São Paulo, domingo, 15 de abril de 2007

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Lei do petróleo revive suspeitas no Iraque

Negociado em sigilo por um ano, documento enviado ao Parlamento alimenta desconfiança sobre interesses dos EUA no país

Para críticos do anteprojeto, regionalização põe em risco integridade e soberania do país, ao permitir contratos longos com estrangeiros

MARCELO NINIO
DA REDAÇÃO

Desde a invasão americana do Iraque, quatro anos atrás, as suspeitas mais persistentes sobre a motivação para o ataque estão invariavelmente ligadas aos vastos campos de petróleo do país árabe e a um suposto plano do governo de George W. Bush para controlar a segunda maior reserva do mundo.
Uma lei destinada a regular o setor, aprovada em fevereiro pelo gabinete iraquiano após quase um ano de discussões a portas fechadas, alimentou a desconfiança por conter cláusulas que regionalizam a exploração do petróleo e abrem o mercado à participação de empresas estrangeiras em contratos de longo prazo.
A lei foi enviada ao Parlamento, onde aguarda aprovação antes de ser ratificada pelo primeiro-ministro.

Descentralização
Os pontos mais polêmicos da nova lei são: a descentralização do setor, que dá aos governo regionais o poder de negociar contratos de exploração de novos poços em seu território; a possibilidade de que tais acordos sejam de longo prazo (entre dez e 35 anos); e o sistema de divisão da receita entre as principais comunidades do país.
Pelo anteprojeto, o petróleo iraquiano continuará pertencendo ao Estado, mas companhias regionais terão autonomia para assinar seus próprios contratos de prospecção e exploração com empresas estrangeiras. Dos 80 campos de exploração conhecidos no Iraque, 65 seriam abertos a licitação.
Washington e o FMI (Fundo Monetário Internacional), que vinham pressionando o governo do premiê Nuri al Maliki a aprontar o texto, chegaram a condicionar a concessão de ajuda ao país à Lei do Petróleo. O presidente Bush incluiu a aprovação da lei como uma das metas que o governo de Maliki precisa cumprir dentro da nova estratégia americana. O FMI espera o mesmo para perdoar parte da dívida do país.
A questão da distribuição da receita do petróleo é delicada, pois as reservas do produto estão concentradas no norte -dominado pelos curdos- e no sul -majoritariamente árabe xiita. A minoria árabe sunita, dominante sob o regime de Saddam Hussein, vive principalmente no oeste e no centro, onde quase não há petróleo.
Para resolver a questão, a lei prevê que a receita será recolhida pelo governo federal e redistribuída entre os governos das 18 Províncias iraquianas de acordo com sua população.
Muhammad al Zainy, um dos muitos especialistas iraquianos do setor petrolífero que deixaram o país para escapar da violência, acha que o novo sistema de distribuição da receita põe em risco a reconstrução do Iraque. "O Orçamento do governo depende em 95% da receita do petróleo. Se ela será dividida, em vez de ir para o Tesouro Nacional, como o governo reconstruirá o país?", indaga Al Zainy, do Centro de Estudos de Energia Globais, em Londres, em entrevista por telefone à Folha.

Em inglês
Embora seja motivo de intensa disputa, poucos tiveram acesso ao projeto do governo, mesmo no Parlamento. O sigilo que cercou a elaboração da lei e a revelação de que a versão original foi redigida em inglês reforçaram o clima de complô.
Um dos responsáveis pela divulgação da lei fora da Zona Verde, a fortaleza que abriga o comando americano e os ministérios iraquianos em Bagdá, foi o iraquiano Raed Jarrar, que mantém um popular blog sobre o país na internet.
Jarrar obteve uma versão em árabe do documento, traduziu para o inglês e colocou em seu blog. Jarrar, porta-voz do grupo de direitos humanos Global Exchange, acha que não é exagero afirmar que a nova lei põe em risco a soberania do país.
"Ao dar autonomia às regiões para que negociem contratos com multinacionais, a lei não só ameaça a unidade do país. Também abre a possibilidade de pôr em mãos estrangeiras o controle sobre os limites da produção, que é um sinal de soberania", disse Jarrar à Folha, de Nova York.
Para Gal Luft, diretor-executivo do Instituto de Análise de Segurança Global, em Washington, isso é uma "mentira suja". "Estou familiarizado com esse tipo de mentira populista e conspiratória, que não tem base em evidências", diz.
A nova lei é essencial para a reconstrução do Iraque, diz Luft, pois cria a base legal necessária para que o setor de petróleo do país receba os investimentos estrangeiros de que precisa para sair da estagnação.
Antes da Guerra do Golfo, em 1991, o Iraque produzia 3,5 bilhões de barris de petróleo por dia, mas hoje a indústria está sucateada, após uma década de embargo e quatro anos de ocupação. Só recentemente a produção atingiu 2,1 bilhões de barris diários, lutando contra corrupção generalizada, sabotagens e contrabando.


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