São Paulo, Sábado, 14 de Agosto de 1999
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VIOLÊNCIA
Jaime Garzón Forera, que fazia campanha pela paz e vinha recebendo ameaças, foi assassinado em Bogotá
Morte de jornalista abala colombianos

Associated Press
Colombianos prestam homenagem ao jornalista e humorista Jaime Garzón, em frente ao restaurante no qual ele almoçava diariamente em Bogotá


CLÓVIS ROSSI
enviado especial a Bogotá

O assassinato, ontem pela manhã, do jornalista e humorista Jaime Garzón Forero conseguiu deixar em estado de choque mesmo um país como a Colômbia, habituada à violência comum e política há pelo menos 40 anos.
O multifacetado Garzón, 39, era radialista, humorista e militante pela paz, como membro do Conselho de Paz do Departamento de Cundinamarca, no qual se situa a cidade de Bogotá, a capital colombiana.
Foi morto por volta de 5h45 (7h45 em Brasília) com cinco tiros de pistola 38 mm, disparados por dois capangas que seguiam seu jipe Cherokee.
O atentado ocorreu durante o trajeto de sua casa até a emissora Radionet, um de seus dois locais de trabalho (o outro era a TV Caracol).
Os assassinos estavam em uma motocicleta, e um deles levava uma bolsa de plástico sob a arma, para tentar reter as cápsulas esvaziadas pelos disparos e, assim, não deixar pistas. Não conseguiu.
O diretor-geral da Polícia Nacional, general Rosso José Serrano, disse que Garzón lhe havia contado ter sido ameaçado pelas AUC (Autodefesas Unidas da Colômbia, grupo paramilitar de extrema-direita), mas que não levara a sério as ameaças.
O general negou-se, no entanto, a atribuir o crime às AUC. "Todas as hipóteses são factíveis", preferiu dizer. As AUC negaram ter praticado o atentado.
A comoção provocada pelo crime foi tal que condenaram o ato tanto o presidente da República, Andrés Pastrana, como o comandante Antonio García, do ELN (Exército de Libertação Nacional, um dos três grupos guerrilheiros que lutam contra o governo).
O jornalista tinha contatos com os guerrilheiros para obter a libertação de seus reféns.
Garzón está sendo velado no Capitólio, o Congresso colombiano, e será enterrado hoje na Catedral Metropolitana de Bogotá.
O grupo País Livre, uma ONG (organização não-governamental) que luta contra a violência, convocou uma grande marcha de protesto para a tarde de hoje, na praça Bolívar, o centro histórico da capital.
O local em que Garzón foi baleado transformou-se de imediato em foco de peregrinação, uma reprodução, em ponto menor, do que ocorreu no local de Paris em que houve o acidente que matou a princesa Diana.
A TV Caracol, emissora na qual fazia o papel do engraxate Heriberto de la Calle, em entrevistas de humor cortante com todos os personagens que são notícia na Colômbia, passou a transmitir seus programas com uma tarja negra.
O restaurante "El Pátio", no centro de Bogotá, freqüentado diariamente pelo jornalista, transformou-se também em ponto de peregrinação.
Todas as mesas foram recolhidas, exceto a que Garzón utilizava mais habitualmente.
Junto a ela foram colocadas a caixa e os instrumentos do engraxate Heriberto, logo cobertas de mensagens de pesar e dor, como a que dizia: "Mataron a Colombia -No Más".
Os amigos do jornalista-humorista comparavam-no com Woody Allen e com Charles Chaplin.
Mas um fã, José Alberto Hermosillas, que chorava no local em que Jaime Garzón foi baleado, preferiu dizer que ele era "o Cristo colombiano".
Os 40 jornalistas que compartilhavam com Garzón a redação da Radionet divulgaram mensagem em que afirmam que "o jornalismo, mais que nunca, está ferido de morte".
Na Colômbia, isso é algo mais que figura de linguagem: Garzón tornou-se o 126º jornalista a ser assassinado desde 1977.
Se o crime foi motivado pelo seu humor corrosivo, o general Serrano tem razão ao dizer que todas as hipóteses são factíveis.
Garzón não poupava nem o presidente da República (de quem era amigo) nem seu principal opositor político, o líder liberal Horácio Serpa, nem a guerrilha e muito menos os paramilitares e a endêmica corrupção no país.
"Era totalmente livre de pensamento e de obra", diz o deputado Antonio Navarro Wolf, que foi dirigente do grupo guerrilheiro M-19, dissolvido há tempos.
Completou: "Alguém não agüentou a liberdade".


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