São Paulo, domingo, 15 de janeiro de 2006

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ORIENTE MÉDIO

Principal líder diz que o grupo, mesmo que vença a eleição do dia 25, não reconhecerá Israel nem deporá armas

Hamas "político" seguirá hostil a Israel

CRAIG S. SMITH
DO "NEW YORK TIMES", EM GAZA

O mais destacado líder do Hamas na faixa de Gaza e na Cisjordânia, Mahmoud Zahar, disse que sua facção continuará se recusando a reconhecer Israel e a depor suas armas, mesmo que vença as eleições palestinas deste mês. "A calmaria chegou ao fim", disse Zahar em entrevista ao "New York Times", na última quarta-feira, referindo-se ao cessar-fogo sob o qual os palestinos concordaram em não lançar ataques contra Israel durante 2005. Mas ele deixou em aberto a hipótese de o Hamas se abster de atacar Israel "se não for provocado".
As eleições marcarão a estréia do Hamas na política palestina oficial, processo que o grupo vinha boicotando desde a formação da Autoridade Nacional Palestina (ANP), em 1993. Desde a fundação do Hamas, em Gaza, em 1987, o foco da organização tem sido o combate a Israel, e, para isso, ela freqüentemente se utiliza de homens-bomba. Seu objetivo de longo prazo é criar um Estado teocrático islâmico que abranja Israel, Cisjordânia e Gaza.
Na entrevista, concedida em inglês em sua casa, reconstruída após sofrer um ataque de míssil israelense em 2003 e já marcada por tiros disparados durante escaramuças recentes com seus rivais do Fatah, Zahar, 60, apresentou sua visão do futuro palestino.
Ele disse que, se o Hamas ganhar a eleição do próximo dia 25, não irá reconhecer os acordos selados entre Israel e a ANP, mas vai cooperar com o Fatah para formar um novo governo palestino.
"Não queremos tomar o lugar do Fatah", disse Zahar, envolto em vestes de lã típicas dos beduínos e usando sandálias de borracha, falando na sala de recepção de sua casa de quatro andares. Uma mesa a seu lado ostentava uma foto de seu filho mais velho, Khaled, morto em 2003 num ataque aéreo israelense contra a casa da família.
Ele declarou que, mesmo que o Hamas tenha uma votação muito expressiva -o que, segundo as sondagens, é pouco provável-, todas as facções palestinas serão convidadas a participar de um governo de coalizão. "Não será o Hamas governando sozinho."
Zahar, que se formou em medicina no Cairo e dirigiu uma clínica em Gaza até ajudar a fundar o Hamas, evitou responder à pergunta sobre se a organização modificará sua meta de destruir Israel. E fez pouco caso dos avisos lançados pelo líder de política externa da União Européia, Javier Solana, de que a UE pode cortar a ajuda à ANP se o Hamas se tornar parte do governo e se negar a reconhecer o direito de Israel à existência.
Ele disse que o Hamas tentará desenvolver o comércio direto com o mundo, anulando o papel intermediário de Israel, que é exigido hoje por um protocolo econômico assinado em Paris em 1994. Descreveu esse acordo como um desastre para os palestinos, dando como exemplo o custo da gasolina, que é cinco vezes mais cara quando importada via Israel do que quando comprada diretamente do Egito.
Quando lhe foi pedido que especulasse sobre as consequências da doença do premiê israelense, Ariel Sharon, ele se recusou, dizendo que qualquer que seja o líder de Israel, a mensagem será a mesma. "Eles podem envolver o veneno em mel para melhorar seu sabor", respondeu, com um sorriso. Mas, acrescentou, "é veneno de qualquer maneira".

Exército unificado
Zahar disse que o Hamas não vai depor suas armas, conforme o exigido pelos mediadores internacionais, mas que, como parceiro no governo, vai apoiar a inclusão de todas as milícias em um Exército unificado que desarmaria os clãs palestinos que lutam entre si. Declarou que um Exército palestino concentrará sua atenção na proteção da população contra o que ele descreveu como incursões israelenses, como o lançamento recente de bombas contra o norte da faixa de Gaza para criar uma zona de proteção.
"Se o objetivo for proteger a fronteira israelense e entregar todas as armas às facções palestinas que não se dispõem a enfrentar Israel, então isso não será aceitável para ninguém", disse ele. "Mas, se o objetivo for colocar todas as armas palestinas na fronteira para proteger nossas instituições e nossas terras, acho que isso será aceitável."
E Zahar não excluiu a retomada dos ataques dentro de Israel. Ele disse que Israel não manteve sua parte no cessar-fogo de quase um ano, ao assassinar os líderes de outras facções palestinas que haviam continuado a lançar ataques, e que não havia respeitado outras condições da trégua. "É por esse motivo que a calmaria chegou ao fim", disse ele, tomando uma xícara de café. "Temos o direito à autodefesa, o direito de proteger nossa população."
Zahar afirmou que a retirada israelense da faixa de Gaza validou a política de ataques violentos do Hamas, incluindo o emprego de homens-bomba. "Eles fugiram de Gaza", falou, referindo-se à retirada israelense. "Não foi um presente de Israel para nós."
Apesar disso, ele parece ter moderado seu discurso, freqüentemente incendiário, na fase que antecede as eleições -do mesmo modo que a ala militar do Hamas, formada pelas Brigadas Qassam, vem moderando suas atividades. Zahar falou que "a resistência não se faz apenas com armas" e citou a construção de um setor industrial autônomo e da educação como outras maneiras de resistir ao controle israelense e de fortalecer os palestinos.
Ele disse que é muito possível que ocorra violência entre facções no dia 25 de janeiro, mas que o Hamas se esforçará para evitar uma guerra civil, algo que muitas pessoas na faixa de Gaza temem que possa acontecer após as eleições. "O único a sair ganhando com isso seria Israel", disse ele.
Zahar rejeitou o que descreveu como os esforços recentes de Israel para traçar um vínculo entre o Hamas e a Al Qaeda. "A Al Qaeda não está presente aqui", disse ele. "Nossa atenção está voltada à ocupação. Não temos nenhuma operação fora da Palestina, fora dos territórios ocupados, de modo que somos totalmente diferentes da Al Qaeda."
Os programas sociais do Hamas na área da educação e da assistência aos setores palestinos mais carentes já mostraram as credenciais que a facção possui para governar, disse ele, e lhe valeram apoio como organização na qual se pode confiar para combater a corrupção vigente na ANP.
Entretanto, disse Zahar, o projeto não é substituir o Fatah pelo Hamas. "Nosso projeto é modificar o sistema corrupto, o regime corrupto. É purificar o regime."
Durante a entrevista, o líder da ANP e do Fatah, Mahmoud Abbas, telefonou a Zahar para lhe perguntar o que achara de um discurso que Abbas proferira na noite de segunda-feira.
"Grande homem!", berrou Zahar ao telefone. Ele disse a Abbas que o discurso fora "positivo e aceitável".


Tradução de Clara Allain


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