|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros
Livro traz luz sobre chanceler de Geisel
Pai do "pragmatismo responsável", Azeredo da Silveira inspira atual debate sobre a política externa brasileira
Ex-ministro Lampreia, que foi colaborador de Silveira, afirma que chanceler não tinha "conteúdo ideológico"
CLAUDIA ANTUNES
DO RIO
Diplomata com muitos seguidores e desafetos, à esquerda e à direita, Antônio
Azeredo da Silveira (1917-1990) traz ecos do passado
recente ao debate sobre a política externa brasileira em
depoimento colhido há 30
anos e que a FGV lança em livro nesta semana.
Chanceler de 1974 a 1979,
na ditadura militar, Silveira
consolidou com o presidente
Ernesto Geisel uma virada diplomática -o Brasil deixou o
"alinhamento automático"
com os EUA existente após o
golpe de 1964, rompeu com o
colonialismo português na
África e aproximou-se de países árabes (motivado pela
crise do petróleo).
A política foi batizada por
Geisel de "pragmatismo responsável", a segunda palavra indicando que não romperia limites inaceitáveis para os militares, como reatar
relações com Cuba.
Mas Silveira preferia qualificá-la de ecumênica, enfatizando a diversificação de
parcerias: "A triangulação
[com América do Sul, África e
Japão] era a única maneira
de a voz brasileira ser ouvida
pelas superpotências".
Ele gravou a entrevista entre 1979 e 1982, quando embaixador nos EUA, para ser
divulgada depois de sua
morte. "Azeredo da Silveira,
um Depoimento" é a primeira transcrição.
Nela, qualifica de "subdesenvolvidos mentais" seus
críticos na linha-dura militar
e na imprensa: "Querem ensinar os americanos a ser ocidentais. Se há um país que
não tem mais tamanho para
parceria seletiva é o Brasil".
LINHA HISTÓRICA
O organizador do livro é
Matias Spektor, da FGV-Rio,
que no livro "Kissinger e o
Brasil" descreveu a tentativa
de Silveira de estabelecer
"relação especial" com os
EUA, frustrada no governo
de Jimmy Carter (1977-1981).
Para Spektor, há hoje uma
"importância renovada" dos
temas da época, incluindo a
"busca explícita por ascensão no sistema internacional" e a "dificuldade de manter uma política engajada"
com Washington.
Em artigo inédito, as especialistas Maria Regina Soares
de Lima e Monica Hirst, que
tomaram o depoimento de
Silveira, apontam na política
externa de Lula "um salto
qualitativo dentro de uma
mesma matriz de ideias e visões de mundo".
O chanceler Celso Amorim
diz que a analogia é "simplificadora", dados os contextos internos e internacionais
diferentes. Mas cita "pontos
de contato", em linha histórica que começa na "política
externa independente" de Jânio Quadros (1961) e João
Goulart (1961-1964).
"A política do presidente
Lula retoma alguns temas,
de afirmação da posição internacional do Brasil, de visão ampla dos interesses nacionais, não limitados a esta
ou aquela potência. Há pontos de contato, sobretudo no
ânimo da política, mas os
problemas mudaram."
Colaborador de Silveira
por anos, o ex-chanceler Luiz
Felipe Lampreia (1995-2001)
vê no livro um "testamento
político", numa fase em que
o ex-chefe do Itamaraty frustrara-se por não ter sido mantido no cargo por João Baptista Figueiredo, último presidente militar.
Lampreia diz que Silveira
teve "papel central para mudar o paradigma da diplomacia" no período republicano,
baseado na aliança com os
EUA. Mas nega que ele seja
"predecessor" de uma política de esquerda.
"Ele não era antiamericano. Não tinha um conteúdo
ideológico."
No depoimento, Silveira se
distancia da diplomacia de
Jânio e Jango porque os "militares tinham horror" a ela.
Para Lima e Hirst, esse distanciamento foi "instrumental" porque a política externa
foi vendida às Forças Armadas como parte do projeto de
"Brasil potência".
ATAQUES
Protegido pelo sigilo temporário, Silveira distribui
ataques na entrevista. Não
poupa nem "amigos", como
Paulo Nogueira Batista, negociador do acordo nuclear
com a Alemanha, que chama
de "ambíguo".
O tom de autoelogio reforça críticas como a do embaixador Ovídio Melo, que era o
chefe da missão em Angola
quando o Brasil reconheceu
o governo independente pró-soviético. A medida causou
reação da extrema direita militar, e Melo passou os 19
anos seguintes sem promoção no Itamaraty.
"Foi Geisel, e não Silveira,
que teve posição mais destemida no reconhecimento de
Angola", diz ele.
Silveira revela antipatia
visceral pela Argentina, que
punha obstáculos à usina de
Itaipu. Chega a afirmar ter sido envenenado em reunião
na embaixada argentina em
Washington.
Apesar de apontar a América do Sul como "plataforma
de voo" do Brasil, a integração regional foi dificultada
em sua gestão por essa rivalidade e as desconfianças entre os militares no poder na
maioria dos países, descontada a matriz comum anticomunista.
Silveira também afirma
que o voto pela resolução da
ONU que equiparou o sionismo ao racismo foi uma decisão de Geisel -diz que defendia a abstenção.
A fórmula Silveira-Geisel
teve a marca dos anos 70. Os
EUA estavam às voltas com a
derrota no Vietnã e a crise do
petróleo e temiam a concorrência econômica do Japão e
da Alemanha. A détente com
os soviéticos congelava a divisão do mundo.
O quadro mudou nos anos
80, sob Ronald Reagan, que
relançou a corrida armamentista com a URSS, enquanto a
crise da dívida reduzia o espaço de manobra dos países
em desenvolvimento.
O tema da independência
na diplomacia ressurge
quando o poder americano
volta a ser relativizado.
FOLHA.com
Leia depoimentos sobre
Azeredo da Silveira
folha.com.br/mu830056
Texto Anterior: "Eu queria ficar, mas não é fácil", conta boia-fria Próximo Texto: Frase Índice | Comunicar Erros
|