São Paulo, domingo, 15 de junho de 2008

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Remanescentes do Sendero entram no tráfico peruano

Chefe de organismo oficial antidrogas vê "ameaça à estabilidade democrática"

Para deputada, governo usa suposto elo entre drogas e terror para criminalizar oposição; país é segundo maior produtor de cocaína


SERGIO TORRES
ENVIADO ESPECIAL A LIMA

Com as lideranças encarceradas e sem projeto político, remanescentes da organização maoísta Sendero Luminoso ingressaram no mercado de produção de cocaína, de acordo com dados apresentados na semana passada em Lima por representantes da seção antidrogas do governo de Alan García.
A informação também consta do mais recente relatório sobre drogas nas Américas do International Crisis Group, centro de estudos com escritório regional em Bogotá. São, diz o relatório, duas colunas estimadas entre 200 e 300 senderistas, que atuam nos vales do Huallaga (centro-norte do país) e do Apurímac-Ene (centro-sul). Eles dão proteção a traficantes e, no segundo caso, exploram o cultivo de coca e a produção da pasta de cocaína.
Parte da oposição a García contesta o elo entre os senderistas e os chamados "narcos". Sustenta que a intenção do governo federal é criminalizar os que não se alinham à política governamental. Entre o fim dos anos 70 e a prisão do seu fundador, Abimael Guzmán, em 1992, o Sendero travou com as forças oficiais uma guerra suja, com atos terroristas e massacres por parte do grupo, que deixou 70 mil mortos e desaparecidos.
A participação do Sendero no esquema de produção da droga começou de modo discreto há quatro anos, disse à Folha o coronel Carlos Morán Soto, da divisão de inteligência da Diretoria Nacional Antidrogas. De acordo com Morán, os chefes locais do Sendero possuem pequenas propriedades, de dez a 20 hectares, onde plantam pés de coca. Não dominam a logística da distribuição e recorrem aos narcos para a venda.
"Abimael Guzmán não controla mais nada. Os líderes soltos começaram a negociar com as firmas cocaleiras. A organização sofreu uma ruptura ideológica", disse à Folha o general Miguel Hidalgo, chefe da Diretoria Nacional Antidrogas.
Em palestra para jornalistas de Peru, Brasil, México e Colômbia no seminário internacional "Investigação Jornalística do Narcotráfico na América Latina", Hidalgo previu um quadro futuro de "consolidação do narcoterrorismo", o que "pode levar a um estado de guerra de baixa intensidade permanente". Ele disse que, "a longo prazo, o narcoterrorismo ameaça a estabilidade e a governabilidade democrática".
Analista político, colunista do diário "Peru21" e ministro do Interior em parte da gestão de Alejandro Toledo (antecessor de García), Fernando Rospigliosi disse à Folha que nos últimos anos mudaram as relações entre narcos e guerrilha. "Os senderistas se transformaram em sicários do narcotráfico. Hoje o grupo não tem organização política nem perspectivas de tomada de poder. Agora, alguns senderistas começaram a produzir sua própria coca, em pequenas quantidades."

Exercício com EUA
A tese da aproximação entre o Sendero e os narcos é rechaçada pela deputada Nancy Obregón, líder cocaleira da região do Huallaga. Segundo ela, o governo de García, ao fazer a vinculação, obedece ao que determina o governo dos EUA.
A deputada, do partido União pelo Peru, lembra que no país -onde parte do cultivo de folha de coca é legal, para uso tradicional da população andina- há uma distinção entre agricultor de coca e traficante.
Obregón considera "mentirosa" a vinculação dos agricultores cocaleiros aos senderistas. Diz também que García tenta transformar os oposicionistas em criminosos, ao colocá-los como incentivadores do tráfico. O Peru é o segundo produtor mundial de cocaína. Em 2006, a produção potencial de 280 toneladas métricas foi 75% maior do que a de 2002.
García, que comandou de 1985 a 1990 um governo que nacionalizou o sistema bancário, foi eleito pela segunda vez em 2006 pregando a aproximação com os EUA. Os dois países têm um Tratado de Livre Comércio, ratificado em 2007 pelo Congresso americano.
No mês passado, soldados americanos iniciaram um "exercício conjunto de ação humanitária" na Província de Ayacucho, berço do Sendero Luminoso. A operação, que vai até setembro, provocou protestos da oposição e rumores de que haveria negociações para mover para o país a base militar americana hoje instalada em Manta, no Equador -a concessão vence no próximo ano e não foi renovada pelo governo de esquerda de Rafael Correa.


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