São Paulo, domingo, 14 de maio de 2000


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CRISE NO DESERTO
Potência petrolífera terá de cortar gastos e fazer reformas
Arábia Saudita deixa de ser "oásis"

RUPERT CORNWELL
DO "THE INDEPENDENT"

Qual é o país do Oriente Médio que apresenta déficit orçamentário há 17 anos, cuja renda nacional "per capita" caiu pela metade desde o início da década de 80 e que agora se vê obrigado a optar entre uma reforma econômica fundamental, completa, com dolorosos cortes nos gastos, ou uma profunda crise fiscal e possível desvalorização de sua moeda? O empobrecido Egito, o devastado Líbano ou as esforçadas Síria ou Jordânia?
Nenhuma das anteriores. A resposta correta é Arábia Saudita, o país que o petróleo parecia haver transformado num "eldorado" dos tempos modernos, mas que agora enfrenta seus piores problemas econômicos em décadas.
As dificuldades são tão sérias que, após o recente anúncio de que vai começar a emitir vistos de turista para estimular a entrada de divisas, o governo saudita informou que vai instaurar pedágios para recuperar os bilhões que gasta na manutenção de suas rodovias.
Basta dizer "Arábia Saudita" para pensar em desertos intermináveis, nos mais sagrados lugares do islamismo, nos gastos perdulários de seus príncipes e num histórico de direitos humanos que inclui decapitações, amputações e Justiça a portas fechadas. Tudo isso, menos fracasso econômico.
Mas as fraquezas estão presentes nesse setor -tanto assim que alguns analistas acreditam que, se nada for feito, as consequências podem ser o pesadelo que assombra as noites em Washington e Londres: instabilidade política no país que é o maior fornecedor petrolífero dos EUA e um aliado-chave do Ocidente numa região marcada pela instabilidade.
Isso não significa, porém, que o reino saudita já possa ser qualificado de "caso perdido". O país é o maior e mais influente produtor de petróleo da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) e dono de 25% das reservas petrolíferas mundiais.
Os mais ricos entre seus cidadãos já enviaram para o exterior entre US$ 500 bilhões e US$ 800 bilhões, o suficiente para pagar toda a dívida do Reino Unido. Mas o mito saudita foi abalado.
Nenhum país é tão rico que não possa gastar a ponto de ter problemas. Não era essa a impressão que se tinha na década de 70, após a primeira bonança petrolífera da Opep, quando a Arábia Saudita se tornou o produtor pivô.
E ninguém se espantou nem um pouco quando, uma década mais tarde, o reino saudita investiu US$ 25 bilhões na guerra iraquiana contra o Irã, nem tampouco quando contribuiu com US$ 55 bilhões para financiar a operação liderada pelos EUA que expulsou Saddam Hussein do Kuait.
Durante todo esse tempo, no entanto, o preço do petróleo estava caindo, e na década de 90 a Arábia Saudita, metáfora da riqueza sem limites, juntou-se às extensas fileiras dos governos que gastavam mais do que ganhavam. Apesar de o preço do petróleo já ter subido novamente, é nessa situação que ainda se encontra.
O generoso sistema de subsídios e bem-estar social criado às custas do boom dos anos 70 pode ter sido politicamente intocável, mas o mesmo não pode ser dito do preço do produto que manteve a economia saudita solvente e que, mesmo hoje, gera 75% de sua receita orçamentária.
À medida que o custo do barril de petróleo cru foi caindo de quase US$ 40 para, em certo momento, míseros US$ 10, o melhor que se podia dizer da economia saudita era que estava estagnada.
Enquanto isso, porém, sua população, que se aproxima de 20 milhões de habitantes, continuou a crescer 3% ao ano. Com o resultado, o PNB (Produto Nacional Bruto) "per capita" caiu de mais de US$ 16 mil em 1981 para "meros" US$ 7.040 hoje.

Fim da abundância
Mesmo a cautelosa dinastia Saud já captou a mensagem. "A era da abundância acabou", foi o aviso que o príncipe herdeiro Abdullah (que efetivamente governa o país no lugar de seu irmão adoentado, o rei Fahd) enviou aos governantes de outros Estados do golfo numa reunião de cúpula.
A meta, agora, é diversificar a economia, reduzindo sua dependência do petróleo. As restrições aos investimentos estrangeiros diretos estão sendo reduzidas, e, dentro em breve, empresas petrolíferas estrangeiras poderão voltar a produzir na Arábia Saudita, como faziam até a indústria local ser nacionalizada, há 19 anos.
Os cortes incluem o parcelamento de pagamentos de armas e redução nos subsídios de energia elétrica e outros serviços.
Talvez o mais revelador seja o fato de que uma porta relutante está sendo aberta aos turistas comuns. Sob nova legislação, a Arábia Saudita vai finalmente emitir seus primeiros vistos turísticos. O país, tido como o coração fechado do islamismo, não pode mais se dar ao luxo de desprezar a fonte de renda do turismo.
É discutível, porém, se as medidas vão bastar. Boa parte da infra-estrutura do país dá mostras de envelhecimento. A expansão necessária para fazer frente à população crescente pode custar US$ 100 bilhões ou mais.
Com petróleo mais caro, fala-se menos na hipótese de desvalorização do rial, mas mesmo os sauditas nascidos no país já correm o risco do desemprego, perspectiva antes restrita aos imigrantes.
Com metade de sua população na faixa etária de menos de 25 anos, o Estado não consegue garantir empregos como antes.
O momento para mudar é agora. O Iraque não representa mais ameaça, e as relações com o Irã, a maior potência do golfo Pérsico e o outro rival regional, estão melhorando. No nível interno, a oposição foi subornada ou forçada a retroceder.
Mas o processo decisório na Arábia Saudita é repleto de idas e vindas. E o papel de regente exercido por Abdullah -integrante de um grupo de irmãos poderosos, e não rei por direito- torna ainda mais questionável sua capacidade de levar adiante as reformas necessárias. Além disso, sua família ainda gasta como se não houvesse amanhã.


Tradução de Clara Allain


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