São Paulo, quarta-feira, 15 de maio de 2002

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GEOPOLÍTICA

Ex-inimigo, Moscou passa a ter o direito de debater temas como terrorismo e controle de armas com países da aliança

Otan acolhe Rússia como aliada estratégica

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

A Otan abriu ontem suas portas para a Rússia, o maior inimigo da aliança militar ocidental na segunda metade do século passado, decretou o fim da Guerra Fria mais uma vez e delineou os contornos de uma nova parceria estratégica para combater o terrorismo, a propagação de armas de destruição em massa e os desafios surgidos após os atentados terroristas de 11 de setembro.
"Trata-se do funeral da Guerra Fria. Há 15 anos, a Rússia era nossa inimiga. Agora a Rússia se torna nossa amiga e nossa aliada. Não poderia haver mudança maior", declarou o chanceler britânico, Jack Straw, durante a histórica reunião da Otan ocorrida em Reykjavík, capital da Islândia. Os chanceleres Colin Powell (EUA) e Igor Ivanov (Rússia) participaram do evento solene.
De fato, a cúpula de ontem foi marcada pelo simbolismo. Até o hotel que a abrigou tem um lado histórico. Nele, em 1986, os ex-presidentes Ronald Reagan e Mikhail Gorbatchov se encontraram para discutir a redução dos arsenais bélicos americano e russo e começaram a pôr fim ao antagonismo bipolar da Guerra Fria.
"O simbolismo do ocorrido é indiscutível. Em 1949, a Otan foi criada sobretudo para defender as "fronteiras" que separavam o mundo ocidental do bloco comunista. Não se pode esquecer que a Rússia é a herdeira da URSS, que liderava o "grupo inimigo" do Ocidente", explicou à Folha Ole Holsti, co-autor de "Unity and Disintegration in International Alliances" (unidade e desintegração em alianças internacionais).
"Ademais, desde que Bill Clinton [ex-presidente dos EUA" começou a insistir em expandir a aliança para o leste do continente europeu, em meados da década passada, Washington tenta convencer Moscou de que essa medida não visa a ameaçar os russos ou a minar seus interesses na região. Ora, não há nada mais simbólico para reiterar essa afirmação do que acolher a Rússia dentro dos quadros da Otan."
Após selar a criação do Conselho Otan-Rússia -cujo texto final será assinado perto de Roma, em 28 de maio-, o secretário-geral da Otan, George Robertson, lançou o que chamou de "agenda de mudança", um plano de modernização da aliança. Ele exortou os membros a contribuir para tornar a Otan mais eficaz num contexto de "desafios inesperados".
Para tanto, ele disse que a aliança não poderia restringir seu campo de atuação à Europa. Mas analistas não são tão otimistas. "Com a inclusão da Rússia na discussão de temas ligados à segurança, como o terrorismo, o campo de ação da Otan ficará mais restrito, não mais amplo", apontou Bruno Tertrais, da Fundação para a Pesquisa Estratégica (Paris).
"Afinal, como demonstrou a campanha militar no Afeganistão, os EUA não pretendem permitir que a aliança se ocupe do problema do terrorismo. Na verdade, talvez a Rússia tenha sido iludida mais uma vez", acrescentou Tertrais, aludindo ao estéril Conselho Conjunto Permanente Otan-Rússia (1997), criado para atenuar a oposição russa à expansão da Otan para o leste (1999).
O chanceler belga, Louis Michel, desmaiou antes da fotografia oficial do evento, mas seus assessores disseram que ele passava bem.


Com agências internacionais


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