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Sudão expõe contradições do Itamaraty
Norteada por direitos humanos, diplomacia do Brasil não condenou violações de Cartum nem comentou ordem de prisão do TPI
Governo rejeita criticar Congo e Irã, mas acusa violações na Coreia do Norte e Mianmar; analistas veem motivações estratégicas
SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL
O caso do Sudão ilustra as
contradições da diplomacia
brasileira, guiada a princípio
pela prevalência dos direitos
humanos mas condicionada na
prática à tradição de não-ingerência e a metas estratégicas.
O Brasil, signatário do Tribunal Penal Internacional (TPI),
se absteve de comentar o mandado de prisão emitido no início do mês contra o ditador sudanês, Omar al Bashir, acusado
de crimes de guerra e contra a
humanidade em Darfur.
O Itamaraty afirma que ser
membro do TPI implica acatar
todas as decisões da corte -entre elas a ordem de prender
Bashir caso ele pise em território brasileiro- e insiste em que
não é obrigado a se pronunciar.
"Uma declaração oficial seria
uma consideração política, não
jurídica", justifica Antônio Cachapuz de Medeiros, consultor
jurídico do Itamaraty.
O silêncio sobre a ordem do
TPI sucede a resistência do
Brasil em apoiar condenações
contra o Sudão no Conselho de
Direitos Humanos (CDH) da
ONU, criado em 2006 em substituição à Comissão de Direitos
Humanos, tida como subordinada às grandes potências e seletiva em suas avaliações.
Segundo o Itamaraty, negociações seriam mais eficazes na
resolução do conflito em Darfur do que sanções. O mesmo
argumento foi usado quando o
Brasil articulou com os países
africanos do CDH resolução
branda contra a República Democrática do Congo, por atacar
civis em áreas rebeldes.
No caso do Irã, que o Brasil
também se recusou a criticar
no CDH por perseguir minorias, foi alegada a tradição brasileira de "não intervir em assuntos internos".
Para os críticos, a atual diplomacia viola o artigo 4º da Constituição Federal de 1988, pela
qual a política externa deve ser
conduzida sob a "prevalência
dos direitos humanos" -o Itamaraty não quis comentar.
A ONG Conectas cita ainda o
apoio velado do Brasil às articulações para evitar que abusos
de China, Cuba e Zimbábue sejam objeto de resoluções nos
fóruns multilaterais. A organização pressiona o Itamaraty a
explicar por que o Brasil foi
complacente com Sudão e Congo e condenou na Assembleia
Geral violações de direitos na
Coreia do Norte e em Mianmar.
Analistas apontam que boa
parte das gestões externas do
Brasil são norteadas pela ambição de aumentar parcerias comerciais e conseguir um assento permanente no Conselho de
Segurança. O governo tende a
defender soluções consensuais
para crises, com a exceção de
países párias -como Mianmar.
Especialista em direitos humanos internacionais, o advogado Joedson Dias diz que o
Brasil, apesar das críticas, "é
muito respeitado por fazer parte de quase todos os acordos jurídicos internacionais e por receber todos os relatores de órgãos multilaterais".
Em contraste, os EUA, críticos habituais de violações dos
direitos humanos em países como Irã e o próprio Sudão, não
aderiram ao TPI nem a várias
das convenções internacionais
sobre o tema.
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