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Remanescentes do Sendero entram no tráfico peruano
Chefe de organismo oficial antidrogas vê "ameaça à estabilidade democrática"
Para deputada, governo usa suposto elo entre drogas
e terror para criminalizar oposição; país é segundo maior produtor de cocaína
SERGIO TORRES
ENVIADO ESPECIAL A LIMA
Com as lideranças encarceradas e sem projeto político, remanescentes da organização
maoísta Sendero Luminoso ingressaram no mercado de produção de cocaína, de acordo
com dados apresentados na semana passada em Lima por representantes da seção antidrogas do governo de Alan García.
A informação também consta do mais recente relatório sobre drogas nas Américas do International Crisis Group, centro de estudos com escritório
regional em Bogotá. São, diz o
relatório, duas colunas estimadas entre 200 e 300 senderistas, que atuam nos vales do
Huallaga (centro-norte do
país) e do Apurímac-Ene (centro-sul). Eles dão proteção a
traficantes e, no segundo caso,
exploram o cultivo de coca e a
produção da pasta de cocaína.
Parte da oposição a García
contesta o elo entre os senderistas e os chamados "narcos".
Sustenta que a intenção do governo federal é criminalizar os
que não se alinham à política
governamental. Entre o fim dos
anos 70 e a prisão do seu fundador, Abimael Guzmán, em
1992, o Sendero travou com as
forças oficiais uma guerra suja,
com atos terroristas e massacres por parte do grupo, que
deixou 70 mil mortos e desaparecidos.
A participação do Sendero no
esquema de produção da droga
começou de modo discreto há
quatro anos, disse à Folha o coronel Carlos Morán Soto, da divisão de inteligência da Diretoria Nacional Antidrogas. De
acordo com Morán, os chefes
locais do Sendero possuem pequenas propriedades, de dez a
20 hectares, onde plantam pés
de coca. Não dominam a logística da distribuição e recorrem
aos narcos para a venda.
"Abimael Guzmán não controla mais nada. Os líderes soltos começaram a negociar com
as firmas cocaleiras. A organização sofreu uma ruptura ideológica", disse à Folha o general
Miguel Hidalgo, chefe da Diretoria Nacional Antidrogas.
Em palestra para jornalistas
de Peru, Brasil, México e Colômbia no seminário internacional "Investigação Jornalística do Narcotráfico na América
Latina", Hidalgo previu um
quadro futuro de "consolidação do narcoterrorismo", o que
"pode levar a um estado de
guerra de baixa intensidade
permanente". Ele disse que, "a
longo prazo, o narcoterrorismo
ameaça a estabilidade e a governabilidade democrática".
Analista político, colunista
do diário "Peru21" e ministro
do Interior em parte da gestão
de Alejandro Toledo (antecessor de García), Fernando Rospigliosi disse à Folha que nos
últimos anos mudaram as relações entre narcos e guerrilha.
"Os senderistas se transformaram em sicários do narcotráfico. Hoje o grupo não tem organização política nem perspectivas de tomada de poder. Agora,
alguns senderistas começaram
a produzir sua própria coca, em
pequenas quantidades."
Exercício com EUA
A tese da aproximação entre
o Sendero e os narcos é rechaçada pela deputada Nancy
Obregón, líder cocaleira da região do Huallaga. Segundo ela,
o governo de García, ao fazer a
vinculação, obedece ao que determina o governo dos EUA.
A deputada, do partido União
pelo Peru, lembra que no país
-onde parte do cultivo de folha
de coca é legal, para uso tradicional da população andina-
há uma distinção entre agricultor de coca e traficante.
Obregón considera "mentirosa" a vinculação dos agricultores cocaleiros aos senderistas. Diz também que García
tenta transformar os oposicionistas em criminosos, ao colocá-los como incentivadores do
tráfico. O Peru é o segundo produtor mundial de cocaína. Em
2006, a produção potencial de
280 toneladas métricas foi 75%
maior do que a de 2002.
García, que comandou de
1985 a 1990 um governo que
nacionalizou o sistema bancário, foi eleito pela segunda vez
em 2006 pregando a aproximação com os EUA. Os dois países
têm um Tratado de Livre Comércio, ratificado em 2007 pelo Congresso americano.
No mês passado, soldados
americanos iniciaram um
"exercício conjunto de ação humanitária" na Província de
Ayacucho, berço do Sendero
Luminoso. A operação, que vai
até setembro, provocou protestos da oposição e rumores de
que haveria negociações para
mover para o país a base militar
americana hoje instalada em
Manta, no Equador -a concessão vence no próximo ano e não
foi renovada pelo governo de
esquerda de Rafael Correa.
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