|
Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA
Para o presidente, é inconcebível deixar o Iraque e o Afeganistão sem capturar o ex-ditator e Osama bin Laden
Bush nega saída e promete pegar Saddam
ANDREW GOWERS
DO "FINANCIAL TIMES", EM WASHINGTON
Para o presidente dos EUA,
George W. Bush, é "inconcebível"
retirar as tropas americanas do
Iraque e do Afeganistão antes da
captura do ex-ditador iraquiano
Saddam Hussein e do terrorista
saudita Osama bin Laden. "Não
sairemos até terminarmos o trabalho. Ponto", disse ele.
Questionado se isso incluiria a
captura de Saddam e do líder da
Al Qaeda, disse: "Sim, é parte disso. Mas mais importante é criar
uma sociedade livre e democrática, esta é a missão".
Nesta tarde de uma quarta-feira
chuvosa, o "Financial Times" está
desfrutando de um passeio não
solicitado pela parte mais exclusiva da sede do governo americano,
o Salão Oval, tendo como guia o
seu ocupante, o presidente Bush.
"Eu queria mostrar a você esse
santuário da democracia... meio
que dá a você uma idéia de quem
eu sou", Bush diz a três espantados jornalistas britânicos.
E assim admiramos o tapete,
desenhado por Laura Bush ("é a
minha mulher") com raios de sol
e estrelas texanas para projetar
"um sentimento de otimismo".
Examinamos obras de arte texanas penduradas nas paredes. "É
muito importante para um presidente saber quem ele é antes de
assumir o cargo. Há muita pressão, muitas decisões a serem tomadas. Se você tenta descobrir
quem você é enquanto trabalha,
você não fará um bom trabalho."
Admiramos a mesa entalhada
na madeira tirada de um navio da
Marinha britânica, oferecida pela
rainha Vitória aos EUA. "É uma
mesa maravilhosa. Nem todos os
presidentes a usaram." Franklin
D. Roosevelt, John Kennedy e Ronald Reagan foram alguns presidentes que a usaram.
Há mais: o busto do premiê britânico Winston Churchill, emprestado pelo amigo próximo e
atual chefe de governo britânico,
Tony Blair: "Acho que Churchill
era um pensador extremamente
lúcido... o tipo de cara que aguenta firme quando você precisa
aguentar firme... gostaria de ser
tão inteligente quanto ele era". Há
ainda um imenso quadro de
Abraham Lincoln: "O maior presidente deste país, por isso o coloquei na parede".
A cada passo vem uma sensação
de que Bush está conscientemente se medindo em relação ao gabinete e a seus ocupantes anteriores. Será que ele agora acha que
pode se incluir nesse panteão?
"O presidente tem de entender
que neste gabinete a pessoa nunca
é maior do que o gabinete", diz espontaneamente. "Se você achar
que é maior do que ele, você fracassará como presidente."
Este é, parece muito claro, um
presidente Bush diferente -e
ainda em processo de mudança.
O charme simples e o humor
franco e autodepreciativo ainda
aparecem com frequência. Mas
agora ficam em segundo plano,
deslocados por um tom sóbrio e
focado exclusivamente em um
discurso sobre como o mundo e o
seu trabalho mudaram desde os
ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.
A solenidade não é difícil de ser
compreendida à luz das terríveis
notícias do dia: 18 soldados e civis
italianos mortos no Iraque, um
relatório da CIA advertindo sobre
os riscos de a ocupação americana fracassar e reuniões frenéticas
dentro do governo a respeito de
uma mudança de rumo no Iraque. Mas Bush se mantém firme
no quadro geral.
"Veja, [o 11 de Setembro] mudou a natureza da Presidência.
Mudou o esquema de segurança
dos Estados Unidos. Eu prometi
ao povo americano que jamais esqueceria as lições. Ou seja, que
nós não mais somos protegidos
por oceanos. Nós somos vulneráveis a ataques terroristas."
No entender de Bush, a guerra
contra o terrorismo continua sendo o prisma por meio do qual toda a política externa e de relações
internacionais devem ser vistos. O
Afeganistão foi
um front, o Iraque, outro. Irã e
Coréia do Norte,
com sua busca
por armas de destruição em massa,
também.
Mas agora dois
novos elementos
surgiram para
completar esse
mantra. Um é a
sutil redefinição
da "guerra ao terror", para incluir
outras maneiras
de envolvimento
internacional
além da forma
unilateral militar.
O outro é um desejo de colocar a
"guerra" num
contexto mais
amplo e talvez de
maior ressonância histórica -especificamente,
um esforço americano para disseminar no mundo liberdade, democracia e respeito pelos direitos
humanos, mesmo em regiões como o Oriente Médio, que até agora era visto como local fechado a
tais idéias.
Em respeito ao primeiro ponto
-talvez por consciência de que a
Europa tema que os Estados Unidos, após derrubarem os regimes
tirânicos de Cabul e Bagdá, fiquem com apetite para prosseguir nessa trilha-, Bush se esforça para salientar as diferenças entre o Iraque e outros problemas
de política externa. "O caso no
Iraque foi único, é único, porque
o mundo, por mais de uma década, se manifestou.
A rota diplomática foi tentada...
Tendo dito isso,
nem todas as situações exigem
respostas militares. Na verdade,
eu espero que
muito poucas situações exijam
respostas militares."
Tome-se o caso
das armas de destruição em massa
na Coréia do Norte, por exemplo.
Bush disse que,
trabalhando com
a China, ele conseguiu que cinco
países "dissessem
a mesma mensagem para Kim
Jong-il [ditador
norte-coreano]:
"Nós não queremos que você produza armas nucleares'". Ou o do
Irã, no qual Reino
Unido, França e
Alemanha estão trabalhando com
os Estados Unidos para forçar a
inspeção internacional de programas nucleares clandestinos.
"Os iranianos devem ouvir de
um mundo unido que é inaceitável que eles construam armas nucleares. Nós esperamos que exista
um regime transparente no Irã",
diz o presidente.
"A minha opinião é que sempre
há maneiras de levar públicos e
nações rumo a um objetivo comum, que é precisamente o que
estamos fazendo. É exatamente o
que a ONU tentou fazer e outros
tentaram fazer [no Iraque]. Só
que, no fim, alguns países decidiram que "graves
consequências"
significava algo
diferente do que
eu pensava."
Essa curiosa subestimação do
clamor internacional a respeito
do Iraque representa um certo
distanciamento
da confiança unilateralista da "estratégia de segurança nacional"
oficial de Bush. É
também a mensagem de que, se
mantida, poderia
acalmar alguns de
seus críticos na
Europa.
O segundo ponto -colocar o Iraque e outras ações
de política externa
dentro do contexto amplo de um
desejo de promover sociedades livres- é mais recente e foi exposto
com grande ênfase em um importante discurso em Washington na
semana passada.
Na entrevista, expressou-a da
seguinte forma: "Na arena da política externa, tomei decisões com
base em um par de princípios.
Um, qual a melhor maneira de
proteger os EUA? É a minha
maior responsabilidade... Mas há
uma ambição maior também,
porque entendo que sociedades
livres sejam sociedades que não
gestam o terror. O meu ponto é
que sociedades livres e sociedades
democráticas são sociedades
transformadoras. E temos uma
chance de transformação por
meio de cooperação, transformar
de maneira positiva sociedades inteiras e partes inteiras do mundo".
É uma ambição
e tanto, que carrega conscientemente ecos de
parte da retórica
de Ronald Reagan
-incluindo, não
por acaso, o histórico discurso do
ex-presidente no
Parlamento britânico em 1982.
Com referências
elogiosas ao premiê britânico,
Tony Blair, Bush
aplica essa lógica
diretamente ao
Iraque, devido a
sua posição no
centro da região
em que "a tirania,
a violência e o terror reinaram": "A
missão no Iraque
é criar um país estável, livre e pacífico. Essa vai ser uma missão transformadora. É um marco na história da liberdade. E Tony Blair
compreende isso".
Mas qual é a relação que esses
sentimentos têm com a realidade
dura e crua da vida sob ocupação?
Bush se recusa a ser incomodado
pelas adversidades de curto prazo. "Obviamente é duro. Esses assassinos [as forças rebeldes iraquianas] são obstinados. Eles vão
matar porque querem intimidar.
Eles querem que saiamos de lá."
Por outro lado, progressos estão
sendo feitos: a criação de uma nova moeda, o aumento da produção de petróleo ("que pertence ao
povo iraquiano"). Muitos dos
horrores previstos, como disputas sectárias disseminadas por todo o país, não se concretizaram.
Mais importante, o melhor prêmio, é a aproximação. "Queremos que os iraquianos entendam
que nós acreditamos que eles tenham toda a capacidade de administrar seu próprio país. Quanto
mais as pessoas entenderem isso,
acho que mais confortáveis eles se
sentirão a respeito de seu futuro.
E, quanto mais rápido a soberania
for transmitida, de uma maneira
proporcional à estabilidade do
país, melhor será."
Por maior que seja o contraste
entre a realidade atual e a aspiração manifestada, em relação ao
Iraque ou a outros países problemáticos, como a Arábia Saudita,
não restam dúvidas sobre a sinceridade de Bush nesses pontos.
Eles se tornaram parte da sua própria fé, possivelmente servindo de
um escudo contra as crescentes
críticas a suas políticas domésticas e a sua imensa impopularidade no exterior.
Será que as pesquisas internacionais de opinião mostrando que
a imensa simpatia pelos EUA
após o 11 de Setembro se desmancharam em meio à controvérsia
sobre a guerra e o unilateralismo
americano não o incomodam? Ou
o fato de que quando ele visitar
seu aliado mais próximo na semana que vem ele será confrontado
por dezenas de milhares de manifestantes em Londres?
Sua primeira resposta, além de
expressar apoio à tradição britânica de livre expressão, recorre ao
humor. "Tudo o que posso dizer é
que, quando fui às Filipinas, havia
milhares e milhares e milhares de
pessoas nas ruas acenando com
todos os cinco dedos."
A sua segunda resposta é mais
contemporizadora, mas também
não mostra recuo. "Eu entendo
perfeitamente que nem todo
mundo concordará com as minhas decisões. Eu simplesmente
não ligo para as pesquisas. Se eu
estivesse tentando ser presidente
prestando atenção às pesquisas,
eu estaria andando em círculos.
Essa é uma das razões pelas quais
eu tenho o busto de Winston
Churchill aqui. Pelo menos, pelo
meu entendimento de história,
ele dizia o que pensava, fazia o que
pensava ser o certo e liderava..."
"Um líder deve projetar uma visão otimista. Algumas vezes é difícil ser otimista se você lê um monte de coisas a seu respeito."
Isso é o máximo de autoquestionamento exibido por Bush. Ele
logo retoma a sua atitude mais habitual de confiança otimista.
Por trás da fachada, e apesar de
sua recusa ou incapacidade de
modular sua mensagem para platéias diferentes, a essência do que
ele diz mudou sutilmente. A
"guerra ao terror" pode ser conduzida por vias pacíficas, diplomáticas. E "a melhor maneira de
vencer, no longo prazo... é a disseminação da liberdade".
O presidente Bush algum dia
passará a fazer parte do panteão
daqueles que absorvem o seu
pensamento no Salão Oval? Muito depende dos acontecimentos
dos próximos meses, especialmente no Iraque. Eles mostrarão
se, como Reagan, Bush está numa
posição de reivindicar o crédito
por uma histórica vitória contra
um inferno político, ou se, mais
como o presidente Lyndon Johnson no Vietnã, ele está esmagado
por uma situação que foge ao seu
controle.
Bush se contenta em deixar que
a história de longo prazo dê o veredicto final.
"O interessante sobre presidentes e premiês é que você nunca estará por perto para... julgar o verdadeiro mérito da história, das
decisões que você toma. A história de curto prazo é... muito subjetiva. Afinal de contas, a pessoa
que escreveu a história não teve a
chance de ver todos os efeitos decorrentes das decisões tomadas.
E, de qualquer modo, a maior
parte dos historiadores de curto
prazo não está muito contente
por eu estar na Presidência."
Próximo Texto: Nova era Índice
|