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ORIENTE MÉDIO
Principal líder diz que o grupo, mesmo que vença a eleição do dia 25, não reconhecerá Israel nem deporá armas
Hamas "político" seguirá hostil a Israel
CRAIG S. SMITH
DO "NEW YORK TIMES", EM GAZA
O mais destacado líder do Hamas na faixa de Gaza e na Cisjordânia, Mahmoud Zahar, disse
que sua facção continuará se recusando a reconhecer Israel e a
depor suas armas, mesmo que
vença as eleições palestinas deste
mês. "A calmaria chegou ao fim",
disse Zahar em entrevista ao
"New York Times", na última
quarta-feira, referindo-se ao cessar-fogo sob o qual os palestinos
concordaram em não lançar ataques contra Israel durante 2005.
Mas ele deixou em aberto a hipótese de o Hamas se abster de atacar Israel "se não for provocado".
As eleições marcarão a estréia
do Hamas na política palestina
oficial, processo que o grupo vinha boicotando desde a formação
da Autoridade Nacional Palestina
(ANP), em 1993. Desde a fundação do Hamas, em Gaza, em 1987,
o foco da organização tem sido o
combate a Israel, e, para isso, ela
freqüentemente se utiliza de homens-bomba. Seu objetivo de
longo prazo é criar um Estado
teocrático islâmico que abranja
Israel, Cisjordânia e Gaza.
Na entrevista, concedida em inglês em sua casa, reconstruída
após sofrer um ataque de míssil
israelense em 2003 e já marcada
por tiros disparados durante escaramuças recentes com seus rivais do Fatah, Zahar, 60, apresentou sua visão do futuro palestino.
Ele disse que, se o Hamas ganhar a eleição do próximo dia 25,
não irá reconhecer os acordos selados entre Israel e a ANP, mas vai
cooperar com o Fatah para formar um novo governo palestino.
"Não queremos tomar o lugar
do Fatah", disse Zahar, envolto
em vestes de lã típicas dos beduínos e usando sandálias de borracha, falando na sala de recepção
de sua casa de quatro andares.
Uma mesa a seu lado ostentava
uma foto de seu filho mais velho,
Khaled, morto em 2003 num ataque aéreo israelense contra a casa
da família.
Ele declarou que, mesmo que o
Hamas tenha uma votação muito
expressiva -o que, segundo as
sondagens, é pouco provável-,
todas as facções palestinas serão
convidadas a participar de um governo de coalizão. "Não será o
Hamas governando sozinho."
Zahar, que se formou em medicina no Cairo e dirigiu uma clínica
em Gaza até ajudar a fundar o Hamas, evitou responder à pergunta
sobre se a organização modificará
sua meta de destruir Israel. E fez
pouco caso dos avisos lançados
pelo líder de política externa da
União Européia, Javier Solana, de
que a UE pode cortar a ajuda à
ANP se o Hamas se tornar parte
do governo e se negar a reconhecer o direito de Israel à existência.
Ele disse que o Hamas tentará
desenvolver o comércio direto
com o mundo, anulando o papel
intermediário de Israel, que é exigido hoje por um protocolo econômico assinado em Paris em
1994. Descreveu esse acordo como um desastre para os palestinos, dando como exemplo o custo da gasolina, que é cinco vezes
mais cara quando importada via
Israel do que quando comprada
diretamente do Egito.
Quando lhe foi pedido que especulasse sobre as consequências
da doença do premiê israelense,
Ariel Sharon, ele se recusou, dizendo que qualquer que seja o líder de Israel, a mensagem será a
mesma. "Eles podem envolver o
veneno em mel para melhorar seu
sabor", respondeu, com um sorriso. Mas, acrescentou, "é veneno
de qualquer maneira".
Exército unificado
Zahar disse que o Hamas não
vai depor suas armas, conforme o
exigido pelos mediadores internacionais, mas que, como parceiro no governo, vai apoiar a inclusão de todas as milícias em um
Exército unificado que desarmaria os clãs palestinos que lutam
entre si. Declarou que um Exército palestino concentrará sua atenção na proteção da população
contra o que ele descreveu como
incursões israelenses, como o lançamento recente de bombas contra o norte da faixa de Gaza para
criar uma zona de proteção.
"Se o objetivo for proteger a
fronteira israelense e entregar todas as armas às facções palestinas
que não se dispõem a enfrentar Israel, então isso não será aceitável
para ninguém", disse ele. "Mas, se
o objetivo for colocar todas as armas palestinas na fronteira para
proteger nossas instituições e
nossas terras, acho que isso será
aceitável."
E Zahar não excluiu a retomada
dos ataques dentro de Israel. Ele
disse que Israel não manteve sua
parte no cessar-fogo de quase um
ano, ao assassinar os líderes de
outras facções palestinas que haviam continuado a lançar ataques, e que não havia respeitado
outras condições da trégua. "É
por esse motivo que a calmaria
chegou ao fim", disse ele, tomando uma xícara de café. "Temos o
direito à autodefesa, o direito de
proteger nossa população."
Zahar afirmou que a retirada israelense da faixa de Gaza validou
a política de ataques violentos do
Hamas, incluindo o emprego de
homens-bomba. "Eles fugiram de
Gaza", falou, referindo-se à retirada israelense. "Não foi um presente de Israel para nós."
Apesar disso, ele parece ter moderado seu discurso, freqüentemente incendiário, na fase que
antecede as eleições -do mesmo
modo que a ala militar do Hamas,
formada pelas Brigadas Qassam,
vem moderando suas atividades.
Zahar falou que "a resistência não
se faz apenas com armas" e citou a
construção de um setor industrial
autônomo e da educação como
outras maneiras de resistir ao
controle israelense e de fortalecer
os palestinos.
Ele disse que é muito possível
que ocorra violência entre facções
no dia 25 de janeiro, mas que o
Hamas se esforçará para evitar
uma guerra civil, algo que muitas
pessoas na faixa de Gaza temem
que possa acontecer após as eleições. "O único a sair ganhando
com isso seria Israel", disse ele.
Zahar rejeitou o que descreveu
como os esforços recentes de Israel para traçar um vínculo entre
o Hamas e a Al Qaeda. "A Al Qaeda não está presente aqui", disse
ele. "Nossa atenção está voltada à
ocupação. Não temos nenhuma
operação fora da Palestina, fora
dos territórios ocupados, de modo que somos totalmente diferentes da Al Qaeda."
Os programas sociais do Hamas
na área da educação e da assistência aos setores palestinos mais carentes já mostraram as credenciais que a facção possui para governar, disse ele, e lhe valeram
apoio como organização na qual
se pode confiar para combater a
corrupção vigente na ANP.
Entretanto, disse Zahar, o projeto não é substituir o Fatah pelo
Hamas. "Nosso projeto é modificar o sistema corrupto, o regime
corrupto. É purificar o regime."
Durante a entrevista, o líder da
ANP e do Fatah, Mahmoud Abbas, telefonou a Zahar para lhe
perguntar o que achara de um
discurso que Abbas proferira na
noite de segunda-feira.
"Grande homem!", berrou Zahar ao telefone. Ele disse a Abbas
que o discurso fora "positivo e
aceitável".
Tradução de Clara Allain
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