São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 2008

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Para salvar multicúpula, Brasil tenta conter Correa

Diplomacia quer evitar cenas de desacordo em reuniões sobre a integração regional

Encontros de líderes da América Latina e do Caribe mostram prioridade da política externa brasileira, mas a expõem a riscos

Mauricio Lima-30.set.08/France Presse
Lula com Chávez (esq.), Morales e Correa em Manaus, em setembro; gestos espetaculares dos vizinhos roubam a atenção

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

A diplomacia brasileira enviou ao presidente equatoriano Rafael Correa todos os recados possíveis para que evite tratar de forma polêmica o contencioso com o Brasil em torno do débito com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) durante as multicúpulas latino-americanas que se realizam de amanhã a quarta-feira na Costa do Sauípe (Bahia).
Passando a linguagem diplomática para português franco: o governo brasileiro não quer que Correa azede, com cenas explícitas de desacordo, um conjunto de reuniões cujo tema geral é o inverso, ou seja, "Integração e Desenvolvimento".
O receio se explica: Correa já obteve de outros presidentes que também estarão na Bahia (Hugo Chávez, da Venezuela, Evo Morales, da Bolívia, e Daniel Ortega, da Nicarágua) a solidariedade que buscava para sua decisão de submeter à arbitragem internacional os US$ 243 milhões que o BNDES emprestou para a construção de uma hidrelétrica que apresentou problemas.
O Brasil considerou inamistosa a iniciativa equatoriana. Logo, só pode entender como inamistosa também a solidariedade. Seria, portanto, arruinar os esforços integracionistas que estão na base das cúpulas uma sessão pública em que Correa levantasse o tema e obtivesse o apoio de alguns de seus colegas, geralmente os mais loquazes.
Por isso, o Itamaraty gostaria que o contencioso fosse discutido, sim, mas apenas numa eventual reunião bilateral entre Correa e Luiz Inácio Lula da Silva, que, no entanto, não estava marcada até a sexta-feira.
"Espero que esse assunto [o diferendo] não contamine a cúpula e não há nenhuma razão para que isso aconteça", torce o embaixador Ênio Cordeiro, o principal negociador brasileiro dos textos para as multicúpulas da Bahia (ver quadro com reuniões e seus principais temas).
Se a torcida da diplomacia brasileira der certo, as cúpulas tomarão o formato usual, assim definido pelo analista argentino Félix Peña: "Como em geral acontece com cúpulas, estas estão muito centradas na agenda do país anfitrião, tanto externa como interna. A pergunta é, então, o que busca a diplomacia brasileira com estas cúpulas?".
A resposta é fácil: reforçar todos os mecanismos de integração regional, prioridade um da diplomacia brasileira.
Tanto é assim que, às cúpulas habituais (Mercosul, Unasul, Grupo do Rio), soma-se uma mais ampla, entre todos os países latino-americanos e caribenhos, "para aglutinar países que nunca tiveram encontros autônomos", como diz o embaixador argentino Alfredo Chiaradia, seu principal negociador. A Argentina, como o Brasil, "é uma defensora muito firme da integração regional", acrescenta Chiaradia.

Competição
Um eventual foco no diferendo com o Equador tenderia a ofuscar alguns avanços no processo de integração, mas que não são espetaculares o suficiente para competir, na mídia, com cenas explícitas de desintegração como seria uma polêmica entre Lula e Correa, ainda mais se este for apoiado por Chávez e Evo Morales.
A Unasul (União de Nações Sul-Americanas), criada por iniciativa brasileira em maio deste ano, aprovou na quinta-feira, por exemplo, os estatutos do Conselho de Defesa Sul-Americano, que serão levados aos presidentes na Bahia. Um mecanismo comum de defesa é obviamente ponto fundamental para a integração.
Na cúpula do Mercosul, por sua vez, deve ser aprovada a eliminação da dupla cobrança da TEC (Tarifa Externa Comum). Hoje, um produto que seja exportado para o Brasil, por exemplo, paga a TEC do Mercosul. Mas, se processado e enviado para qualquer dos outros países do bloco, paga de novo.
Esse sistema "desfigura a união aduaneira e dificulta negociações internacionais do Mercosul", diz o embaixador Ênio Cordeiro.
União aduaneira é um passo além de zona de livre-comércio porque, além de zerar as tarifas para importações entre os países do bloco, estabelece uma tarifa única para importações de países externos a ele, mas com uma única cobrança. A União Européia, por exemplo, vive cobrando do Mercosul a eliminação da dupla cobrança como condição para avançar nas negociações com vistas a criar uma zona de livre comércio entre os dois blocos.
Por importantes que sejam esses passos, é difícil que palavras como TEC ou Conselho de Defesa consigam competir, na agenda informativa, com "calote" (como ameaça não só o Equador mas também o Paraguai) e, por extensão, com a reação brasileira.


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