desunião dos venezuelanos. Chávez mudou tanto assim em apenas alguns meses?
Luís Miquilena -
Foi um processo gradual. Eu saí do governo porque já não me sentia confortável lá dentro. Chávez foi aos poucos sendo dominado por um discurso de ódio que resultou nesse massacre.

Folha- Para um observador externo, a exaltação de Chávez parece decorrer das lições que o sr. ensinou a ele ao ajudá-lo a se consolidar entre a população mais pobre do país.
Miquilena -
Nunca semeei o ódio. Fiz a defesa dos mais pobres, mas sempre tive em mente o direito à liberdade de todos os setores da sociedade como sendo valor fundamental.

Folha- Onde o sr. acha que Chávez tenha errado?
Miquilena -
Ele achou que recuperaria sua popularidade negando-se a negociar e jogando uns contra os outros. Esqueceu-se de que a Venezuela é de todos. Ele deveria ser o presidente de todos os cidadãos.

Folha- Qual será o legado de Chávez?
Miquilena -
Ele começou seu cargo bem-intencionado. Levantou a bandeira da independência, da soberania e da autonomia da Venezuela.
Mas, infelizmente, seu nome ficará para sempre ligado aos últimos acontecimentos. Tenho repetido para todos que o tempo jamais poderá tirar o sangue das mãos de Chávez.

Folha - O sr. tem certeza de que o presidente foi responsável pelas mortes de quinta-feira?
Miquilena -
Seu discurso de ódio já é indício suficiente para associá-lo ao episódio.

Folha - A revolução bolivariana está morta?
Miquilena -
Não posso dizer. Talvez alguns de seus aspectos, mas não seus fundamentos. Mas, no momento, a Venezuela precisa de um bom governo de transição. Precisa da união de todos.


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Notas - Brasil: Venezuela teve golpe de Estado, diz Ciro Gomes
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.