São Paulo, quinta-feira, 15 de maio de 2008

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China pobre sofre mais com terremoto

Cidades mais afetadas, em Sichuan, exibem precariedade ausente nas grandes metrópoles; mortos chegam a 14.866

Agricultores perdem filhos e casas e contam com doações e ajuda de voluntários, mas acesso às áreas afetadas ainda é muito problemático


RAUL JUSTE LORES
ENVIADO ESPECIAL A SHIFANG

A pobreza presente no interior chinês só aumentou a potência destrutiva do terremoto de segunda-feira, que deixou 14.866 mortos, segundo balanço mais recente do governo, e milhares de soterrados e desaparecidos. As cidades mais afetadas, na Província de Sichuan, exibem uma precariedade ausente em todas as exibições de riqueza da nova China.
O acesso de donativos e de militares e médicos é difícil a cidades montanhosas de Sichuan. O governo isolou Wenchuan, epicentro do terremoto, onde o primeiro-ministro Wen Jiabao esteve ontem. Até soldados e médicos chegaram lá a pé. A Folha viu apenas um helicóptero sobrevoando a região -ontem à noite, Wen ordenou que mais 90 fossem para lá.
A reportagem levou quase quatro horas para chegar de Chengdu, capital da Província, a Liu Shui, distrito completamente destruído de Shifang -cidade onde 2.500 pessoas morreram e mais de 30 mil estão desaparecidas.
Estradas de terra e pedrinhas são as vias de acesso para a maioria desses vilarejos. O cenário: fábricas abandonadas, construções inacabadas e casebres, destruídos pelo tremor.
Agricultores que ainda usam o arado manual e mulheres que carregam grãos em cestos nas costas mostram que a vida em Shifang não mudou muito nas últimas décadas. A maioria tem dentes cariados, pele muito queimada e aparência frágil.
O desenvolvimento acelerado (e desigual) da China fica para trás, em Chengdu, de 12 milhões de habitantes, com diversas lojas de marcas como Louis Vuitton, Mercedes-Benz e Porsche e vários shoppings.

Sem o filho único
Em Shifang, mães aos gritos continuam ao redor das escolas destruídas. Ao menor sinal de que equipes de resgate querem abandonar os trabalhos, atrás de sobreviventes em outros locais, partem para cima do Exército. Num país onde filho único é determinação do governo, sentem que perderam tudo.
"Minha filha está machucada, mas foi a única que sobreviveu na classe dela. Ela tinha saído da sala, o que a salvou", diz Chen Xian Min, 36. Agricultora, nesta época devia estar semeando arroz. Mas agora, falando da tenda onde se abriga, só quer saber onde vai morar.
"Meu consultório foi reduzido a pó, mas sou um afortunado porque consegui sair correndo. Na montanha, há cadáveres por todos os lados, gente soterrada, e o acesso aqui é terrível", diz o dentista Luo Hua Xing, 56. "Hoje foi o primeiro dia em que recebi água e comida."
Um casal de agricultores arma uma tenda no meio da rua, misturando compensado, telhas de amianto e sacos plásticos. "Minha casa desmoronou e eu caí no chão, machuquei o corpo inteiro, mas consegui fugir, estava de pijama. Estou comendo graças aos meus parentes, nem sei para onde vamos", diz Zhang Shi Xu, 60.
Além de parentes, voluntários não param de chegar às regiões devastadas. Dezenas de pessoas enfrentavam as estradas precárias levando donativos para as regiões montanhosas. Filas para a doação de sangue se repetiram por todo o país. Celebridades, como o ator Jackie Chan, anunciaram doações milionárias às vítimas.


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