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OPINIÃO
Sem carisma de João Paulo 2º, Bento 16 pode ser melhor papa
No pontificado de Karol Wojtyla, Joseph Ratzinger resolvia escândalos que seu antecessor não coibia; acusações atuais contra ele são mais fumaça do que fogo
ROSS DOUTHAT
DO "NEW YORK TIMES"
O
MUNDO NEM sempre
concordava com o papa João Paulo 2º, mas
sempre pareceu amá-lo. Bem
apessoado e carismático, com
estilo de ator e confiança de estadista, ele transformou o pontificado de um anacronismo
italiano em um fenômeno
mundial. Sua santidade pessoal
inspirou uma geração de jovens
católicos. "Santo subito!", pediam as multidões romanas enquanto ele agonizava.
Não ouviremos o mesmo pedido com relação a Bento 16.
Era evidente que o mundo encontraria mais dificuldade para
amar, como papa, o antigo cardeal Joseph Ratzinger. Mais introvertido, menos político e
menos disposto a viajar do que
seu predecessor, seu rosto
enrugado e expressão fechada
conferem a ele um ar de tio-avô
sinistro. Enquanto o papa anterior organizava eventos que
atraíam presidentes e astros do
rock, o cardeal Ratzinger cuidava das coisas em Roma, enfrentava os teólogos liberais e chegou a ser caricaturado como "o
rottweiler de Deus". A recompensa dele deveria ter sido a
aposentadoria. Em lugar disso,
foi alçado ao trono de Pedro e,
ao que parece, ao desastre.
A inexorável sucessão de escândalos sexuais nos quais
Bento 16 interveio começou a
ser revelada em março por um
incidente sério: um padre pedófilo que retornara ao sacerdócio em Munique com a aprovação dos então subordinados
ao arcebispo Ratzinger -e talvez com seu conhecimento.
As supostas provas mais recentes, no entanto, oferecem
mais fumaça do que fogo. O papa está sendo criticado não só
por permitir crimes sexuais ou
acobertá-los mas porque, nos
anos 80 e 90, a burocracia do
Vaticano agiu com lentidão
quanto a pedidos para excluir
formalmente do sacerdócio padres que já haviam perdido
suas posições na hierarquia.
No entanto, a fumaça é suficiente para causar estragos. Em
meio à onda de escândalos, o
catolicismo precisava do magnetismo de um João Paulo 2º,
de um mestre dos gestos ousados e dos atos comoventes de
penitência. Em lugar disso, a
igreja tem de se conformar com
o introvertido Bento 16.
João Paulo 2º, porém, amava
e defendia Marcial Maciel Degollado, fundador dos Legionários de Cristo. Mas agora sabemos que Maciel era um sociopata sexualmente voraz. E graças a um recente artigo de Jason Berry para a revista americana "National Catholic Reporter", conhecemos o segredo do
sucesso de Maciel no Vaticano:
sua extraordinária capacidade
de arrecadar fundos, que muitas vezes fluíam para assessores próximos do papa.
Apenas um líder da Igreja sai
incólume da história de Berry:
Joseph Ratzinger. Berry conta
sobre uma palestra de Ratzinger a um grupo de padres membros dos Legionários e do envelope repleto de dinheiro que recebeu no evento para "seu uso
em caridade". O cardeal "se
mostrou inflexível", relata uma
testemunha do incidente, e o
dinheiro terminou rejeitado.
Não se trata de um caso isolado. Nos anos 90, foi Ratzinger
que pressionou pela investigação completa do caso de Hans
Herrmann Gröer, cardeal de
Viena acusado de pedofilia,
mas viu seus esforços bloqueados pelo Vaticano. Foi Ratzinger que reabriu a investigação
há muito adormecida sobre a
conduta de Maciel, em 2004,
dias depois de o papa João Paulo 2º ter homenageado os Legionários de Cristo em uma cerimônia no Vaticano. Foi Ratzinger, depois de virar papa,
que baniu Maciel para um mosteiro e ordenou um inquérito
abrangente sobre sua ordem.
Isso significa que o altaneiro
João Paulo 2º permitia que escândalos se espalhassem sob
seus pés, enquanto Ratzinger,
desprovido de carisma, ficava
com a missão de resolvê-los.
Esse padrão se estende a outras
questões controversas que o
papa anterior tendia a evitar
-o aviltamento da liturgia católica ou a ascensão do islã na
Europa um dia cristã. E envolve
também o calibre dos bispos da
igreja, um quesito no qual as indicações de Bento 16 vêm sendo vistas como grande melhora
com relação às escolhas de
João Paulo 2º.
Será que Bento 16 fez o bastante para limpar a casa e demonstrar contrição? Certamente não. O Vaticano que ele
agora comanda respondeu aos
escândalos com ressentimento,
resistência e certa dose de autopiedade que nada tem de
cristã? Com certeza. Será que o
atual papa será capaz de reconquistar o respeito e a admiração, à sua pessoa e ao seu posto,
de que João Paulo 2º desfrutava? De maneira alguma.
Mas por mais improvável
que isso possa parecer hoje,
Bento 16 talvez no futuro venha
a merecer ser recordado como
um papa melhor do que o seu
adorado antecessor.
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