|
Próximo Texto | Índice
Guerra contra drogas não reduz produção
Fim de cartéis colombianos concentra distribuição no México, onde violência explode; êxitos contra Farc não afetam plantio de coca
Dez anos após conferência da ONU sobre o tema, aumenta contrabando de cocaína da América Latina; EUA culpam Venezuela
DA REDAÇÃO
Bilhões de dólares gastos no
combate às drogas nas Américas -em especial ao menos
US$ 10,7 bilhões empregados
na Colômbia, maior produtor
de cocaína do mundo, entre
1999 e 2005- transformaram-se em resultados desanimadores em termos de redução do
consumo, do plantio de coca e
do rastro de violência que o tráfico espalha pelo continente.
Passados dez anos da Assembléia Geral da ONU que estabeleceu metas para atacar o problema, as cifras preliminares de
2007 já assustam.
O Escritório da Política de
Controle de Drogas da Casa
Branca estimou em fevereiro
que 1.421 toneladas métricas de
cocaína saíram da América Latina. A cifra representaria um
salto de 40% sobre 2006 -até
agora, tanto Washington quanto a ONU vinham citando como
êxito a relativa estabilidade da
produção de coca, em contraposição ao avanço exponencial
do começo dos anos 90.
A Casa Branca culpa a Venezuela pelo avanço, apontando
que o país tem sido cada vez
mais usado como rota dos traficantes. Mas, na produtora Colômbia, nem as recentes vitórias militares sobre a narcoguerrilha das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) nem a erradicação recorde de plantações de coca
melhoraram o quadro.
Anteontem, o jornal colombiano "El Tiempo" antecipou
que houve aumento de 25% na
área de plantio de coca em
2007. Passou dos 78 mil ha de
2006 para 98 mil -cifra próxima aos 102 mil ha de 2002, ano
seguinte à criação do Plano Colômbia, pacote de combate ao
narcotráfico e à guerrilha co-financiado pelos EUA.
Markus Schultze-Kraft, diretor para a América Latina do
prestigioso centro de análises
International Crisis Group
(ICG), diz que o enfraquecimento das Farc afetou pouco o
narcotráfico: "Não vemos relação direta entre esse êxito e o
controle do tráfico. Há problemas de fundo", disse à Folha.
Coordenador de dois estudos
do ICG sobre o tema, ele citou
como alimentadores do negócio o contágio da classe política
e as falhas nas políticas globais
para conter a demanda por
drogas. Schultze-Kraft ressalta
o poder de reacomodação da
indústria do pó, que sobreviveu
ao desmonte dos grandes cartéis colombianos, nos anos 90,
e à recente desmobilização da
principal coalizão de grupos
paramilitares do país.
Fabio Posada Rivera, editor
da Unidade de Investigação do
diário "El País", de Cali, explica: "A direção hoje é compartimentada para evitar delações e
traições. São chefões menos
vistosos e mais eficazes".
Escalada mexicana
As transformações no epicentro colombiano tiveram impacto no resto do continente.
Em especial no México, onde
os chefões locais assumiram a
distribuição da maior parte da
cocaína que vem dos Andes
após o desmembramento dos
cartéis de Cali e Medellín, que
vendiam a própria produção.
Hoje os cartéis mexicanos
controlam diretamente três
quartos do mercado de drogas
americano, o maior do mundo.
O país vive uma escalada da violência ligada ao crime organizado -1.585 mortes de janeiro a
maio deste ano, cerca de 30% a
mais do que em 2007.
"[Os narcotraficantes] estão
na economia, na vida cotidiana,
na cultura, no surgimento de
novas escolas, novos negócios",
diz Javier Valdez, jornalista e
fundador do semanário mexicano "Rio Doce". Como na Colômbia, os jornalistas são alvo
da violência. Uma cabeça ensangüentada foi entregue em
um jornal de Tabasco (sul), em
advertência a um diretor.
Por trás da carnificina, há,
para o diretor do Crisis Group,
"uma confrontação, a sangue e
fogo", entre o governo do conservador Felipe Calderón, interessado em expurgar parte das
polícias estaduais e locais corruptas, e os interesses arraigados do crime organizado.
Pouco depois de assumir, em
dezembro de 2006, Calderón
tomou uma medida controvertida: usar as Forças Armadas no
combate ao tráfico. Para
Schultze-Kraft, que defende o
fortalecimento das polícias e
recuo dos militares, essa não é a
solução. "O que o México precisa é de uma boa Polícia Federal.
A atual, muito pequena, não é
tão corrupta como as estaduais
e municipais, mas é débil."
Colaborou SÉRGIO TORRES, enviado especial a
Lima
Próximo Texto: "Alta de consumo de pó é risco para Cone Sul" Índice
|