São Paulo, segunda-feira, 15 de maio de 2006

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ÁFRICA

Para Seddig, mediador do tratado, dinheiro internacional seria mais bem aproveitado em assistência direta à população

Sudão resiste à ONU; acordo de paz pode ruir

Candace Feit/Reuters
Hanan Ahmed Hussein, 20, segura sua filha, atingida por um tiro na perna, na região de Darfur


MARCOS DE MOURA E SOUZA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O governo do Sudão vem resistindo à pressão internacional para aceitar tropas de paz da ONU em Darfur, em parte porque alega que os recursos doados por outros países para a manutenção de uma operação como essa seriam mais bem aproveitados se revertidos em ajuda direta à população ou se aplicados nas agências de assistência que atuam na região.
Esse é o principal argumento usado por um dos negociadores mais ativos do acordo de paz selado no último dia 5, o subsecretário de Negócios Estrangeiros sudanês, Mutrif Seddig, que visitou o Brasil na semana passada.
"O que Darfur precisa depois da conclusão do acordo de paz é de reconstrução, reabilitação, repatriação, e não uma uma grande operação com forças de paz", disse ele à Folha. Nos últimos três anos, o conflito na região levou ao menos 180 mil pessoas à morte e 2 milhões a deixarem suas casas.
"Não negamos a participação da ONU, mas essa participação deve se dar por meio de suas agências, em vez de drenar os recursos para as operações de missões de paz", acrescenta Seddig.
O Sudão já hospeda tropas de paz da ONU no sul do país desde 2005, quando passou a vigorar um cessar-fogo firmado entre o governo e os rebeldes após duas décadas de conflitos. Mas, segundo Seddig, a maior parte das doações internacionais já enviadas ao país para a missão foi investida nas próprias forças e não diretamente na melhora da condição de vida das pessoas.
"Uma operação da ONU é muito cara, mais de US$ 1 bilhão por ano. Se uma parte considerável dessa quantia fosse transferida em benefício direto das pessoas -ou talvez a organizações de ajuda e agências especializadas da ONU, como Unicef, por exemplo-, isso ajudaria mais do que enviar mais tropas", afirma.

Contraproducente
Mas há outras explicações para a resistência de Cartum, diz Seddig. Há dois anos e meio, tropas da União Africana (UA) atuam em Darfur na tentativa de conter explosões de violência e garantir alguma estabilidade na região.
São atualmente cerca de 8.000 homens. Por falta de recursos financeiros, no entanto, a missão não tem conseguido cumprir seu papel plenamente. A idéia hoje é que forças de paz da ONU se somassem às da UA e gradualmente assumissem todas as funções em Darfur.
Para o subsecretário, tirar soldados que já estão familiarizados com a diversidade cultural, religiosa e territorial de Darfur e substitui-los por militares de outras regiões da África, ou da Ásia ou, talvez da América Latina seria pouco produtivo. Alguns funcionários do governo também temem que a presença de estrangeiros -dependendo de onde venham- reacenda velhos rancores anticoloniais, o que tampouco ajudaria na manutenção da paz.
Três anos após o início dos conflitos, Darfur segue mergulhada numa profunda crise humanitária. Faltam alimentos e água. Em abril, o Programa Mundial para Alimentação teve de reduzir pela metade o envio de carregamentos de comida porque as doações internacionais estão minguando.
Segundo a representante do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU, Louise Arbour, que visitou Darfur no começo do mês, a rotina não é só marcada pela escassez, mas por ataques contra civis e contra funcionários de entidades humanitárias, pilhagens em vilarejos e estupros.
Além dos rebeldes, o próprio governo é acusado de agir em coordenação com grupos armados, cujos ataques deixam com freqüência um rastro de morte. O governo nega.
No Brasil, Seddig foi recebido pelo chanceler Celso Amorim e pela Câmara de Comércio Árabe-Brasileira. O Sudão -que possui reservas de petróleo e gás, além de vastas áreas de terras cultiváveis -procura investidores pelo mundo. Procura também se livrar das sanções econômicas unilaterais impostas pelos EUA aos país há alguns anos.
Segundo Seddig, muitos países aliados de Washington temem apostar no Sudão por temor de represálias americanas. "Hoje, com as sanções, só é permitida ajuda. Ajuda é positivo, mas, melhor do que isso, é cancelar as sanções contra o Sudão", disse ele. "Queremos é desenvolvimento."

Acordo ameaçado
Ontem, apesar dos esforços de diplomatas, um líder rebelde de Darfur rejeitou a última proposta feita por mediadores da União Africana para sua adesão a um acordo de paz.
Abdel Wahed Mohammed al Nur, do Exército de Liberação do Sudão (ELS), rechaçou o documento assinado no último dia 5 pelo governo e pelo chefe de uma facção rival dentro do próprio ELS, Minni Arcua Minnawi. Antes, o acordo já havia sido rejeitado por um outro grupo menor, o Movimento pela Justiça e Igualdade, o que alimenta a preocupação de que o texto não seja suficiente para conter o conflito civil.
Refugiados protestaram contra o acordo em uma série de campos em Darfur, e estudantes da região foram até as ruas da capital, Cartum, para protestar. Pelo menos seis pessoas morreram em meio à violência relacionada aos protestos no fim de semana.

Com agências internacionais

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