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CRISE NO DESERTO
Potência petrolífera terá de cortar gastos e fazer reformas
Arábia Saudita deixa de ser "oásis"
RUPERT CORNWELL
DO "THE INDEPENDENT"
Qual é o país do Oriente Médio
que apresenta déficit orçamentário há 17 anos, cuja renda nacional
"per capita" caiu pela metade desde o início da década de 80 e que
agora se vê obrigado a optar entre
uma reforma econômica fundamental, completa, com dolorosos
cortes nos gastos, ou uma profunda crise fiscal e possível desvalorização de sua moeda? O empobrecido Egito, o devastado Líbano ou
as esforçadas Síria ou Jordânia?
Nenhuma das anteriores. A resposta correta é Arábia Saudita, o
país que o petróleo parecia haver
transformado num "eldorado"
dos tempos modernos, mas que
agora enfrenta seus piores problemas econômicos em décadas.
As dificuldades são tão sérias
que, após o recente anúncio de
que vai começar a emitir vistos de
turista para estimular a entrada
de divisas, o governo saudita informou que vai instaurar pedágios para recuperar os bilhões que
gasta na manutenção de suas rodovias.
Basta dizer "Arábia Saudita"
para pensar em desertos intermináveis, nos mais sagrados lugares
do islamismo, nos gastos perdulários de seus príncipes e num histórico de direitos humanos que
inclui decapitações, amputações e
Justiça a portas fechadas. Tudo isso, menos fracasso econômico.
Mas as fraquezas estão presentes nesse setor -tanto assim que
alguns analistas acreditam que, se
nada for feito, as consequências
podem ser o pesadelo que assombra as noites em Washington e
Londres: instabilidade política no
país que é o maior fornecedor petrolífero dos EUA e um aliado-chave do Ocidente numa região
marcada pela instabilidade.
Isso não significa, porém, que o
reino saudita já possa ser qualificado de "caso perdido". O país é o
maior e mais influente produtor
de petróleo da Opep (Organização dos Países Exportadores de
Petróleo) e dono de 25% das reservas petrolíferas mundiais.
Os mais ricos entre seus cidadãos já enviaram para o exterior
entre US$ 500 bilhões e US$ 800
bilhões, o suficiente para pagar
toda a dívida do Reino Unido.
Mas o mito saudita foi abalado.
Nenhum país é tão rico que não
possa gastar a ponto de ter problemas. Não era essa a impressão
que se tinha na década de 70, após
a primeira bonança petrolífera da
Opep, quando a Arábia Saudita se
tornou o produtor pivô.
E ninguém se espantou nem um
pouco quando, uma década mais
tarde, o reino saudita investiu
US$ 25 bilhões na guerra iraquiana contra o Irã, nem tampouco
quando contribuiu com US$ 55
bilhões para financiar a operação
liderada pelos EUA que expulsou
Saddam Hussein do Kuait.
Durante todo esse tempo, no
entanto, o preço do petróleo estava caindo, e na década de 90 a
Arábia Saudita, metáfora da riqueza sem limites, juntou-se às
extensas fileiras dos governos que
gastavam mais do que ganhavam.
Apesar de o preço do petróleo já
ter subido novamente, é nessa situação que ainda se encontra.
O generoso sistema de subsídios e bem-estar social criado às
custas do boom dos anos 70 pode
ter sido politicamente intocável,
mas o mesmo não pode ser dito
do preço do produto que manteve
a economia saudita solvente e
que, mesmo hoje, gera 75% de sua
receita orçamentária.
À medida que o custo do barril
de petróleo cru foi caindo de quase US$ 40 para, em certo momento, míseros US$ 10, o melhor que
se podia dizer da economia saudita era que estava estagnada.
Enquanto isso, porém, sua população, que se aproxima de 20
milhões de habitantes, continuou
a crescer 3% ao ano. Com o resultado, o PNB (Produto Nacional
Bruto) "per capita" caiu de mais
de US$ 16 mil em 1981 para "meros" US$ 7.040 hoje.
Fim da abundância
Mesmo a cautelosa dinastia
Saud já captou a mensagem. "A
era da abundância acabou", foi o
aviso que o príncipe herdeiro Abdullah (que efetivamente governa
o país no lugar de seu irmão
adoentado, o rei Fahd) enviou aos
governantes de outros Estados do
golfo numa reunião de cúpula.
A meta, agora, é diversificar a
economia, reduzindo sua dependência do petróleo. As restrições
aos investimentos estrangeiros
diretos estão sendo reduzidas, e,
dentro em breve, empresas petrolíferas estrangeiras poderão voltar
a produzir na Arábia Saudita, como faziam até a indústria local ser
nacionalizada, há 19 anos.
Os cortes incluem o parcelamento de pagamentos de armas e
redução nos subsídios de energia
elétrica e outros serviços.
Talvez o mais revelador seja o
fato de que uma porta relutante
está sendo aberta aos turistas comuns. Sob nova legislação, a Arábia Saudita vai finalmente emitir
seus primeiros vistos turísticos. O
país, tido como o coração fechado
do islamismo, não pode mais se
dar ao luxo de desprezar a fonte
de renda do turismo.
É discutível, porém, se as medidas vão bastar. Boa parte da infra-estrutura do país dá mostras de
envelhecimento. A expansão necessária para fazer frente à população crescente pode custar US$
100 bilhões ou mais.
Com petróleo mais caro, fala-se
menos na hipótese de desvalorização do rial, mas mesmo os sauditas nascidos no país já correm o
risco do desemprego, perspectiva
antes restrita aos imigrantes.
Com metade de sua população
na faixa etária de menos de 25
anos, o Estado não consegue garantir empregos como antes.
O momento para mudar é agora. O Iraque não representa mais
ameaça, e as relações com o Irã, a
maior potência do golfo Pérsico e
o outro rival regional, estão melhorando. No nível interno, a oposição foi subornada ou forçada a
retroceder.
Mas o processo decisório na
Arábia Saudita é repleto de idas e
vindas. E o papel de regente exercido por Abdullah -integrante
de um grupo de irmãos poderosos, e não rei por direito- torna
ainda mais questionável sua capacidade de levar adiante as reformas necessárias. Além disso, sua
família ainda gasta como se não
houvesse amanhã.
Tradução de Clara Allain
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