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Lula ganha com mal-estar entre venezuelano e Espanha
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
O rei da Espanha briga com o
presidente da Venezuela, em
cena que se tornou sucesso do
YouTube e dos sons para celulares. Quem ganha? Luiz Inácio
Lula da Silva e o Brasil.
Fácil de explicar: após o conflito verbal entre o rei Juan
Carlos e Hugo Chávez, o principal jornal espanhol, "El País",
foi sondar o empresariado espanhol sobre a América Latina.
Descobriu que "os problemas
com os governos de esquerda
na América Latina têm sido freqüentes -exceto com o Brasil".
É óbvio que o novo choque
com o mais boquirroto dos presidentes de esquerda só reforça
a sensação de que o Brasil é o
único dos grandes (e não tão
grandes) que oferece carinho à
coleção de empresas espanholas cujos logotipos tornaram-se
onipresentes na região.
A diferença é imensa mesmo
quando se fala de um presidente, como o argentino Néstor
Kirchner, menos afiado na retórica do que Chávez e seus seguidores Evo Morales (Bolívia)
e Daniel Ortega (Nicarágua).
Logo que tomou posse,
Kirchner foi a Madri, reuniu-se
com o empresariado e, à saída,
José María Cuevas, então presidente da Confederação Espanhola de Organizações Empresariais, resumiu a dureza do
diálogo com uma frase que dispensa tradução: "Nos puso a
parir". De lá para cá, as relações
só melhoraram um pouquinho.
Lula, ao contrário, teve tratamento de inexcedível cortesia
faz apenas um mês em sua estada em Madri. Primeiro, reuniu-se com os empresários no hotel
em que se hospedava. Depois, o
presidente do governo, José
Luis Rodríguez Zapatero, convidou todos os pesos-pesados
do empresariado espanhol para
ouvir de novo Lula em plena sede do governo.
Foi um autêntico beija-mão,
em que o menos que se disse foi
que o Brasil deveria ser alçado
imediatamente a "investment
grade" (o mais alto grau de confiança nas agências de avaliação
de risco), proposta de Emílio
Botín, patriarca de uma das
duas naus-insígnias da nova armada espanhola, o Banco Santander (a outra é a Telefónica).
Realidade e retórica
É difícil, no entanto, dizer se
a lua-de-mel se dá porque o governo brasileiro se comporta
bem, na comparação com os vizinhos mais ruidosos, ou se são
as empresas espanholas que se
comportam no Brasil melhor
do que nos outros países.
No caso da Argentina, houve
de fato intervenções governamentais que prejudicaram as
empresas, seja na saída do câmbio fixo, em 2001, seja no congelamento das tarifas de serviços públicos, todos privatizados em benefício de empresas
espanholas.
A reação das empresas, amparadas pelo governo (então
nas mãos de José María Aznar),
foi duríssima, sem levar em
conta as imensas dificuldades
de manobrar uma situação-limite. Ficaram os óbvios ressentimentos que fizeram com que
Kirchner pusesse "a parir" os
empresários em sua primeira
viagem a Madri.
É claro que essa situação fornece combustível à retórica supostamente antiimperialista
dos governantes simpáticos ao
"socialismo do século 21". Mas
é uma retórica que se choca
com a realidade dos negócios
que, em boa medida, determinam a diplomacia hoje em dia.
A Venezuela é um bom
exemplo: depois que Chávez
chegou ao poder, em 1999, firmas espanholas despejaram
1,7 bilhão, quantia que não
pode ser desprezada só porque
o presidente venezuelano acha
que Aznar é "fascista" e apoiou
o golpe de Estado efêmero que
apeou Chávez do poder por menos de dois dias, em 2002.
Melhor exemplo, no entanto,
é dado pelo comportamento de
Fidel Castro, o pai de todos os
socialismos latino-americanos,
os do século 20 e os do seguinte.
Castro, presidente semi-aposentado transformado em colunista de jornal, fez comentários
sobre o tema, mas não escreveu
nenhuma linha sobre as empresas espanholas. Simples de explicar: o investimento espanhol
em turismo na ilha caribenha é
formidável, uma das raras fontes de moeda forte. É prudente,
pois, fazer silêncio.
Segundo exemplo: Chávez
chegou a ofender Alan García,
durante a campanha eleitoral
que o levou à Presidência peruana. Não obstante, o Peru de
García abriu negociações com a
estatal venezuelana PDVSA.
Justificativa de García: os
países "têm interesses econômicos que devem fazer valer" e
não devem se confundir "com
as preferências ideológicas".
Vale para Chávez, vale para a
Espanha, mas a Espanha, à primeira vista, tem mais a perder
com uma eventual ruptura com
a Venezuela, até porque o venezuelano já se mostrou incontrolável até nas críticas a amigos, como o Brasil de Lula.
Lula, ao contrário, exerce
também externamente o estilo
"Lulinha paz e amor" e acaba
ganhando com as brigas
alheias.
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