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Lei do petróleo revive suspeitas no Iraque
Negociado em sigilo por um ano, documento enviado ao Parlamento alimenta desconfiança sobre interesses dos EUA no país
Para críticos do anteprojeto,
regionalização põe em risco integridade e soberania do país, ao permitir contratos longos com estrangeiros
MARCELO NINIO
DA REDAÇÃO
Desde a invasão americana
do Iraque, quatro anos atrás, as
suspeitas mais persistentes sobre a motivação para o ataque
estão invariavelmente ligadas
aos vastos campos de petróleo
do país árabe e a um suposto
plano do governo de George W.
Bush para controlar a segunda
maior reserva do mundo.
Uma lei destinada a regular o
setor, aprovada em fevereiro
pelo gabinete iraquiano após
quase um ano de discussões a
portas fechadas, alimentou a
desconfiança por conter cláusulas que regionalizam a exploração do petróleo e abrem o
mercado à participação de empresas estrangeiras em contratos de longo prazo.
A lei foi enviada ao Parlamento, onde aguarda aprovação antes de ser ratificada pelo
primeiro-ministro.
Descentralização
Os pontos mais polêmicos da
nova lei são: a descentralização
do setor, que dá aos governo regionais o poder de negociar
contratos de exploração de novos poços em seu território; a
possibilidade de que tais acordos sejam de longo prazo (entre
dez e 35 anos); e o sistema de
divisão da receita entre as principais comunidades do país.
Pelo anteprojeto, o petróleo
iraquiano continuará pertencendo ao Estado, mas companhias regionais terão autonomia para assinar seus próprios
contratos de prospecção e exploração com empresas estrangeiras. Dos 80 campos de exploração conhecidos no Iraque,
65 seriam abertos a licitação.
Washington e o FMI (Fundo
Monetário Internacional), que
vinham pressionando o governo do premiê Nuri al Maliki a
aprontar o texto, chegaram a
condicionar a concessão de ajuda ao país à Lei do Petróleo. O
presidente Bush incluiu a aprovação da lei como uma das metas que o governo de Maliki
precisa cumprir dentro da nova
estratégia americana. O FMI
espera o mesmo para perdoar
parte da dívida do país.
A questão da distribuição da
receita do petróleo é delicada,
pois as reservas do produto estão concentradas no norte
-dominado pelos curdos- e
no sul -majoritariamente árabe xiita. A minoria árabe sunita,
dominante sob o regime de
Saddam Hussein, vive principalmente no oeste e no centro,
onde quase não há petróleo.
Para resolver a questão, a lei
prevê que a receita será recolhida pelo governo federal e redistribuída entre os governos das
18 Províncias iraquianas de
acordo com sua população.
Muhammad al Zainy, um dos
muitos especialistas iraquianos
do setor petrolífero que deixaram o país para escapar da violência, acha que o novo sistema
de distribuição da receita põe
em risco a reconstrução do Iraque. "O Orçamento do governo
depende em 95% da receita do
petróleo. Se ela será dividida,
em vez de ir para o Tesouro Nacional, como o governo reconstruirá o país?", indaga Al Zainy,
do Centro de Estudos de Energia Globais, em Londres, em
entrevista por telefone à Folha.
Em inglês
Embora seja motivo de intensa disputa, poucos tiveram
acesso ao projeto do governo,
mesmo no Parlamento. O sigilo
que cercou a elaboração da lei e
a revelação de que a versão original foi redigida em inglês reforçaram o clima de complô.
Um dos responsáveis pela divulgação da lei fora da Zona
Verde, a fortaleza que abriga o
comando americano e os ministérios iraquianos em Bagdá,
foi o iraquiano Raed Jarrar, que
mantém um popular blog sobre
o país na internet.
Jarrar obteve uma versão em
árabe do documento, traduziu
para o inglês e colocou em seu
blog. Jarrar, porta-voz do grupo de direitos humanos Global
Exchange, acha que não é exagero afirmar que a nova lei põe
em risco a soberania do país.
"Ao dar autonomia às regiões
para que negociem contratos
com multinacionais, a lei não
só ameaça a unidade do país.
Também abre a possibilidade
de pôr em mãos estrangeiras o
controle sobre os limites da
produção, que é um sinal de soberania", disse Jarrar à Folha,
de Nova York.
Para Gal Luft, diretor-executivo do Instituto de Análise de
Segurança Global, em Washington, isso é uma "mentira
suja". "Estou familiarizado
com esse tipo de mentira populista e conspiratória, que não
tem base em evidências", diz.
A nova lei é essencial para a
reconstrução do Iraque, diz
Luft, pois cria a base legal necessária para que o setor de petróleo do país receba os investimentos estrangeiros de que
precisa para sair da estagnação.
Antes da Guerra do Golfo,
em 1991, o Iraque produzia 3,5
bilhões de barris de petróleo
por dia, mas hoje a indústria
está sucateada, após uma década de embargo e quatro anos de
ocupação. Só recentemente a
produção atingiu 2,1 bilhões de
barris diários, lutando contra
corrupção generalizada, sabotagens e contrabando.
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