|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
EUA "bagunçam" cenário, diz analista
MÁRCIO SENNE DE MORAES
ENVIADO ESPECIAL A WASHINGTON
Para as relações internacionais,
o desmantelamento do sistema
multilateralista criado após a Segunda Guerra é mais grave que a
ofensiva contra o Iraque, já que
fará com que a cena internacional
entre num período de grande incerteza, em que até alguns dos
mais próximos aliados dos EUA
passarão a desconfiar dos verdadeiras interesses de Washington
em relação à política global.
A análise é de James Rosenau,
78, um dos precursores do estudo
das relações internacionais, professor na Universidade George
Washington e autor de mais de 30
livros sobre o tema.
Leia, a seguir, a entrevista que
deu à Folha, em seu escritório em
Washington.
Folha - Questões domésticas influenciaram o governo americano
a dar início à guerra no Iraque?
James Rosenau - Muitos falam
da influência do lobby judaico ou
dos representantes da indústria
do petróleo, mas não sei bem como o Iraque passou a ser uma
prioridade do governo.
O país nunca foi mencionado na
campanha presidencial, em 2000,
quando George W. Bush defendia
o multilateralismo, a aliança com
a Europa e esforços internacionais dentro da ONU. A maioria
dos analistas diz que os atentados
de 11 de setembro de 2001 mudaram totalmente o jogo político
nos EUA. Como isso mudou as
coisas não está claro para mim.
Fala-se sobre a ligação entre o
regime iraquiano e os ataques terroristas, mas não consigo ver qual
é esse elo. Não tenho informações
privilegiadas sobre as decisões tomadas na Casa Branca, mas não
creio que os grandes grupos de interesse tenham persuadido o governo a enviar centenas de milhares de soldados para travar a guerra contra Saddam Hussein.
Por outro lado, há indivíduos
que desempenharam um papel
crucial nessa questão. O secretário da Defesa [Donald Rumsfeld],
o subsecretário da Defesa [Paul
Wolfowitz] e o vice-presidente
[Dick Cheney], que têm uma formação intelectual parecida, aparentemente sempre defenderam a
intervenção militar contra o regime iraquiano. Não quero falar em
teoria da conspiração, mas devo
dizer que estou surpreso com a
grande mudança da política externa americana. Isso não só em
relação ao Iraque, mas também
no que se refere ao conceito de
ataque preventivo etc.
Folha - Como essa nova linha do
governo dos EUA influenciará o
"mundo turbulento" descrito em
suas principais obras?
Rosenau - Ela torna a política
mundial uma bagunça. Espero
que ataques preventivos não sejam estendidos a outros países. Isso só agravaria o já preocupante
quadro atual. O pós-guerra no
Iraque será muito complicado, e
não creio que os dirigentes americanos venham a querer aplicar essa política com frequência.
Sobre as relações internacionais, estou mais preocupado com
o desmantelamento do sistema
multilateralista criado após a Segunda Guerra do que com a ofensiva no Iraque, embora qualquer
conflito tenha aspectos terríveis.
Se os republicanos continuarem
no poder e suas diretivas políticas
forem mantidas, entraremos num
período de muita incerteza, visto
que a política externa da única superpotência do planeta incomoda
profundamente até seus aliados.
Folha - Esse fenômeno constitui
uma tendência duradoura?
Rosenau - Para mim, o mundo
está sofrendo uma desagregação
de autoridade há muito tempo. A
cena internacional tem cada vez
mais atores não-estatais em seu
seio, que tomam parte do poder
dos Estados, o que, a longo prazo,
é uma limitação para os EUA.
Não creio no equilíbrio de poder
entre os grandes países, já que eles
não mais controlam totalmente a
evolução política internacional.
Assim, os Estados tornam-se
mais fracos. Não digo que eles não
mais existirão nem que suas funções perderão importância, mas é
irrefutável que a situação é complexa, pois os Estados são menos
capazes de controlar os fluxos de
idéias, crimes, dinheiro etc.
Ora, com isso, fatos aparentemente anódinos, como o advento
da internet, têm uma influência
extremamente grande na política
internacional. Trata-se de um
mundo muito diferente do que
existia durante a Guerra Fria. É interessante ver como os protestos
contra a guerra se expandiram
por todo o mundo graças ao alcance global da internet.
Folha - Então uma guerra ao terrorismo internacional liderada por
um Estado é fadada ao fracasso?
Rosenau - É difícil imaginar que
essa suposta guerra possa ter sucesso dessa forma. Afinal, o terrorismo não é apenas composto por
ataques monumentais, como os
de 2001. A maioria dos atentados
é bem mais simples, e, com uma
frequência bastante preocupante,
os ataques suicidas se tornam cada vez mais populares. É impossível focalizar os esforços dos Estados em cada suicida em potencial.
O que ocorreu com o regime do
Taleban, no Afeganistão, foi um
grande passo para reduzir a força
de uma rede terrorista que parecia suficientemente organizada
para cometer atentados monumentais. Porém, com certeza, a Al
Qaeda ainda existe, e há diversos
outros grupos terroristas dispostos a realizar ataques contra alvos
nos EUA ou em outros países.
Acredito que o século 21 venha a
ser um período em que atentados
terroristas periódicos se tornarão
uma realidade incontornável.
O jornalista Márcio Senne de Moraes
viajou a convite do governo dos EUA
Texto Anterior: Islã precisa de democracia, diz analista Próximo Texto: EUA e iraquianos discutem governo Índice
|