São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 1998

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CONTRA A BARBÁRIE
Organização não-governamental paga US$ 80 por liberdade de negro capturado por fundamentalistas islâmicos
Suíços vão ao Sudão para libertar escravos

Associated Press
John Eibner, do Solidariedade Cristã Internacional, faz o pagamento por 124 escravos a traficante no vilarejo de Madhol, região sul do Sudão


PAULO HENRIQUE BRAGA
da Redação

Uma entidade suíça está realizando viagens periódicas para a região sul do Sudão, a fim de comprar escravos negros aprisionados por uma milícia islâmica ligada ao governo e libertá-los.
Na última viagem, em dezembro, o grupo Solidariedade Cristã Internacional comprou 157 escravos, pelo equivalente a US$ 80 cada um, em duas aldeias.
Duas semanas antes, a região fora atacado pela Força de Defesa Popular, uma milícia controlada pelo governo fundamentalista islâmico de Cartum.
Sob o pretexto de promover a "jihad" (guerra santa), os milicianos atacam o sul do país, habitado predominantemente por negros cristãos e animistas.
"O responsável direto é o governo de Cartum, que usa a escravidão como um dos instrumentos de guerra contra a minoria do sul", disse à Folha John Eibner, diretor da organização não-governamental que comprou os escravos. Segundo ele, todas as operações foram feitas sob a ameaça iminente de ataque de tropas do governo.
Desde 1995, quando esteve pela primeira vez no Sudão para libertar escravos, a organização já comprou 800 pessoas.
O grupo não tem uma estimativa exata do número de pessoas vivendo atualmente em regime de escravidão no solo sudanês, mas Eibner crê que a cifra esteja na casa das dezenas de milhares.
Ataques
As ações para o aprisionamento de escravos geralmente ocorrem entre novembro e abril, época do ano em que o norte do país enfrenta seca, mas há água no sul.
Segundo relatos colhidos junto a sobreviventes dos ataques, os grupos chegam nas primeiras horas da manhã, a pé e a cavalo, armados com fuzis.
Os homens são geralmente mortos no momento da ação. Mulheres, crianças e adolescentes são aprisionados e conduzidos para o sul, onde passam a servir senhores muçulmanos.
Algumas mulheres se tornam escravas sexuais ou prostitutas. Como parte do processo de "arabização" que o governo tenta promover no sul, elas são submetidas à chamada circuncisão feminina -o clitóris é extirpado.
Os velhos, por sua vez, são usados para transportar para o norte o que foi pilhado das aldeias, até onde aguentarem. Depois, são espancados e abandonados.
Os membros da Força de Defesa Popular são recrutados entre integrantes de tribos nômades que vivem na região sul das Províncias de Kordofan e Darfur.
Junto com os escravos, levam também animais e o estoque de provisões, além de queimar os vilarejos que deixam para trás.
Os cristãos e animistas dinkas do sul são alvos preferenciais da milícia islâmica porque têm resistido à tentativa de eliminar sua cultura, colocada em prática pelo governo militar desde sua chegada ao poder, em 1989. Guerrilheiros da região lutam por autonomia em relação ao governo do presidente Omar Hassan al Bachir.
Junto com a libertação de escravos, os suíços patrocina negociações de paz entre as tribos árabes e as comunidades negras do sul.
Os acordos acertados até agora prevêem o uso das pastagens do sul pelos nômades do norte durante a estação seca em troca da não participação em operações de aprisionamento de escravos.
A organização também diz que sua atuação no comércio de escravos não está inflacionando os preços do tráfico humano e que, sem pagamento e colaboração dos traficantes, ninguém seria libertado.



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