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Em 2003, juiz Garzón alertou sobre o terror islâmico
DO COLUNISTA DA FOLHA
O juiz Baltasar Garzón, um dos
mais famosos nomes do Judiciário no mundo, foi premonitório
em carta ao premiê espanhol, José
María Aznar, tornada pública em
março de 2003, quando a Espanha embarcava ao lado dos EUA
no ataque ao Iraque.
"A única coisa que vai gerar essa
guerra injusta é o aumento do terrorismo integrista a médio e a
longo prazos. Seu crescimento em
outros pontos, entre eles a Espanha, é algo tão evidente como terrível, e o senhor não quer ou não
sabe vê-lo."
Garzón sabia do que estava falando: foi ele quem comandou a
desarticulação de uma suposta
célula da Al Qaeda na Espanha,
poucas semanas depois dos atentados de 11 de setembro de 2001
em Nova York.
Parece haver um vínculo entre
essa célula e os marroquinos presos anteontem em Madri, acusados de envolvimento nos atentados de quinta-feira.
A suposta célula incluía sírios,
argelinos, um espanhol e marroquinos, que estavam sendo investigados desde 1995, quando foram
flagrados distribuindo propaganda islâmica radical na mesquita
madrilena de Abu Baker (perto da
qual foi deixado no sábado o vídeo em que a Al Qaeda assume os
atentados de Madri).
O líder do grupo, que se denominava "Soldados de Alá", era
Eddin Barakat, ou Abu Dadah, 39,
casado com uma espanhola, pai
de cinco filhos e vinculado à célula
terrorista de Hamburgo (Alemanha), que participou dos atentados de 2001 nos EUA.
Pois bem: segundo a edição de
ontem do jornal espanhol "El
País", o Ministério do Interior de
Marrocos informou que os três
marroquinos presos no sábado
em Madri estariam vinculados
precisamente à célula de Abu Dadah.
"Cúpula de Tarragona"
Não é a única presumível vinculação. Um dos presos, Mohamed
Chaui, trabalhador marroquino
de 33 anos, aparece nas conversações grampeadas da célula espanhola da Al Qaeda, durante os
preparativos para o 11 de Setembro, segundo a informação de
Jean-Charles Brisard, investigador particular contratado pelas
vítimas, informa o jornal "El
Mundo".
Em uma das conversações, os líderes da célula dizem: "É preciso
estabelecer relações com Jamal e
seu irmão Mohamed Chaui de
Tânger" -a cidade marroquina
onde, de fato, nasceu o agora suspeito de envolvimento nos atentados de Madri.
As evidências que Garzón citava
na sua carta pública a Aznar incluem o que a mídia espanhola
sempre chamou de "cúpula de
Tarragona", a cidade da Catalunha em que Mohamed Atta se
reuniu com Ramzi Binalshibh,
dois dos nomes mais conhecidos
dos atentados nos EUA.
Atta foi o seqüestrador de um
dos aviões depois atirado contra
as torres do World Trade Center.
Binalshibh era uma espécie de
coordenador geral da operação. O
encontro entre os dois em Tarragona, pouco antes do 11 de Setembro, durou oito dias, durante os
quais Atta transmitiu a Binalshibh os objetivos que seriam atacados em Nova York e Washington, conforme recapitulação minuciosa que o jornalista José María Irujo fez para "El País".
O encontro Atta-Binalshibh não
é a indicação mais forte de uma
rede de apoio da Al Qaeda na Espanha. O dado principal é o fato
de que Binalshibh voltou à Espanha, no início de setembro de
2001, para conseguir o visto falsificado com o qual pôde deixar a
Europa e refugiar-se em Cabul, a
capital de um Afeganistão ainda
sob controle do Taleban.
Antes do ataque aos trens nas
estações de Madri, já havia ocorrido uma mortal operação que torna ainda mais premonitória a
avaliação do juiz Garzón segundo
a qual Aznar não quis ou não pôde ver o crescimento do terrorismo integrista.
Há dez meses (exatamente no
dia 16 de maio de 2003), três jovens suicidas invadiram o restaurante Casa de España, em Casablanca (Marrocos), disparando
para todos os lados. Ao final do
dia, nesse e em mais três atentados suicidas, havia 45 mortos e
centenas de feridos.
Um dos acusados pelos atentados de Casablanca, Salahedine
Benyaich, é irmão de Abdelaziz
Benyaich, preso justamente na
Espanha por sua suposta conexão
com esses crimes.
Não parece, portanto, coincidência que sejam marroquinos
três dos únicos sete presos até
agora pelos atentados de quinta-feira.
(CLÓVIS ROSSI)
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