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Chávez incitou o ódio, diz seu ex-mentor
DO ENVIADO ESPECIAL A CARACAS
Até janeiro passado, Luís Miquilena, 83, considerado o mentor da "revolução bolivariana" e
do presidente deposto da Venezuela Hugo Chávez, ocupava o
poderoso cargo de ministro de Interior do país.
Apesar das denúncias de corrupção que pesavam contra ele,
operava como uma espécie de pilar civil de um governo militar.
Negava que seu pupilo incitasse o
ódio e o conflito entre ricos e pobres. Creditava a exaltação de
Chávez ao duro ofício de defender
os pobres e libertar o país da ordem mundial forcada pelos países
ricos.
Sob a era Chávez, Miquilena foi
ministro do Interior e também
presidente do chamado "Congresillo", a comissão que fez as vezes
de Congresso venezuelano durante a transição entre a Assembléia Constituinte de 2000 e as
eleições gerais realizadas no ano
passado.
Desde que saiu do governo, Miquilena manteve-se quieto e evitou criticar Chávez. Começou a
falar na quinta-feira, em meio aos
tumultos que determinaram a deposição de Chávez, quando acusou o governo pelo que classificou
de "massacre" -a morte de 14
manifestantes.
Leia trechos da entrevista que
Miquilena deu à Folha em sua casa, em Caracas.
(MA)
Folha - Além de conhecido como o
mentor de Chávez, o sr. ocupou cargos importantes no governo, do
qual só se desligou em janeiro.
Agora, acusa o presidente deposto
de ser o "principal responsável"
pelos episódios de quinta-feira e
pela desunião dos venezuelanos.
Chávez mudou tanto assim em apenas alguns meses?
Luís Miquilena - Foi um processo
gradual. Eu saí do governo porque já não me sentia confortável
lá dentro. Chávez foi aos poucos
sendo dominado por um discurso
de ódio que resultou nesse massacre.
Folha- Para um observador externo, a exaltação de Chávez parece
decorrer das lições que o sr. ensinou a ele ao ajudá-lo a se consolidar entre a população mais pobre
do país.
Miquilena - Nunca semeei o
ódio. Fiz a defesa dos mais pobres,
mas sempre tive em mente o direito à liberdade de todos os setores da sociedade como sendo valor fundamental.
Folha- Onde o sr. acha que Chávez tenha errado?
Miquilena - Ele achou que recuperaria sua popularidade negando-se a negociar e jogando uns
contra os outros. Esqueceu-se de
que a Venezuela é de todos. Ele
deveria ser o presidente de todos
os cidadãos.
Folha- Qual será o legado de Chávez?
Miquilena - Ele começou seu
cargo bem-intencionado. Levantou a bandeira da independência,
da soberania e da autonomia da
Venezuela.
Mas, infelizmente, seu nome ficará para sempre ligado aos últimos acontecimentos. Tenho repetido para todos que o tempo jamais poderá tirar o sangue das
mãos de Chávez.
Folha - O sr. tem certeza de que o
presidente foi responsável pelas
mortes de quinta-feira?
Miquilena - Seu discurso de ódio
já é indício suficiente para associá-lo ao episódio.
Folha - A revolução bolivariana
está morta?
Miquilena - Não posso dizer.
Talvez alguns de seus aspectos,
mas não seus fundamentos. Mas,
no momento, a Venezuela precisa
de um bom governo de transição.
Precisa da união de todos.
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