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"Geração perdida" chega ao poder
Congresso marca ascensão da quinta geração de líderes, mais humanista e menos tecnocrata, diz analista
Para Li Cheng, partido está dividido e gesta mudanças que podem eclodir em 10 ou 15 anos; briga por sucessão pode ser adiada para 2012
DA ENVIADA ESPECIAL A PEQUIM
O 17º Congresso do Partido
Comunista da China, que começa amanhã, marcará o início
da ascensão ao poder da chamada "geração perdida", que
chegou à juventude no período
da Revolução Cultural (66-76)
e foi enviada para trabalhar na
zona rural durante anos.
Delegados de todo o país vão
se reunir durante uma semana
para traçar as prioridades do
governo para os próximos cinco anos e definir quem irá suceder Hu Jintao em 2012.
"A grande dúvida é se eles escolherão uma pessoa, como
ocorreu com Hu há 15 anos, ou
duas, três ou quatro, que irão
competir em uma eleição no
Comitê Central daqui a cinco
anos", disse em entrevista à Folha o chinês Li Cheng, professor do Hamilton College, de
Nova York, e pesquisador visitante do John L. Thornton China Center da Brookings Institution, em Washington. Em
qualquer dos cenários, os que
vão dirigir o país a partir de
2012 já passarão a integrar os
organismos de cúpula do PC.
Leia a seguir os principais
trechos da entrevista, concedida à Folha por telefone:
(CLÁUDIA TREVISAN)
FOLHA - Que tipo de mudanças podemos esperar do 17º Congresso?
LI CHENG - A linha do partido já
está decidida e é a construção
de uma sociedade harmônica.
Isso significa que eles vão prestar mais atenção a questões como justiça social e distribuição
de renda do que exclusivamente crescimento econômico.
É uma enorme mudança, que
já começou há três ou quatro
anos, quando Hu Jintao assumiu a liderança do partido, mas
elas serão implementadas de
maneira mais agressiva no segundo período de seu governo.
FOLHA - Hu Jintao sairá do Congresso com mais poder?
LI - Com certeza. Haverá mais
pessoas ligadas a ele na cúpula
do partido. É possível que ele
reforce sua posição no comitê
permanente do Politburo com
novos aliados. Mas o sistema de
pesos e contrapesos dentro do
PC continuará o mesmo.
FOLHA - Nós saberemos já durante
o Congresso quem vai suceder Hu?
LI - Sim e, na minha opinião,
essa será a questão mais importante. Muito provavelmente, o
sucessor de Hu estará entre os
nove membros do comitê permanente do Politburo, o mais
alto organismo de decisão do
partido, e seu nome será conhecido em outubro. A grande dúvida é se eles escolherão uma
pessoa, como ocorreu com Hu
há 15 anos, ou duas, três ou quatro, que irão competir em uma
eleição no Comitê Central daqui a cinco anos. Avalio que haverá mudanças em pelo menos
50% do comitê permanente.
FOLHA - Qual é o perfil dos que assumirão do poder em 2012?
LI - Essa será a quinta geração
de líderes, que pertence à chamada "geração perdida", jovem
durante a Revolução Cultural
[1966-1976]. Eles não puderam
estudar naquela época e foram
enviados à zona rural para trabalhar como camponeses.
FOLHA - Como essa geração se diferencia da atual?
LI - Eles têm uma grande experiência, em razão da Revolução Cultural. Foram muito
ideológicos na juventude e depois se desiludiram. Essa geração voltou à escola depois da
Revolução Cultural e foi exposta a valores e idéias ocidentais.
Alguns estudaram no exterior,
no Ocidente. É uma grande diferença em relação à quarta geração, educada na China. O
mais relevante é que eles têm
formação em economia, ciências sociais e direito, ao invés de
engenharia e ciências naturais.
As gerações de Jiang Zemin e
Hu Jintao são de tecnocratas.
Creio que haverá a preocupação em ter uma estratégia mais
ampla e coerente e não focada
apenas no desenvolvimento
tecnológico. Haverá mais preocupação com o império da lei, e
eles estarão mais confortáveis
com a idéia de eleições.
FOLHA - É razoável esperar algum
movimento na direção de reformas
democráticas nos próximos anos?
LI - Sim. Eu sou minoria, mas
sou otimista. Essa democracia
será gradual. Não veremos essas idéias democráticas nos
próximos cinco anos, mas eles
vão caminhar nessa direção.
As grandes mudanças ocorrerão dentro de 10 a 15 anos,
quando a sociedade civil estará
mais madura, a classe média
mais forte e os líderes terão
mais prática democrática.
FOLHA - O sr. vê a China com mais
de um partido ou fala de democracia
dentro do Partido Comunista?
LI - Em algum momento haverá mais de um partido, porque o
Partido Comunista vai se dividir. Isso não ocorrerá em outubro ou no próximo ano, mas pode acontecer em 10 ou 15 anos.
FOLHA - O sr. escreveu um artigo
no qual prevê o bipartidarismo na
China, com duas legendas que representariam interesses conflitantes dentro do partido. Como esses
grupos se diferenciam?
LI - O grupo que eu chamo de
"coalizão da elite", ligado ao ex-presidente Jiang Zemin, promove a economia de mercado, a
globalização, o crescimento
econômico. É menos interessado em democracia, porque é
privilegiado. Se houver eleições, eles não perderão.
O outro grupo, do presidente
Hu Jintao, está mais preocupado com justiça social, distribuição de renda e provavelmente
quer mais planejamento e intervenção do Estado. Ao mesmo tempo, eles tendem a ser
mais favoráveis à idéia de democracia, porque têm votos.
É um modelo que chamo de
"um partido, duas facções".
FOLHA - Qual o efeito dessas diferentes correntes dentro do partido?
LI - Isso significa que o modelo
de líder único da era de Mao
Tsé-tung ou Deng Xiaoping
acabou. Instituições políticas
terão papel cada vez mais relevante, e haverá mais compromissos, negociações e acordos.
A existência desses grupos
cria um sistema de pesos e contrapesos no equilíbrio político
chinês. Não entre partidos ou
três Poderes de governo, mas
entre duas facções dentro do
mesmo partido.
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