São Paulo, segunda-feira, 15 de março de 2004

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Em 2003, juiz Garzón alertou sobre o terror islâmico

DO COLUNISTA DA FOLHA

O juiz Baltasar Garzón, um dos mais famosos nomes do Judiciário no mundo, foi premonitório em carta ao premiê espanhol, José María Aznar, tornada pública em março de 2003, quando a Espanha embarcava ao lado dos EUA no ataque ao Iraque.
"A única coisa que vai gerar essa guerra injusta é o aumento do terrorismo integrista a médio e a longo prazos. Seu crescimento em outros pontos, entre eles a Espanha, é algo tão evidente como terrível, e o senhor não quer ou não sabe vê-lo."
Garzón sabia do que estava falando: foi ele quem comandou a desarticulação de uma suposta célula da Al Qaeda na Espanha, poucas semanas depois dos atentados de 11 de setembro de 2001 em Nova York.
Parece haver um vínculo entre essa célula e os marroquinos presos anteontem em Madri, acusados de envolvimento nos atentados de quinta-feira.
A suposta célula incluía sírios, argelinos, um espanhol e marroquinos, que estavam sendo investigados desde 1995, quando foram flagrados distribuindo propaganda islâmica radical na mesquita madrilena de Abu Baker (perto da qual foi deixado no sábado o vídeo em que a Al Qaeda assume os atentados de Madri).
O líder do grupo, que se denominava "Soldados de Alá", era Eddin Barakat, ou Abu Dadah, 39, casado com uma espanhola, pai de cinco filhos e vinculado à célula terrorista de Hamburgo (Alemanha), que participou dos atentados de 2001 nos EUA.
Pois bem: segundo a edição de ontem do jornal espanhol "El País", o Ministério do Interior de Marrocos informou que os três marroquinos presos no sábado em Madri estariam vinculados precisamente à célula de Abu Dadah.

"Cúpula de Tarragona"
Não é a única presumível vinculação. Um dos presos, Mohamed Chaui, trabalhador marroquino de 33 anos, aparece nas conversações grampeadas da célula espanhola da Al Qaeda, durante os preparativos para o 11 de Setembro, segundo a informação de Jean-Charles Brisard, investigador particular contratado pelas vítimas, informa o jornal "El Mundo".
Em uma das conversações, os líderes da célula dizem: "É preciso estabelecer relações com Jamal e seu irmão Mohamed Chaui de Tânger" -a cidade marroquina onde, de fato, nasceu o agora suspeito de envolvimento nos atentados de Madri.
As evidências que Garzón citava na sua carta pública a Aznar incluem o que a mídia espanhola sempre chamou de "cúpula de Tarragona", a cidade da Catalunha em que Mohamed Atta se reuniu com Ramzi Binalshibh, dois dos nomes mais conhecidos dos atentados nos EUA.
Atta foi o seqüestrador de um dos aviões depois atirado contra as torres do World Trade Center. Binalshibh era uma espécie de coordenador geral da operação. O encontro entre os dois em Tarragona, pouco antes do 11 de Setembro, durou oito dias, durante os quais Atta transmitiu a Binalshibh os objetivos que seriam atacados em Nova York e Washington, conforme recapitulação minuciosa que o jornalista José María Irujo fez para "El País".
O encontro Atta-Binalshibh não é a indicação mais forte de uma rede de apoio da Al Qaeda na Espanha. O dado principal é o fato de que Binalshibh voltou à Espanha, no início de setembro de 2001, para conseguir o visto falsificado com o qual pôde deixar a Europa e refugiar-se em Cabul, a capital de um Afeganistão ainda sob controle do Taleban.
Antes do ataque aos trens nas estações de Madri, já havia ocorrido uma mortal operação que torna ainda mais premonitória a avaliação do juiz Garzón segundo a qual Aznar não quis ou não pôde ver o crescimento do terrorismo integrista.
Há dez meses (exatamente no dia 16 de maio de 2003), três jovens suicidas invadiram o restaurante Casa de España, em Casablanca (Marrocos), disparando para todos os lados. Ao final do dia, nesse e em mais três atentados suicidas, havia 45 mortos e centenas de feridos.
Um dos acusados pelos atentados de Casablanca, Salahedine Benyaich, é irmão de Abdelaziz Benyaich, preso justamente na Espanha por sua suposta conexão com esses crimes.
Não parece, portanto, coincidência que sejam marroquinos três dos únicos sete presos até agora pelos atentados de quinta-feira. (CLÓVIS ROSSI)


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