São Paulo, domingo, 15 de janeiro de 2006

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AMÉRICA LATINA

A socialista Bachelet, apoiada pelo governo Lagos, é a favorita, mas última pesquisa revela empate técnico

Chile pode ter 1ª mulher na Presidência

CAROLINA VILA-NOVA
ENVIADA ESPECIAL A SANTIAGO

Os chilenos vão hoje às urnas para decidir, entre a médica socialista Michelle Bachelet e o empresário de direita Sebastián Piñera, quem será o próximo presidente do Chile, em uma votação em segundo turno que poderá levar ao Palácio Presidencial de La Moneda a primeira mulher na história do país.
Embora a última pesquisa de intenções de voto tenha indicado que, a rigor, ocorre um empate entre os candidatos, analistas chilenos consideram que uma vitória de Piñera seria uma surpresa. Ontem, ele admitiu implicitamente sua derrota.
A aposta é no triunfo de Bachelet, candidata da Concertação, aliança de centro-esquerda composta principalmente por socialistas e democrata-cristãos e que governa o Chile há 16 anos.
Segundo levantamento divulgado na última quinta-feira pelo instituto Mori, Bachelet obteria 45% dos votos, enquanto Piñera levaria 40%. A margem de erro da pesquisa é de três pontos percentuais, para cima ou para baixo.
Uma projeção feita pelo mesmo instituto, em cálculo com base nos votos válidos, dá vitória a Bachelet por 53% contra 47%. Os resultados começarão a ser divulgados na noite de hoje.
Em um momento inusitado e a apenas horas da eleição, Piñera entoou uma canção em que disse "saber perder" e que "voltará".
O episódio ocorreu em visita do candidato a um asilo de idosas em Santiago, acompanhada pela Folha, pela manhã. Depois de distribuir flores e doces às senhoras -"as flores para adoçar a vida e o chocolate para alimentar o estômago"- ele cantou a música mexicana "Volveré".
"Eu sei perder, eu sei perder, eu quero voltar", entoou Piñera, enquanto as mulheres o acompanhavam timidamente, esquecendo a letra apesar de terem ensaiado antes que ele chegasse. Nenhuma delas comentou seu voto.
Questionado se queria dizer, com a canção, que sabia que perderia a eleição de hoje e que voltaria em 2009, enrolou-se para responder: "É que eu saí do serviço público antes e agora volto para o La Moneda".

Indecisos
O fiel da balança da eleição de hoje serão os cerca de 10% de indecisos -um eleitorado considerado "apolítico" e, logo, "volátil", de acordo com os especialistas.
Estão também nesse grupo os eleitores dos candidatos derrotados no primeiro turno de dezembro, Joaquín Lavín - de direita e que se somou à campanha de Piñera- e Tomás Hirsch -de esquerda e que pregou o voto nulo-, que terão de reacomodar seus preferências.
"Sua característica [dos indecisos] é de pessoas de nível educacional mais baixo que a média, e há uma maior quantidade também de mulheres e idosos pobres", afirmou o analista de opinião pública Roberto Mendéz.
"Esse é um voto provavelmente apolítico, de pessoas que não se identificam ideologicamente com partidos ou coalizões e que se deixam levar por razões subjetivas de simpatia ou rechaço em relação às diferentes alternativas. Então é um voto bastante imprevisível, inclusive não sabemos nem se essas pessoas vão votar", avaliou.
A Concertação, porém, dá a disputa como definida. "A eleição se definirá hoje com os bons resultados da Concertação no país. Há otimismo em relação à economia. É certo que o Chile, como o Brasil, tem uma distribuição de renda muito injusta. Mas as políticas públicas transformaram favoravelmente a distância, o gap, dessa distribuição", afirmou à Folha uma fonte próxima ao governo Ricardo Lagos, que apóia a candidatura de Bachelet.
A coalizão conta ainda com a transferência dos votos da esquerda comunista e humanista, que tradicionalmente migram ao candidato mais à esquerda como manifestação de rejeição a um retorno da direita ao poder.
No entanto é justamente nas "dívidas" da Concertação que Piñera concentra seus ataques. "Quando um governo que já leva 16 anos não é capaz de dar trabalho aos chilenos e não é capaz de dar segurança às famílias do nosso país, não merece governar por mais quatro anos", afirmou recentemente, dizendo que o Chile precisa de "ar fresco".
A coalizão de Piñera, a Aliança pelo Chile, é formada pela Renovação Nacional e pela União Democrática Independente, ambos de direita. O empresário é dono do canal de TV Chilevisión e acionista majoritário da empresa aérea Lan Chile. Em lances especulativos controversos e em privatizações promovidas pelo regime de Augusto Pinochet (1973-90), Piñera acumulou uma fortuna estimada em US$ 1 bilhão, o que lhe valeu, pela imprensa local, a alcunha de "Berlusconi chileno".
Bachelet, por sua vez, foi presa e torturada nos piores centros de detenção de dissidentes políticos da ditadura e passou muitos anos exilada na Europa. Médica, ascendeu politicamente ao assumir a pasta da Saúde do governo Lagos e, depois, a de Defesa, que a colocou cara a cara com remanescentes das forças que mataram seu pai, um oficial da Força Aérea, durante o regime de exceção.
O ex-ditador Pinochet é, aliás, o maior ausente dessas eleições chilenas. Abandonado pela direita depois da descoberta de que acumulou uma fortuna estimada em US$ 27 milhões em contas secretas no exterior e processado em diversas causas que investigam crimes de direitos humanos durante seu regime, ele morreu politicamente.


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