São Paulo, domingo, 14 de outubro de 2007

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"Geração perdida" chega ao poder

Congresso marca ascensão da quinta geração de líderes, mais humanista e menos tecnocrata, diz analista

Para Li Cheng, partido está dividido e gesta mudanças que podem eclodir em 10 ou 15 anos; briga por sucessão pode ser adiada para 2012

DA ENVIADA ESPECIAL A PEQUIM

O 17º Congresso do Partido Comunista da China, que começa amanhã, marcará o início da ascensão ao poder da chamada "geração perdida", que chegou à juventude no período da Revolução Cultural (66-76) e foi enviada para trabalhar na zona rural durante anos.
Delegados de todo o país vão se reunir durante uma semana para traçar as prioridades do governo para os próximos cinco anos e definir quem irá suceder Hu Jintao em 2012.
"A grande dúvida é se eles escolherão uma pessoa, como ocorreu com Hu há 15 anos, ou duas, três ou quatro, que irão competir em uma eleição no Comitê Central daqui a cinco anos", disse em entrevista à Folha o chinês Li Cheng, professor do Hamilton College, de Nova York, e pesquisador visitante do John L. Thornton China Center da Brookings Institution, em Washington. Em qualquer dos cenários, os que vão dirigir o país a partir de 2012 já passarão a integrar os organismos de cúpula do PC. Leia a seguir os principais trechos da entrevista, concedida à Folha por telefone: (CLÁUDIA TREVISAN)  

FOLHA - Que tipo de mudanças podemos esperar do 17º Congresso?
LI CHENG
- A linha do partido já está decidida e é a construção de uma sociedade harmônica. Isso significa que eles vão prestar mais atenção a questões como justiça social e distribuição de renda do que exclusivamente crescimento econômico.
É uma enorme mudança, que já começou há três ou quatro anos, quando Hu Jintao assumiu a liderança do partido, mas elas serão implementadas de maneira mais agressiva no segundo período de seu governo.

FOLHA - Hu Jintao sairá do Congresso com mais poder?
LI
- Com certeza. Haverá mais pessoas ligadas a ele na cúpula do partido. É possível que ele reforce sua posição no comitê permanente do Politburo com novos aliados. Mas o sistema de pesos e contrapesos dentro do PC continuará o mesmo.

FOLHA - Nós saberemos já durante o Congresso quem vai suceder Hu?
LI
- Sim e, na minha opinião, essa será a questão mais importante. Muito provavelmente, o sucessor de Hu estará entre os nove membros do comitê permanente do Politburo, o mais alto organismo de decisão do partido, e seu nome será conhecido em outubro. A grande dúvida é se eles escolherão uma pessoa, como ocorreu com Hu há 15 anos, ou duas, três ou quatro, que irão competir em uma eleição no Comitê Central daqui a cinco anos. Avalio que haverá mudanças em pelo menos 50% do comitê permanente.

FOLHA - Qual é o perfil dos que assumirão do poder em 2012?
LI
- Essa será a quinta geração de líderes, que pertence à chamada "geração perdida", jovem durante a Revolução Cultural [1966-1976]. Eles não puderam estudar naquela época e foram enviados à zona rural para trabalhar como camponeses.

FOLHA - Como essa geração se diferencia da atual?
LI
- Eles têm uma grande experiência, em razão da Revolução Cultural. Foram muito ideológicos na juventude e depois se desiludiram. Essa geração voltou à escola depois da Revolução Cultural e foi exposta a valores e idéias ocidentais. Alguns estudaram no exterior, no Ocidente. É uma grande diferença em relação à quarta geração, educada na China. O mais relevante é que eles têm formação em economia, ciências sociais e direito, ao invés de engenharia e ciências naturais. As gerações de Jiang Zemin e Hu Jintao são de tecnocratas.
Creio que haverá a preocupação em ter uma estratégia mais ampla e coerente e não focada apenas no desenvolvimento tecnológico. Haverá mais preocupação com o império da lei, e eles estarão mais confortáveis com a idéia de eleições.

FOLHA - É razoável esperar algum movimento na direção de reformas democráticas nos próximos anos?
LI
- Sim. Eu sou minoria, mas sou otimista. Essa democracia será gradual. Não veremos essas idéias democráticas nos próximos cinco anos, mas eles vão caminhar nessa direção.
As grandes mudanças ocorrerão dentro de 10 a 15 anos, quando a sociedade civil estará mais madura, a classe média mais forte e os líderes terão mais prática democrática.

FOLHA - O sr. vê a China com mais de um partido ou fala de democracia dentro do Partido Comunista?
LI
- Em algum momento haverá mais de um partido, porque o Partido Comunista vai se dividir. Isso não ocorrerá em outubro ou no próximo ano, mas pode acontecer em 10 ou 15 anos.

FOLHA - O sr. escreveu um artigo no qual prevê o bipartidarismo na China, com duas legendas que representariam interesses conflitantes dentro do partido. Como esses grupos se diferenciam?
LI
- O grupo que eu chamo de "coalizão da elite", ligado ao ex-presidente Jiang Zemin, promove a economia de mercado, a globalização, o crescimento econômico. É menos interessado em democracia, porque é privilegiado. Se houver eleições, eles não perderão.
O outro grupo, do presidente Hu Jintao, está mais preocupado com justiça social, distribuição de renda e provavelmente quer mais planejamento e intervenção do Estado. Ao mesmo tempo, eles tendem a ser mais favoráveis à idéia de democracia, porque têm votos. É um modelo que chamo de "um partido, duas facções".

FOLHA - Qual o efeito dessas diferentes correntes dentro do partido?
LI
- Isso significa que o modelo de líder único da era de Mao Tsé-tung ou Deng Xiaoping acabou. Instituições políticas terão papel cada vez mais relevante, e haverá mais compromissos, negociações e acordos.
A existência desses grupos cria um sistema de pesos e contrapesos no equilíbrio político chinês. Não entre partidos ou três Poderes de governo, mas entre duas facções dentro do mesmo partido.


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