São Paulo, quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

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Chile revogará aplicação da Lei da Anistia

Pacote de direitos humanos será lançado pela presidente às vésperas do Natal, segundo Secretaria da Presidência

Decreto baixado pelo regime militar em 1978 é obstáculo à investigação de crimes da ditadura e à punição dos culpados

BRUNO LIMA
DE BUENOS AIRES

A presidente chilena, Michelle Bachelet, anunciará na sexta-feira que antecede o Natal um pacote de medidas de direitos humanos que inclui o fim da aplicação da Lei da Anistia editada em 1978 pelo ditador Augusto Pinochet Ugarte, segundo confirmou ontem à Folha o Ministério da Secretaria Geral da Presidência do Chile.
Conhecido como "lei", o texto que se tornou um dos maiores obstáculos para a investigação dos crimes da ditadura é na verdade um decreto redigido pelo regime militar, publicado quando o Congresso estava dissolvido havia cinco anos. Em seu preâmbulo, cita motivos como "fortalecer os vínculos que unem o Chile como nação, deixando para trás o ódio".
O decreto proíbe processos e condenações por delitos de "motivação política" praticados entre 11 de setembro de 1973 (dia do golpe que derrubou o presidente Salvador Allende) e 10 de março de 1978 -o exato período em que durou o estado de sítio no Chile, marcado por seqüestros, homicídios e outras violações aos direitos humanos.
De acordo com o governo, foram feitos estudos jurídicos apontando três saídas para liquidar o texto: a declaração da nulidade integral do decreto (com efeitos como se ele nunca houvesse existido), a derrogação (revogando parte) do decreto ou a imposição de uma nova interpretação para o texto. Segundo o ministério, a decisão sobre qual caminho seguir é "política" e será tomada pela própria presidente. Para a efetivação, porém, entram em campo Legislativo (o pacote terá que ser aprovado pelo Congresso) e Judiciário.
O governo diz que os estudos foram encomendados por Bachelet à ministra e secretária-geral da Presidência, Paulina Veloso, no mês de abril. Segundo a Folha apurou, o plano inicial de Bachelet era anunciar o pacote no último dia 10, aproveitando o Dia Internacional dos Direitos Humanos -mas houve atrasos nos estudos e, depois, a morte de Pinochet.
O pacote, que deve contar com seis medidas, também determinará a criação de um Instituto Nacional de Direitos Humanos e de um museu, ambas entidades que ajudarão a preservar a memória sobre violações cometidas na ditadura.
Em 26 de setembro deste ano, a Corte Interamericana de Direitos Humanos sancionou o Chile por aplicar a anistia no caso da morte do professor Luis Almonacid, executado por uma patrulha em 1973. A sentença determinou que o Chile estudasse proposta legislativa para adequar sua legislação.
Em outubro, Bachelet manifestou, em discurso no Parque pela Paz Villa Grimaldi -um dos principais centros de detenção clandestina da ditadura, onde a própria presidente esteve presa com sua mãe-, a intenção de aceitar a decisão da corte e reformular a lei.
O caminho interpretativo foi o utilizado pelo governo Tabaré Vázquez, no Uruguai, para permitir pela primeira vez a abertura de processos contra militares e policiais que violaram direitos humanos na ditadura (1973-1984). Foi reduzido o alcance da Lei da Caducidade da Pretensão Punitiva, de 1986, para permitir a punição por crimes ocorridos fora do país.
Na Argentina, o presidente Néstor Kirchner, revogou as chamadas "leis do perdão" criadas durante o governo do presidente Raúl Alfonsín e pediu à Justiça a nulidade dos indultos concedidos pelo presidente Carlos Menem em 1989 e 1990 -o que já foi decidido pelos tribunais em alguns casos, embora estejam pendentes recursos.


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