São Paulo, domingo, 14 de setembro de 2008

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SUCESSÃO NOS EUA / A HORA DA ESTRELA

Palin revigora comícios de McCain e ofusca candidato

Ao roubar a cena, vice converte soporíferos eventos republicanos em atos para turba eufórica

Para multidão que a espera, governadora conservadora é estrela principal, cortejada com gritos, palmas, cartazes e até pedidos de casamento

FERNANDO RODRIGUES
ENVIADO ESPECIAL A FAIRFAX

As caixas acústicas gigantes tocam "The Eye of the Tiger" a todo volume. É o sucesso pop de 1982 da banda Survivor, tema de vários filmes da série "Rocky, um lutador". John McCain, ele próprio um sobrevivente político nesta eleição, sobe ao palanque ao som dos acordes épicos do início da música. Traz junto sua mulher, Cindy, mais Sarah Palin e seu marido, o silencioso Todd.
"Paramos de contar o público quando passou de 20 mil", diz um policial apressado durante o evento. A mídia local estimou em até 23 mil o número de presentes na última quarta-feira no parque Van Dycke, em Fairfax, cidade no norte do Estado da Virgínia até pouco tempo um reduto no qual quem avançava eram os democratas.
O candidato republicano a presidente tem visto um espetáculo do crescimento nos seus comícios. Já havia reunido 10 mil pessoas em Colorado Springs (no Colorado), na semana retrasada. No último dia 9, foram outras 7.000 em Lancaster (Pensilvânia). Os 23 mil da Virgínia estabeleceram um recorde para uma campanha acostumada a um clima tendendo à narcolepsia, dada a falta de entusiasmo quando o senador de 72 anos aparecia em frente aos militantes.
O comício de Fairfax foi outra história. O clima ajudou, com uma quarta-feira ensolarada e céu azul, típico desta época do ano na região. O evento começaria às 11h, mas às 8h30 já havia filas de quase um quilômetro para entrar.
Fila para entrar num parque? Comício de candidato a presidente nos EUA é assim. A polícia é paranóica por causa do farto histórico de políticos assassinados no país. O parque Van Dycke foi totalmente cercado. Todo o público passou por detectores de metal. Havia 12 máquinas disponíveis, iguais às dos aeroportos. O evento seria inicialmente em um ginásio escolar, mas democratas locais (oposição) encrencaram porque seria no horário das aulas.
"Lá cabiam só pouco mais de 6.000. Fizeram-nos um favor. Agora mais pessoas puderam vir. Este já é o maior comício da campanha de McCain", disse à Folha o prefeito de Fairfax, Rob Lederer, republicano.
O comício era para o candidato a presidente pelo Partido Republicano, mas a maioria na platéia queria mesmo ver de perto a candidata a vice, Sarah Palin. "Sarahcuda", "Sarah, quer casar comigo?", "Eu também sou uma mãe do hockey", "Palin Power", "Clube do batom da América" e "Democratas com Palin" eram alguns dos cartazes artesanais levados por militantes sentados na grama.
Durante os discursos, não importava quem falava. A platéia quase sempre interrompia com os gritos de "Sa-rah, Sa-rah, Sa-rah". Quando chegou sua vez, McCain se rendeu. Começou a balançar os braços como se fosse um maestro regendo uma orquestra de fãs de sua candidata a vice. Ele sabe quem é a estrela da campanha agora.

Fator Édipo
A governadora do Alasca tem 44 anos, cinco filhos, é conservadora no grau máximo e, como explicou o estudante de segundo ano da universidade Georgetown, Paul Courtney, 19, "ela é muito bonita e mais jovem do que a minha mãe". Cheio de acne no rosto, ele faz parte do grupo "College Republicans", de universitários partidários da legenda de McCain e do atual presidente dos EUA, George W. Bush.
Com uma camiseta vermelha (a cor dos republicanos) estampando à la Che Guevara uma silhueta em preto de Ronald Reagan, um outro "college republican", Alex George, também 19, não continha o entusiasmo. "O comício foi muito melhor do que eu esperava. Ela [Palin] é melhor pessoalmente". George ajudou a recrutar no mês passado "quase 300 calouros", todos dispostos a trabalhar como voluntários na campanha republicana a partir de Georgetown, tradicional universidade de Washington, vizinha a Fairfax.
O comício republicano é pragmático, como o partido. Não há, como no Brasil, uma lista infindável de gente se esgoelando ao microfone. Os políticos escalados têm missões específicas. Falaram, por exemplo, duas democratas que votavam em Hillary Clinton, (derrotada por Barack Obama na disputa pela candidatura).
Orson Swindle, um veterano de guerra amigo de McCain, fez um discurso utilitário. "Meu pedido é incomum. Liguem os seus celulares. Isso mesmo, liguem os telefones. Enquanto aguardamos John McCain, peguem esses papéis que vocês receberam na entrada. Em cada folheto há números de telefones de eleitores diferentes desta área. Façam uma ou duas ligações agora e tentem conseguir mais um voto. Somos milhares aqui. Se todos fizerem um telefonema, podemos dobrar nosso número", disse ele.
Nem todos atenderam à solicitação. Mas fez-se silêncio por algum tempo e via-se muitos militantes apertando as teclas de seus celulares.
Pouco antes da chegada de McCain e Palin, o deputado federal republicano da região, Tom Davis, contou uma anedota para distrair a platéia e reforçar o estigma de gastadores dos democratas. "Sabem como nossos adversários tratam as coisas em Washington? Se algo se move, criam um imposto em cima. Se continuar a se mover, inventam uma regulamentação. Se parar, propõem subsídios."
Para terminar as apresentações, surgiu no palco Fred Thompson. Ex-senador pelo Tennessee de 66 anos, ator popular de uma série de TV, ele é uma espécie de Tarcísio Meira dos republicanos. Canastrão, soube como levar o público quase ao delírio declamando um exagero: "[Sarah Palin] tem a mais formidável história de sucesso na política americana".
McCain e Palin fizeram discursos lidos no teleprompter. Tudo foi extraído de suas falas na convenção republicana, de uma semana antes. Patriotismo, serviço à nação, menos impostos e "mudança real" para Washington, seqüestrando e ampliando o slogan de Obama.

Nacionalismo
Para dar mais naturalidade, Palin aponta em algum momento para o público e diz estar feliz com o cartaz de um veterano de guerra (não há como errar: sempre há um veterano na platéia republicana). A governadora do Alasca então apela para o nacionalismo de seus fãs. Diz estar para despachar um de seus cinco filhos para servir na Guerra do Iraque, o que aconteceu na quinta-feira, um simbólico 11 de setembro.
O "batomgate" também foi um tema recorrente. Palin se descreve como uma "hockey mom", dedicada, que leva os filhos aos treinos. A diferença entre uma "mãe do hockey" e um pit-bull, diz, é o "batom".
Na semana passada, Obama foi ao ataque. "Você pode passar batom num porco, mas ainda é um porco". É uma expressão comum nos EUA. Mas os republicanos vibraram. Já haviam encaçapado o discurso de mudança dos rivais. Agora, passaram a se portar como alvos de sexismo, devolvendo na mesma moeda décadas de acusações.
Ex-partidária de Hillary Clinton e agora militante pela chapa republicana, Lynette Long viu na frase de Obama um sinal de imaturidade, como se o democrata fosse um menino xingando meninas na escola. "Não quero alguém da quinta série dirigindo o meu país."
Depois de uma série de eventos como o de Fairfax, a chapa republicana se dividiu. A candidata a vice foi para o Alasca por alguns dias. McCain está sozinho até o início desta semana. Terá de se virar e talvez se inspirar na letra da música que seus marqueteiros escolheram para tema de sua campanha. Em "The Eye of the Tiger", o Survivor canta um verso misturando cafonice a auto-ajuda: "Eu fiz o que pude, agora estou recuperado. Sou um homem com seu desejo de sobreviver".


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