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Papa faz "reforma" parcial do Concílio Vaticano 2º
Busca por negar aspectos da "modernização" da igreja leva à criação de conflitos
Teólogo progressista e analista conservador dizem que Bento 16 propõe nova interpretação do Concílio, crítica à ideia de ruptura
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
O último capítulo na polêmica relação do papa Bento 16
com outras religiões -a readmissão à Igreja Católica do bispo Richard Williamson, que
nega a realidade histórica do
Holocausto- na verdade se insere numa lógica que é própria
ao mundo católico, que tem
orientado o atual pontificado e
que explica a maioria de suas
decisões: o combate à ênfase
"modernizante" do Concílio
Vaticano 2º.
A interpretação que Bento 16
faz desse encontro de "revisão
constitucional", realizado entre 1962 e 1965 e que é tido por
muitos como uma reforma radical da igreja, é justamente a
de que ele deve ser visto menos
como ruptura em relação à
igreja dos dois importantes
concílios anteriores -de Trento (1545-1563) e do Vaticano 1º
(1869-1870)- e mais como
uma continuidade da tradição.
Isso abre espaço para o cancelamento ou a revisão de aspectos mais ousados do Concílio Vaticano 2º, guiados por
uma espécie de igualitarismo
-entre diferentes religiões, autoridades católicas e fiéis.
Da primeira polêmica com os
muçulmanos à reincorporação
do grupo a que pertence o bispo
Richard Williamson, decisões
de Bento 16 esbarram em características cruciais do Concílio e negam seus aspectos mais
"reformistas".
"Ele já havia exprimido isso
em 1985, quando foram celebrados os 20 anos do encerramento do Concílio", diz o teólogo e historiador da Igreja Católica José Oscar Beozzo. "E passou a polemizar sobre como interpretá-lo."
"O Concílio Vaticano 2º representou uma virada dentro
da igreja. Ao mesmo tempo, o
papa Paulo 6º trabalhou até a
última gota para que não houvesse ruptura. Então, nas afirmações mais centrais do Concílio, você tem a novidade e, logo
depois, quase como um comentário, você reforça a ideia de
que não há ruptura. A ênfase do
Concílio é a da novidade. Mas
no pontificado de Bento 16 volta a ênfase nesses "comentários", na continuidade", ele diz.
Missa
Uma das mudanças mais importantes do Concílio envolve
diretamente o grupo de Williamson e se deu no campo litúrgico. A celebração anterior à
reforma -conhecida como
"missa tridentina"- comportava o uso exclusivo do latim e
também o que alguns teólogos
chamam de missa mais "individualista", em que havia menor
interação entre padre e fiéis.
O Concílio, além de abrir a
forma da celebração a manifestações culturais e línguas locais, deu à missa um caráter
mais participativo e coletivo. A
Sociedade São Pio 10º, fundada
pelo arcebispo ultraconservador Marcel Lefèbvre (1905-1991), que foi quem sagrou Williamson bispo, formou-se numa reação de rejeição a essa e
outras reformas do Concílio, e
continuou a celebrar suas missas no formato antigo.
Antes de reincorporar o grupo, Bento 16 já havia, em julho
de 2007, reabilitado a missa tridentina. Beozzo classifica essa
decisão como uma divergência
com o Concílio.
Francisco Borba, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da
PUC-SP e integrante do movimento Comunhão e Libertação, afinado com o papa, afirma
que, de fato, "para o grupo de
Bento 16, o Vaticano 2º adquire
força a partir da tradição, enquanto que para o outro grupo
sua força está na ruptura".
"Na interpretação que aposta
no "aggiornamento", a igreja
tem que se adaptar aos tempos
modernos. A outra afirma uma
ideia de "reflorescimento", em
que os católicos são chamados a
transformar o mundo contemporâneo -aí a questão não é a
de se adaptar aos novos tempos, mas sim a de fecundá-lo a
partir, novamente, do cristianismo", ele diz.
Segundo o grupo do "aggiornamento", outra mudança importante trazida pelo Concílio é
a maior igualdade no diálogo
entre religiões.
Bento 16 tem colecionado
tropeços nesse campo, como a
referência a uma declaração de
um imperador bizantino do século 15 a respeito do suposto
caráter violento do islã. Mas
também tem feito gestos generosos pelo diálogo inter-religioso, segundo Beozzo. Há diferenças, no entanto, ele diz, entre o papa e a novidade do Concílio sobre o tema.
Para Bento 16, a Igreja Católica segue sendo a "única verdadeira" e a "única que salva",
embora o Concílio tenha procurado aceitar que mesmo religiões não cristãs também "revelam a face de Deus".
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