São Paulo, quarta-feira, 14 de novembro de 2007

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Lula ganha com mal-estar entre venezuelano e Espanha

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

O rei da Espanha briga com o presidente da Venezuela, em cena que se tornou sucesso do YouTube e dos sons para celulares. Quem ganha? Luiz Inácio Lula da Silva e o Brasil.
Fácil de explicar: após o conflito verbal entre o rei Juan Carlos e Hugo Chávez, o principal jornal espanhol, "El País", foi sondar o empresariado espanhol sobre a América Latina. Descobriu que "os problemas com os governos de esquerda na América Latina têm sido freqüentes -exceto com o Brasil".
É óbvio que o novo choque com o mais boquirroto dos presidentes de esquerda só reforça a sensação de que o Brasil é o único dos grandes (e não tão grandes) que oferece carinho à coleção de empresas espanholas cujos logotipos tornaram-se onipresentes na região.
A diferença é imensa mesmo quando se fala de um presidente, como o argentino Néstor Kirchner, menos afiado na retórica do que Chávez e seus seguidores Evo Morales (Bolívia) e Daniel Ortega (Nicarágua).
Logo que tomou posse, Kirchner foi a Madri, reuniu-se com o empresariado e, à saída, José María Cuevas, então presidente da Confederação Espanhola de Organizações Empresariais, resumiu a dureza do diálogo com uma frase que dispensa tradução: "Nos puso a parir". De lá para cá, as relações só melhoraram um pouquinho.
Lula, ao contrário, teve tratamento de inexcedível cortesia faz apenas um mês em sua estada em Madri. Primeiro, reuniu-se com os empresários no hotel em que se hospedava. Depois, o presidente do governo, José Luis Rodríguez Zapatero, convidou todos os pesos-pesados do empresariado espanhol para ouvir de novo Lula em plena sede do governo.
Foi um autêntico beija-mão, em que o menos que se disse foi que o Brasil deveria ser alçado imediatamente a "investment grade" (o mais alto grau de confiança nas agências de avaliação de risco), proposta de Emílio Botín, patriarca de uma das duas naus-insígnias da nova armada espanhola, o Banco Santander (a outra é a Telefónica).

Realidade e retórica
É difícil, no entanto, dizer se a lua-de-mel se dá porque o governo brasileiro se comporta bem, na comparação com os vizinhos mais ruidosos, ou se são as empresas espanholas que se comportam no Brasil melhor do que nos outros países.
No caso da Argentina, houve de fato intervenções governamentais que prejudicaram as empresas, seja na saída do câmbio fixo, em 2001, seja no congelamento das tarifas de serviços públicos, todos privatizados em benefício de empresas espanholas.
A reação das empresas, amparadas pelo governo (então nas mãos de José María Aznar), foi duríssima, sem levar em conta as imensas dificuldades de manobrar uma situação-limite. Ficaram os óbvios ressentimentos que fizeram com que Kirchner pusesse "a parir" os empresários em sua primeira viagem a Madri.
É claro que essa situação fornece combustível à retórica supostamente antiimperialista dos governantes simpáticos ao "socialismo do século 21". Mas é uma retórica que se choca com a realidade dos negócios que, em boa medida, determinam a diplomacia hoje em dia.
A Venezuela é um bom exemplo: depois que Chávez chegou ao poder, em 1999, firmas espanholas despejaram 1,7 bilhão, quantia que não pode ser desprezada só porque o presidente venezuelano acha que Aznar é "fascista" e apoiou o golpe de Estado efêmero que apeou Chávez do poder por menos de dois dias, em 2002.
Melhor exemplo, no entanto, é dado pelo comportamento de Fidel Castro, o pai de todos os socialismos latino-americanos, os do século 20 e os do seguinte. Castro, presidente semi-aposentado transformado em colunista de jornal, fez comentários sobre o tema, mas não escreveu nenhuma linha sobre as empresas espanholas. Simples de explicar: o investimento espanhol em turismo na ilha caribenha é formidável, uma das raras fontes de moeda forte. É prudente, pois, fazer silêncio.
Segundo exemplo: Chávez chegou a ofender Alan García, durante a campanha eleitoral que o levou à Presidência peruana. Não obstante, o Peru de García abriu negociações com a estatal venezuelana PDVSA.
Justificativa de García: os países "têm interesses econômicos que devem fazer valer" e não devem se confundir "com as preferências ideológicas".
Vale para Chávez, vale para a Espanha, mas a Espanha, à primeira vista, tem mais a perder com uma eventual ruptura com a Venezuela, até porque o venezuelano já se mostrou incontrolável até nas críticas a amigos, como o Brasil de Lula.
Lula, ao contrário, exerce também externamente o estilo "Lulinha paz e amor" e acaba ganhando com as brigas alheias.


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