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ELEIÇÕES
População da ex-colônia portuguesa que enfrentou 24 anos de ocupação indonésia escolhe seu líder pela primeira vez
Timor Leste elege hoje seu 1º presidente
ALESSANDRO GORI
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE DILI
Hoje, pela primeira vez em sua
história, a população de Timor
Leste terá a oportunidade de eleger seu presidente. O resultado
não dá lugar a dúvidas: é certo que
o eleito será Xanana Gusmão, o
principal nome da luta independentista dos timorenses.
A única incógnita diz respeito à
proporção de sua vitória eleitoral,
pois o único outro candidato,
Francisco Xavier do Amaral, não
tem possibilidade alguma de vencer.
A expectativa da população
quanto à transição final para a independência total de Timor Leste
é enorme. Nas eleições de agosto
passado para escolher os membros da Assembléia Constituinte,
o índice de participação foi superior a 90%, e a previsão é que seja
muito alta também desta vez.
Pela primeira vez em sua história, os próprios timorenses serão
responsáveis pelo processo eleitoral, cuja realização está nas mãos
de cerca de 6.000 cidadãos, sob
supervisão internacional. O processo contou com a ajuda de 1.600
observadores nacionais e cerca de
240 internacionais, entre os quais
os enviados pela União Européia
formam o grupo maior.
Tanto Xanana Gusmão quanto
Francisco Amaral integram o histórico partido Fretilin. Este organizou a resistência durante os 24
anos de ocupação indonésia e, nas
eleições de agosto passado, obteve
a maioria na Assembléia (55 cadeiras). Mas o Fretilin é o único
partido que não expressa seu
apoio a nenhum dos dois candidatos.
As diferenças de opinião entre o
partido e Xanana Gusmão foram
se aprofundando com o tempo.
Segundo a Constituição, que é
inspirada na portuguesa, o futuro
presidente terá poderes muito limitados. Assim, será vital para
Xanana conseguir o máximo possível de votos, para contrastar
com os 62,5% dos votos obtidos
pelo Fretilin em agosto.
"Tem de ser Xanana"
"Xanana Gusmão é o único que
pode ser o primeiro presidente de
nosso país independente", afirmou à Folha, com os olhos brilhando de emoção, um morador
de um povoado próximo a Dili
(capital) que se identificou apenas
como Antônio. Devido ao passado colonial ligado a Portugal, uma
pequena parte da população de
Timor Leste ainda fala português
ou tem nome português. A língua
oficial, no entanto, é o tetum.
Antônio é chefe da comunidade
onde habita. Sua longa barba
branca e seus modos afáveis deixam transparecer seu carisma. Estamos num dos últimos comícios
eleitorais na capital, e, apesar de
acreditar profundamente em Xanana, Antônio quer lhe fazer algumas perguntas sobre como ele
pensa desenhar o futuro do país.
A campanha eleitoral de Xanana Gusmão se baseou em conceitos como reconciliação, estabilidade e desenvolvimento. O que é
certo é que o novo presidente terá
de enfrentar uma situação econômica extremamente complicada.
O novo presidente vai assumir
em 20 de maio, na grande festa da
independência. Pode-se imaginar
o que isso vai significar para a população de Timor Leste, depois de
tanto sofrimento.
Uma pista da estrada que dá
acesso a Dili está sendo consertada para estar pronta para o grande acontecimento: o primeiro
nascimento de um novo país no
novo milênio.
"Muitas personalidades públicas do mundo inteiro vão vir para
cá, e precisamos estar preparados", comenta Jorge, um motorista de táxi de Dili.
Apesar disso, nos dias seguintes
à posse, a maior parte das forças
internacionais de paz, lideradas
pela Austrália, assim como parte
dos funcionários da ONU, vai deixar Timor Leste, com todos os
seus equipamentos, e o país terá
de encarar seu futuro sozinho.
A inevitável dolarização da economia motivada pelos dois anos e
meio de missão da ONU deixará
rastros importantes. No momento, a subsistência de Timor está
vinculada à injeção de capital proporcionada pelos estrangeiros.
Certo de sua vitória, embora
não o diga, Xanana já programou
para 19 de abril uma viagem internacional para recolher fundos e
investimentos para Timor, com a
primeira parada prevista para
Portugal. Não será tarefa fácil.
Saindo de Dili, a capital timorense onde fervilham diferentes
atividades, o ambiente muda radicalmente. O desemprego aumenta de maneira drástica, e a
pobreza, ainda mais.
Também se torna mais visível e
generalizada a destruição operada pelas milícias pró-indonésias
após o referendo de 1999, que levou à independência.
As milícias literalmente queimaram e destruíram o país, sob o
olhar atônito da comunidade internacional, que tinha organizado
o referendo, mas sem exigir o deslocamento de tropas.
Ainaro é a capital de um distrito
ao sul de Dili, onde vivem cerca de
10 mil pessoas. Depois do referendo de 1999, cerca de 90% da cidade foi reduzida a escombros, e,
desde então, apenas 20% do que
foi destruído foi reconstruído.
Boa parte da população não tem
trabalho.
Nesse distrito pode-se encontrar um mínimo de economia de
subsistência: na parte mais baixa
cultiva-se o arroz, e nas montanhas, café. Algumas famílias
criam animais. Mesmo assim,
imaginar que é possível sobreviver dessa maneira é pura utopia.
A população está convencida de
que o novo presidente e o novo
governo terão de buscar as soluções para tirá-la dessa situação.
Mesmo assim, hoje se inicia
uma nova era, depois dos horrores da ocupação indonésia. Depois de todo o sangue derramado
em nome da independência e soberania do país, todo o resto parece ter pouca importância, pelo
menos por enquanto.
"Muitas pessoas ainda sentem
muito rancor pelas tragédias vividas durante esses anos", explica
Cesário Magno, diretor da escola
primária Santa Maria, com cerca
de 500 alunos, em Ainaro. "Um
dos pontos do programa de Xanana diz respeito à reconciliação.
Mas é claro que não pode haver
reconciliação sem justiça", diz.
Cesário reconhece que também
Francisco Amaral é um líder histórico do país, "mas ele durou
pouco. Depois de 1977, só Xanana
continuou a lutar", afirma.
Cesário confirma: "Ele [Xanana] serviu ao povo durante os 24
anos de luta. Ele sofreu ao lado de
nós. Foi o comandante supremo
da guerrilha. Nosso primeiro presidente não poderia ser outro. O
povo o exige".
Independência
O caminho até a independência
foi longo e árduo. Em 1974, após a
Revolução dos Cravos (que derrubou a ditadura de Salazar), Portugal abriu mão de suas colônias,
entre as quais estava Timor Leste.
A eclosão de uma guerra civil
entre os partidários da independência e os setores que preferiam
a unificação com a vizinha Indonésia forneceu a este último país o
pretexto para uma invasão.
Timor Leste foi ocupado militarmente pela Indonésia em novembro de 1975 e anexado a ela
como sua 27ª Província, com
apoio dos Estados Unidos, que,
recém-derrotados na guerra do
Vietnã, temiam que os líderes independentistas de Timor Leste
adotassem o comunismo.
Os 24 anos seguintes de opressão sob o regime do ditador Suharto levaram à morte cerca de
300 mil timorenses (hoje o território tem aproximadamente 800
mil habitantes).
A queda de Suharto, em 1998,
provocada pela crise econômica
na Ásia que atingiu em cheio a Indonésia, abriu caminho para um
referendo sobre o futuro de Timor, que acabou sendo realizado
em setembro de 1999, com supervisão da ONU. Nele, 78,5% dos timorenses votaram pela independência de Timor Leste. A reação
das milícias pró-Indonésia deixou o país destruído, com grande
número de mortos e meio milhão
de pessoas deslocadas.
Fragilizada pela crise econômica e diante da pressão internacional, a Indonésia acabou cedendo
e, no final de 1999, foi criada a Administração Transitória das Nações Unidas para Timor Leste
(Untaet), entregue ao diplomata
brasileiro Sérgio Vieira de Mello.
Além de prestar assistência aos
refugiados, Mello teve como desafio iniciar a reconstrução do país e
criar uma administração, uma
polícia e instituições democráticas que conduzissem o território à
independência. Em agosto de
2001, foram realizadas as primeiras eleições livres para a formação
da Assembléia Constituinte, que
redigiu a nova Constituição e
marcou as eleições presidenciais
que acontecem hoje.
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