São Paulo, sexta-feira, 14 de setembro de 2007

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Bélgica corre o risco de desaparecer

Rivalidade histórica entre Flandres e a Valônia chega ao auge e separação deixa de ser tabu no debate político do país

Proposta de aumentar poder de regiões provocou impasse; vencedores da eleição de três meses atrás não conseguem governar

François Lenoir/Reuters
Garçom em Bruxelas leva copos de cerveja nas cores da bandeira belga; separatismo é mais aguçado em Flandres, região mais rica


LETÍCIA FONSECA-SOURANDER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE BRUXELAS

Como um país poderia, em pleno século 21, desaparecer do mapa da Europa? A pergunta é tão surrealista como René Magritte, um dos artistas mais célebres desta nação em crise. A Bélgica, que vive o pior momento de seus 177 anos de existência, corre o sério risco de se desintegrar.
O democrata-cristão flamengo Yves Leterme, que venceu as últimas eleições legislativas há três meses, foi incapaz de formar um governo de coalizão com os partidos francófonos. O rei Alberto 2º nomeou outro político flamengo, Herman Van Rompuy, para desatar o nó das negociações. Se, ainda assim, não houver solução política, o rei poderá criar um governo provisório -formado por experts e não por políticos- e convocar novas eleições. Mas há quem acredite que a morte anunciada da Bélgica está mais próxima do que o esperado.
Francófonos e flamengos reacenderam as velhas rivalidades ao tentar negociar um acordo sobre uma nova repartição de poderes no Estado federal -dividido entre as regiões de Flandres (norte), Valônia (sul) e a capital, Bruxelas. Cada uma delas tem Parlamento e governo próprios. A Bélgica tem três idiomas oficiais: o francês, o flamengo (uma versão do holandês) e o alemão. Vitoriosos nas últimas eleições, os partidos flamengos estão defendendo um sistema para dar mais poder a essas três regiões do país nas áreas de segurança social, emprego, Justiça e política fiscal, entre outras.

Riqueza e decadência
Os políticos francófonos são contra essa reforma. Eles vêem a descentralização como uma tentativa da abastada Flandres de se separar da Valônia decadente, com alto desemprego.
Diante das disputas, é possível indagar se existe uma identidade belga. Para o cientista político Benoît Rihoux, da Universidade Católica de Louvain, a resposta varia segundo as regiões. Em Flandres, metade da população vai responder que se sente flamenga, depois belga. A outra metade dirá ser belga e flamenga ao mesmo tempo.
Do lado francófono é bem diferente. "Os francófonos são antes de tudo belgas, antes mesmo de se sentirem valões ou europeus." Pela primeira vez a separação entre o norte e o sul é uma questão discutida abertamente, sem tabus, no país. Segundo pesquisas publicadas na semana passada, 43% dos flamengos querem a autonomia, enquanto 88% dos francófonos preferem a união.
"Imaginar que podemos nos separar, no momento em que estamos reforçando a construção da Europa, é uma regressão patética", afirma o jornalista Philippe Dutilleul. No documentário fictício que produziu e foi exibido na RTBF, a TV belga francófona, Dutilleul mostrou a proclamação virtual da independência de Flandres.
O processo de separação belga é uma ameaça relativamente constante. Crises do passado encontraram soluções, nem sempre eficazes, para as três comunidades lingüísticas do país. Mas desta vez existe uma diferença, ressalta Benoît Rihoux: "Em Flandres, uma parte das elites políticas flamengas, os mais jovens particularmente, não está interessada em fazer um acordo amigável".
O partido de extrema direita Vlaams Belang, o segundo maior da região de Flandres, tem se beneficiado da crise. Na semana passada, apresentou um pedido formal no Parlamento sobre a separação de Flandres. O político Bart De Wever, líder do N-VA e aliado ao CD&V de Yves Leterme, não esconde sua indiferença sobre o destino do país. Ele confessa que, "se não houvesse Bruxelas no meio, a separação estaria consumada há muito tempo".

Bruxelas sem destino
Em algumas fachadas de Bruxelas, sede da União Européia, é possível ver, nestes dias de crise, bandeiras belgas à mostra. O rei Alberto 2º, que representa a unidade do país, é visto com simpatia. Mas os belgas que não são tão nacionalistas dizem que o melhor é encontrar uma solução definitiva.
Pode também parecer surrealista, mas a maioria da população na capital belga não é de flamengos nem de valões, mas de marroquinos, turcos, congoleses, italianos, portugueses, franceses, além de centenas de famílias de funcionários das instituições européias vindas de outros países do bloco. Todos preferem falar o francês. Menos de 15% do 1 milhão de habitantes de Bruxelas é de flamengos. Cerca de 350 mil pessoas, a maioria flamengos, trabalha em Bruxelas. No final do dia, volta para cidades no norte. Resta saber agora de quem Bruxelas será capital no futuro.


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